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Clássicos 13 Out 2022

Um “pão-de-forma” muito especial

A expressão anglo-saxónica “barn find”, que numa tradução literal significará “achado num palheiro”, refere-se normalmente a automóveis abandonados e esquecidos durante décadas em armazéns poeirentos, e que mais tarde são descobertos por comerciantes e coleccionadores. Atraem normalmente todas as atenções, sobretudo em leilões e outros eventos, porque constituem verdadeiras cápsulas do tempo, já que são encontrados tal como foram deixados há 30 ou 40 anos, e conseguem nos mostram muitas vezes um vislumbre de tempos idos. É exactamente de um destes “achados” que vos mostramos hoje. Mas não é um “achado” qualquer! Trata-se de uma carrinha Volkswagen “pão-de-forma” (como é carinhosamente chamada em Portugal) americana, que foi comprada com um propósito muito especial: o de fazer dónutes.

 

A origem

 

Em 1960, esta carrinha Volkswagen Bus Kombi foi comprada por um empresário americano de Dayton, por 2269,17 dólares, tendo em vista o inicio um novo negócio de venda de dónutes, acabados de fazer, à porta das fábricas da zona – sobretudo as fábricas da General Motors que existiam na cidade de Dayton nos anos 60. Após a compra, a carrinha foi enviada para uma empresa especializada, que a modificou e equipou com todas as fritadeiras, misturadores e geradores necessários para que pudesse operar de forma independente, em qualquer lugar. Já tendo feito este tipo de adaptações em cerca de 40 modelos, o dono dessa empresa foi mais tarde citado num anúncio da Volkswagen daquele período: “…as outras simplesmente não funcionam. São muito grandes e custam muito dinheiro para serem transformadas. Mas a Volkswagen funciona lindamente e é económica”.

 

Logo que a carrinha, já modificada, regressou a Dayton o proprietário contratou um “padeiro” para a conduzir e dar inicio à venda ambulante. Durante os primeiros anos, tudo correu bem com o negócio, pelo menos aparentemente, ou até o proprietário descobrir que o seu empregado de confiança afinal desviava dinheiro das vendas. Segundo relatos da época, o proprietário ficou tão desgostoso com a situação, que após despedir o empregado, resolveu esquecer a carrinha e o negócio, guardando-a numa garagem na qual ficaria guardada durante 45 anos. Seria o equivalente automóvel de um coma ou de um estado de animação suspensa.

 

A compra

 

Avancemos para 2007. Dave VanArtsdalen estava uma noite recostado na sua poltrona, quando recebeu um telefonema de um amigo que lhe contou sobre o anúncio de um leilão de uma Kombi de 1960. Como um homem de interesses variados – desde relógios antigos, a armas de fogo, passando por artigos relacionados com o actor Steve McQueen – o Sr. VanArtsdalen fazia parte de uma família apaixonada por Porsches Volkswagen antigos, especialmente destes modelos, os “pão-de-forma”. Estando este exemplar anunciado como um modelo original com poucas milhas, num local a apenas 30 minutos de sua casa, decidiu comparecer ao leilão.

 

Quando esse dia chegou, Dave VanArtsdalen encontrou apenas um concorrente sério à compra do “pão-de-forma”, pelo que após uma breve conversa, a carrinha estava a caminho de sua casa. “Durante o leilão, quando descobri que o homem queria comprar a carrinha para a mandar lá para fora, eu senti que era meu dever mantê-la cá! Então, com a minha mulher e os outros espectadores a apoiar-me, acabei por ganhar o leilão”.

 

Uma vez em casa, foi feita uma inspeção cuidadoso desta “Donut Bus”, tendo sido um enorme esforço para manter todas as peças originais e para que pudesse ser devolvida à estrada em condições tão “originais” quanto possível. Esse esforço compensou. Se olharmos para a porta do condutor ainda se pode ver o autocolante das mudanças de óleo, ali colocados pelo mecânico de serviço, a 20 de Junho de 1960. Quando estamos sentados no banco do condutor, os nossos olhos são atraídos para o velocímetro impecável. A primeira coisa que você vê é a quilometragem ultrabaixa – pouco mais de 10 mil –, mas logo começamos a reparar noutros detalhes. As agulhas verdadeiramente claras, sem estarem queimadas de amarelo pelo sol e a idade. Os números são claros e nítidos e o “quadrante” todo ele tem um aspecto “art-déco” que desmente o estilo de vida desta Kombi comercial.
Abaixo do painel de instrumentos encontra-se uma bandeja de metal pintado. Nessas bandejas normalmente encontramos cinquenta anos de ferrugem, riscos de chaves, moedas e restos de comida. No entanto, neste caso, a bandeja está perfeita, tal como quando era nova.

 

Embora a borracha da porta já peça para ser substituída – porque é ainda a original – os painéis interiores não têm nenhuma das rachaduras, lascas ou outros danos causados ​​pela água, que seria de esperar num antigo veículo comercial. É tudo perfeito, até a pequena pia de esmalte branco e o depósito de sabão em pó localizado no interior das portas de carga.

 

Uma das opções de fábrica menos instaladas, e consequentemente mais raras de encontrar é o assento basculante do condutor, que neste caso lhe permitia entrar na área de “cozinha” rápida e facilmente.

 

Espreitando através do painel de malha articulada, no lado do condutor, encontramos um gerador, na sua pintura original azul/verde metálico resplandecente. Outros pormenores originais são a rede de arame nas janelas, para manter moscas e mosquitos fora da área de preparação de alimentos, e uma sirene situada atrás do pneu sobressalente, no “nariz” da carrinha, que servia para alertar os operários famintos que a hora do almoço tinha chegado, depois dos dois ventiladores montados no teto, terem extraído o calor e cheiro a fritos.

 

Então, o que não é original? Bem, o mais óbvio são os pneus. Embora os pneus OEM ainda tivessem bastante piso, estava já bastante danificados pelo tempo. Outro item que precisava de atenção imediata era a borracha do óculo traseira, que havia secado. O motor deste “pão-de-forma” também funcionava bem, mas começou a deixar uma mancha de óleo cada vez maior no chão da garagem. Foi então que Dave VanArtsdalen levou a sua carrinha a um mecânico, aproveitando para ficar a conhecer melhor o coração deste Volkswagen de 1960: trata-se de motor fabricado entre  meados de 1959 e meados de 1960, e que embora tivesse a aparência da unidade de 40cv tinha permanecido com 36cv.

 

Todas as pinturas que vemos nesta carrinha são as originais, de 1960, feitas à mão. Quando Dave a trouxe para a sua casa, a tinta estava desbotada, oxidada e coberta com uma fina camada de fuligem, mas ele estava confiante de que a delicada pintura poderia ser salva, embora o desafio fosse fazê-lo sem a estragar. O resultado da recuperação, feita for um especialista, foi no entanto brilhante, como se pode aferir pelas fotografias.

 

Um motivo de satisfação em família

 

Desde esta compra que a família VanArtsdalen se tem divertido bastante com o “pão-de-forma dos Dónutes”. As palavras de Dave espelham bem a sua paixão e o amor que esta família dedica ao seu hobbie de automóveis antigos: “Este pão-de-forma já ganhou vários prémios e atrai sempre um enorme público. Durante os eventos, costumamos oferecer dezenas de dónutes, o que nos trás sempre grande sucesso, sobretudo junto das crianças. A melhor parte de comparecer nos eventos é poder estar com todas as pessoas que compartilham esta minha paixão de colecionar automóveis. Comigo e com minha mulher, também costuma comparecer o meu filho e a minha filha, já que ambos têm pelo menos um Volkswagen  antigo”.

Texto: David Conklin/Jornal dos Clássicos
Imagens: David Conklin

 

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