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The Horta Swell ou a História do Micro Jornal Aeronáutico mais Breve do Mundo
23 de Dezembro de 1939. Dois hidroaviões Boeing 314 da Pan Am provenientes de Lisboa aterram no porto da Horta, no Faial, para abastecimento de combustível. Horas depois deveriam prosseguir para Nova Iorque onde os seus 30 passageiros tencionavam passar o Natal.
A operação era tão habitual que o jornal “O Telégrafo” desse dia, prestes a ser impresso, anunciou a chegada dos aviões e a sua partida para o destino final. Fake news. De facto, devido à ondulação existente no porto da Horta, o Dixie Clipper e o Atlantic Clipper (assim se chamavam os aparelhos), acabaram por ficar retidos durante duas semanas no Faial. Os passageiros não só lá passaram o Natal como passaram também o Ano Novo. Só a 6 de Janeiro conseguiram descolar para Nova Iorque.

Qual era então o problema? A aterragem (não, nunca direi “amaragem”) era relativamente simples. Bastava um pequeno espaço de águas relativamente calmas e o Boeing 314 parava com facilidade. A resistência da água a embater no casco era mais que suficiente para provocar a desejada desaceleração.
O problema era a descolagem. Com o hidroavião carregado de combustível para fazer a viagem até Nova Iorque, a tal resistência da água do mar fazia com que fossem necessários cerca de dois minutos ou mais para que a velocidade necessária para voar fosse atingida. Isto queria dizer que o Boeing tinha que sair dos limites do porto e entrar em mar aberto para continuar a acelerar. Acontece que por limite estrutural, a descolagem não era permitida com vagas superiores a um metro de altura. Quem conhece os Açores sabe bem que vaga de um metro é coisa de amador. Em dias normais, as vagas do mar têm vários metros de altura.
Foi Charles Lindbergh que uns anos antes aprovou o porto da Horta para as operações da Pan Am. Ali foi instalada uma base totalmente americana, que incluía meteorologistas, mecânicos, pessoal administrativo e agentes comerciais. Havia também uma lancha que servia de rebocador, transporte de passageiros e abastecimento de combustível. Como a maior parte destes funcionários tinha consigo a família, tal bastava para dar à Horta um ambiente cosmopolita internacional até então desconhecido naquelas paragens. Os americanos (e as americanas…) faziam o maior sucesso.
E que faziam então durante esse tempo os passageiros dos dois hidros impedidos de voar devido ao mau tempo?
Alguém teve uma ideia genial. Com a ajuda das impressoras do “O Telégrafo”, resolveram editar um jornal. Alguns escreviam versos, outros contavam histórias, mas o mais interessante era o relato das pequenas coisas do dia a dia:
– “O Visconde Domecq parece demasiado aristocrárico debaixo de um barril!”
– “Graham Towers foi hoje o mais elegante”
– “A excitação de Leona Bucklin a cantar La Cucaracha…!”
– “O cabelo de miss Mowrer estava magnificamente exuberante!”
E por aí fora.

Saíram apenas seis exemplares. No último, com data de 7 de Janeiro de 1940, vem uma comovente despedida assinada por Humberto Melo Pereira, o director da orquestra de estudantes que abrilhantava as festas quase diárias. Escrevia ele:
“… Podeis todos perder de memória este torrão sem luz, sem conforto, inóspito … mas nós é que nunca esqueceremos a alegria exuberante da vossa graça e do vosso espírito. Muito boa viagem lhes desejo, muito embora venha morar comigo a dolorosa saudade”.
Falta apenas acrescentar que o Visconde Pedro Domecq, nome mundialmente conhecido da indústria vinícola, comprou umas dezenas de garrafas de vinho do Pico e com recurso à impressora do jornal criou um rótulo único para celebrar esta grande aventura. Se alguém tem alguma destas garrafas em casa, pois guarde-a bem. Esse pedaço de História deve ter hoje grande valor comercial.
Com agradecimentos ao Professor Carlos Guilherme Riley e ao Núcleo Cultural da Horta pelo trabalho extraordinário que realizaram a propósito deste acontecimento