Arquivos • 25 Fev 2023
Numa altura em que somos presenteados todos os dias com supercarros forrados com vinis dourados ou com logotipos da Louis Vuitton ou outras obras de arte semelhantes, que nos relembram que riqueza nem sempre vem acompanhada de bom gosto, é bom recordar bons exemplos de outras épocas.
Exemplos como homologar para circular nas estradas um protótipo de corrida, mais precisamente um dos mais famosos e importantes de sempre: o Porsche 917 K.
Foi exactamente isso que fez Conde Rossi di Montelera, herdeiro da fortuna da Martini&Rossi. Convencer um construtor automóvel a aceitar tal pedido é algo que não se consegue fazer a menos que se tenha muito dinheiro ou muita influência. Felizmente, o Conde Rossi tinha ambos, e após uma visita à Porsche em Estugarda em 1974, uma nova vida começa para o Porsche 917K com o chassis 917.030.
Construído em Janeiro de 1971, o Porsche 917.030 serviu para os primeiros testes da Porsche com o sistema ABS e competiu apenas uma vez, qualificando-se em terceiro nos 1000 Quilómetros de Zeltweg em 1971 antes de uma falha na suspensão o colocar fora de prova. Facto curioso, nesta prova este chassis correu com as cores da Martini Racing.
O exemplar foi então devolvido em Estugarda, onde continuaram os testes do sistema ABS sendo posteriormente colocado em armazenamento, onde permaneceu até o pedido de conversão ser feito pelo Conde em 1974. Processo que não foi complicado para a Porsche, que se limitou a pintar a carroçaria, retirar alguns apêndices aerodinâmicos e a colocar silenciadores no sistema de escape.
Na verdade, registá-lo para ser usado na estrada foi o verdadeiro desafio. Os esforços do Conde na Europa foram rejeitados – ele não tinha hipótese de fazer o 917 passar pelos rígidos regulamentos da Alemanha, e em França teria de fazer testes de colisão antes da homologação, o que obviamente não era possível.
A solução veio de um local inesperado. O estado americano do Alabama concordou em registrar o 917.030 sob a estrita condição de que o automóvel nunca circulasse no estado. Um acordo estranho, mas que funcionou.
Em Abril de 1975, com a nova matrícula do Alabama, o Conde Rossi inicia a viagem de Estugarda a Paris, a primeira de muitas viagens pela Europa para o antigo protótipo de corrida.
O 917K do Conde Rossi permitiu a outro proprietário de um Porsche 917 uma homologação semelhante. Em 2016, o monegasco Claudio Roddaro solicitou a legalização do seu 917.037, com o argumento que era idêntico ao do Conde Rossi di Montelera.
Um argumento simples, contudo complexo no caso deste chassis. O 917-037 era um chassis de reserva da equipa oficial Porsche, que nunca foi finalizado. No final da década de 1970, o construtor alemão de carroçarias Baur comprou o chassis e guardou-o durante vários anos. Foi vendido a um coleccionador americano que, na reputada Gunnar Racing na Califórnia o reconstruiu à especificação original da época. Na Rennsport Reunion de 2004 em Daytona, o automóvel teve sua primeira aparição pública.
Validando que este continha pelo menos 95% de componentes originais a Porsche atribuiu-lhe uma placa de construtor, fazendo deste não só o último Porsche 917 produzido mas também – uma vez que nunca competiu nem teve qualquer incidente – o mais original do mundo. Ainda assim, Cláudio Roddaro levou meses para passar por todos os trâmites burocráticos até finalmente conseguir suas matrículas.
Acredito no entanto que ele não se arrependa nem um pouco de todo o trabalho!