Clássicos • 09 Ago 2013
A história do Brasil tendo os automóveis como fio condutor
Inaugurou na quinta-feira (28/11) o CARDE Museu, em Campos do Jordão (cidade do Estado de São Paulo) que reúne Carros, Arte, Design e Educação, se destacando pelos seus conceitos inovadores em interatividade, experiência, cenografia e acervo de nível internacional.
No meio de uma floresta preservada de araucárias na cidade de Campos do Jordão, a 170 quilômetros de São Paulo, o CARDE surge como um espaço dedicado à valorização da cultura e da história do Brasil, principalmente a do século 20 com a utilização do automóvel como personagem principal. O museu traz uma forma única de contar os fatos históricos, já que muitos dos automóveis ali apresentados são muito mais que produtos para mobilidade — eles se tornaram parte da trajetória do nosso País. Serão aproximadamente 100 veículos, expostos de forma rotativa, selecionados de acervos técnicos que contam com mais de 500 automóveis históricos.
Carro, Arte, Design e Educação não só emprestaram suas iniciais para formar o acrônimo CARDE, mas também são os pilares que representam o que esse museu genuinamente é. O prédio, de seis mil metros quadrados, construído em um terreno de 200 mil m² no bairro Alto da Boa Vista, a 10 minutos do centro de Campos do Jordão, conta com iluminação teatral, cenografia rica em detalhes e muita tecnologia.
Cada sala tem painéis de LED de alta definição para vídeos históricos e artísticos e sistema de som imersivo, de maneira a tornar a experiência sensorial única. Os ambientes contam com um sistema de luz e som com trilhas sonoras sincronizadas com os vídeos, produzidos com o auxílio da computação gráfica a partir de uma pesquisa histórica profunda. Monitores touchscreen complementam o conteúdo em diversas áreas.
Serão ambientes imersivos, divididos de acordo com as décadas dos anos 1900, com fatos e histórias marcantes. Cada ambiente foi montado a partir de detalhado estudo histórico para somar referências de época. O CARDE conta com centenas de obras de arte espalhadas pelo museu, entre quadros, gravuras, joias e esculturas, de artistas como Candido Portinari, Di Cavalcanti, José Zanine Caldas, Frans Krajcberg, Vik Muniz, Oswaldo Teixeira, Djanira da Motta e Silva, Agostinho Batista de Freitas, Heitor dos Prazeres, José Antônio da Silva, Niccolò Frangipane, Yutaka Toyota, entre outros, que auxiliam na construção de uma visão clara sobre cada momento de nossa sociedade no século 20. Essa combinação harmoniosa de objetos artesanais e tecnologia tem como fio condutor o item de grande apelo afetivo que faz parte da vida das pessoas: o automóvel.
Na entrada o visitante já é recebida numa “câmara de descompressão” se preparando para aguçar a análise crítica e se abrir às percepções, quebrando qualquer expectativa de um museu meramente automobilístico e definindo sua proposta inovadora. A experiência começa por meio de um cenário onde um dos automóveis brasileiros mais raros, o Brasinca Uirapuru (1964), surge adornado com uma pintura indígena no topo de um cajueiro em metal, com folhagens de crochê e todas as paredes do Salão adornada com uma colcha em trama de fios coloridos que foi produzida por 200 mulheres do projeto social Instituto Proeza, de Brasília (Capital Federal do Brasil). O trabalho das crocheteiras abraça pinturas e outras obras de povos originários dos estados do Ceará e Amapá. A instalação servirá para sensibilizar o público com o posicionamento do museu, que apresenta o passado, com um olhar à sustentabilidade e à preservação do planeta.
O objetivo de recuperar a história do Brasil também está intrínseco em cada detalhe, como no acervo privado de Emanoel Araújo, uma das figuras mais importantes do cenário artístico e cultural do País. Sua coleção afro-brasileira, adquirida em sua totalidade em 2023, sintetiza a diversidade e a origem do nosso povo e destacam a importância da inclusão e valorização das diferentes culturas, conectando a Fundação Lia Maria Aguiar (FLMA) à sociedade atual. Um dos destaques é a coleção com as “joias crioulas”, peças de joalheria que surgiram no Brasil entre os séculos XVIII e XIX, especialmente durante o período colonial e imperial, e estão profundamente ligadas à cultura afro-brasileira. Essas joias eram usadas principalmente por mulheres negras e escravizadas e são um rico testemunho das origens do design brasileiro.
“Fizemos o CARDE com carinho e o máximo direcionamento para a qualidade tanto da informação a ser compartilhada quanto à riqueza na contextualização dos objetos em exposição. Foi feita uma curadoria meticulosa em todos os sentidos. No caso do acervo de automóveis, a meta foi chegar a um alto nível de originalidade e representatividade histórica. E conseguimos. Com o CARDE, queremos que objetos que muitas vezes estão distantes de grande parte da população, como o automóvel raro, a obra de arte e até mesmo a história, agora estejam acessíveis”, afirma Luiz Goshima idealizador do projeto e diretor-executivo do museu, que também atua como conselheiro e membro honorário da Fundação Lia Maria Aguiar (FLMA).
O CARDE é uma evolução do pilar de educação da Fundação Lia Maria Aguiar (FLMA) e representa sua abertura para toda a população brasileira e mundial. Neste ano, a instituição independente e sem fins lucrativos completou 16 anos de atuação em arte, cultura, educação, saúde e desenvolvimento social em Campos do Jordão (SP).
Salas temáticas no térreo, divididas por períodos e fatos especiais
As salas do andar térreo são divididas em períodos históricos, nas quais os automóveis se misturam com os acontecimentos de cada período. Nessa narrativa, os objetos ajudam os visitantes a imergir nos fatos históricos surpreendentes. O museu contou com a consultoria de história da professora Heloísa Starling e do Projeto República da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para selecionar os fatos históricos mais relevantes do nosso País e do mundo, que também mostram os movimentos e lutas que aconteceram em busca da democracia e do desenvolvimento social em cada período.
Entre os destaques está a sala “Uma grande história de amor”, sobre o relacionamento de Henrique Lage e Gabriella Besanzoni. O cenário do romance foi monumental: o Palacete do Parque Lage, no Rio de Janeiro, retratado na cenografia desse requintado espaço no CARDE. Nos anos de 1920, o empresário bem-sucedido Henrique Lage remodelou essa construção existente para transformá–la em um palácio para sua amada esposa, a cantora lírica Gabriella Besanzoni. Além do palácio, mais um presente foi especial preparado para agradar a amada: um Isotta Fraschini, importado da Europa, um dos carros mais luxuosos do mundo à época, com detalhes exclusivos. A unidade em exposição possui o número de identificação #810. Finalizada em 1925, ostenta desenho exclusivo assinado pela Carrozzeria Castagna, prestigiada encarroçadora milanesa. Uma verdadeira joia sobre quatro rodas.
Outro modelo do CARDE que é um personagem da história é o Lincoln K, de 1938. O automóvel conta com carroceria especial Willoughby, de Utica, Nova Iorque. Somente cinco carros foram feitos neste ano e nesta configuração Touring de sete passageiros. Encomendado pelo ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, serviu de carro oficial em diversas visitas de chefes de Estado pelo Brasil, transportando, entre eles, Getúlio Vargas, Charles de Gaulle, a rainha Elizabeth II e o papa João Paulo II.
Pessoalmente para mim a jóia do museu é o raríssimo Tucker Torpedo de chassis 1003, um símbolo clássico da luta do empreendedor contra o sistema, estando o modelo em estado impecável que chamou a atenção do mundo para o museu quando da sua aquisição. Ainda não está em exibição mas o CARDE promete grande repercussão na estréia desta “obra de arte” do seu acervo.
Para os amantes do automobilismo, há outra sala também muito especial. Com uma referência visual de um autódromo, apresenta três carros originais da equipe Willys, que dominou o automobilismo brasileiro nos anos 1960.
No primeiro andar, a evolução do design e tecnologia
Já no primeiro andar, a exposição “O Design e a Evolução da Forma e da Tecnologia” se destaca com foco no desenho automobilístico e na experiência por meio de tecnologias imersivas, como a Sala de Hologramas de Automóveis, na qual os visitantes poderão conhecer em detalhes todos os modelos à mostra no CARDE.
É um grande salão apresentando a evolução do design, da forma, da aerodinâmica e da tecnologia geral dos automóveis. Totens interativos relacionam o design dos automóveis ao design geral de cada época, como arte, arquitetura, mobiliário, objetos, moda, costumes e filosofia.
E, como não poderia faltar, há também um ambiente com uma homenagem a Campos do Jordão, que conta com um ônibus jardineira em exposição e uma grande tela de LED que mostra, por meio da computação gráfica, a história, a cultura e as tradições da cidade mais alta do Brasil, além de depoimentos de vários moradores sobre suas lembranças e memórias especiais com a cidade.
Design inédito e pesquisa histórica aprofundada
O design inédito do CARDE foi concebido por Gringo Cardia, uma referência brasileira na criação de museus, assim como designer e cenógrafo. Ele é também artista visual, arquiteto, diretor artístico, diretor de vídeos, teatro, ópera e moda, e criou mais de 150 shows para artistas renomados do Brasil e do exterior, entre eles o Cirque Du Soleil. “A ligação sentimental e histórica com o automóvel é o grande diferencial do CARDE. A emoção é a forma mais eficiente de transmissão de cultura”, destaca Gringo Cardia.
A pesquisa bibliográfica e documental para a contextualização histórica foi realizada durante cerca de um ano por uma equipe de 15 historiadores liderados pela professora Heloisa Murgel Starling (UFMG). Já o professor Felipe Scovino (UFRJ) fez a curadoria de arte. O professor, historiador e designer automotivo Carlos Castilho (FAAP) realizou as pesquisas de design no século 20. E João Pedro Gazineu é o responsável pela curadoria de história automotiva.
Resultado da inclusão de perspectivas essenciais para a diversidade, a pesquisa contou com a participação de três indígenas cujas visões e arte são fundamentais para a identidade do museu e para a importância da crítica e da poesia que ressoam nas histórias contadas: a ativista ambiental Daiara Tukano, que traz um forte contraponto aos automóveis, questionando seus impactos no meio ambiente, o artista visual Caripoune Yermollay, que apresenta a cosmologia Karipuna por meio de suas poderosas pinturas, e Rudá Jenipapo, com sua imponente escultura e pintura de um Brasinca Uirapuru.
O CARDE MUSEU está aberto ao público oficialmente desde o dia 28 de novembro de 2024 e a lista completa de veículos, itens e obras de arte em exposição estarão disponíveis em breve no próximo artigo para os fãs do Jornal dos Clássicos.
Quem tiver curiosidade de visitar o museu sem sair da cadeira, meu amigo Renato Bellote proprietário da internacionalmente famosa “Garagem do Bellote”, esteve no museu e fez um excelente vídeo para o YouTube.
CARDE MUSEU – Carros, Arte e Decoração
Campos do Jordão, São Paulo, Brasil.
Ingressos: no local
Site: www.carde.org
E-mail: contato@carde.org
Instagram: @carde.museu