Arquivos • 17 Out 2024
No princípio dos anos 70 do século passado, como amadores do desporto, vivíamos com grande afeição os ralis em Espanha e fomos testemunhas dos primeiros passos das empresas espanholas de petróleo como patrocinadoras da competição desportiva. Uma das primeiras foi a Repsol, que na altura pertencia à marca dos lubrificantes Repesa.
A Repsol foi a primeira em patrocinar aquele que foi 13 vezes Campeão Mundial de Motociclismo Angel Nieto, criou a Escuderia Repsol de rallies e circuitos e apoiou as formulas de promoção Taça TS Renault e da Fórmula 1440 SEAT.
Naqueles anos corria nos ralis de Espanha junto com os pilotos Doncel, Lencina, Lucas Sainz, Reverter e Ruiz Gimenes, Bernard Tramon, figuras como Sandro Munari, Jean Ragnotti ou Jean Pierre Nicolas e como co-piloto Jean Todt que acabou por ser o chefe da escuderia Ferrari e Presidente da FIA até há bem pouco tempo.
Em todo o caso, o mundo dos ralis em Espanha era principalmente frequentado por amadores e neste mundo conheci Ricardo Muñoz (“El Rizos”) um jornalista automóvel com um conhecimento avassalador e apaixonado pelo mundo dos ralis em Espanha. Fui seu co-piloto em vários ralis em Espanha e com ele aprendi a tomar notas dos troços e dos muitos detalhes que fazem um co-piloto ser fiável. Também me habituei a sair, com frequência, da estrada assinalada ao treinar essa habilidade com automóveis alugados.
Em 1970 participamos no El Race Rallie de Espanha com um Seat 850 Sport Coupé 45cv da namorada do Ricardo, Ana Glória, e com o patrocínio da sua loja de roupa a “Donlebun” e de uma discoteca “betinha” de Madrid daqueles tempos a “Tartufo”. O rali era nos arredores de Madrid e nas províncias vizinhas durante duas noites, com um percurso de mais de 1.400 quilómetros e 30 troços cronometrados.
Estava tudo a correr bem. No último troço do rali em Robledo de Chavela – El Escorial, perto das instalações de seguimento da NASA – tudo parecia bem encaminhado, estávamos bem classificados com aquele automóvel de 45cv. O “El Rizos” decidiu ir mais rápido na descida daquele troço porque, ao que parece, os jornalistas estavam a observar.
Numa curva cega “cantei” ao entrarmos a fundo e acabamos num buraco que conseguimos sair com a ajuda da Guarda Civil. Tratava-se agora de chegar ao circuito de Jarama a 60 quilómetros de distância com um forte golpe na frente direita do automóvel. Quando chegássemos ao circuito tinhamos apenas de dar três voltas sem co-piloto, coisa que conseguimos, como se pode ver na foto abaixo.
Depois só faltava chegar ao fim do rali em Madrid, na sede da Seat na Avenida do Generalíssimo, a 28 quilómetros de Jarama. Na estrada Nacional 1, saltou a roda dianteira direita. Tentámos prosseguir com o disco dos travões sobre o asfalto mas foi impossível. Abrindo o capô posterior e com o calor do radiador nas minhas partes traseiras continuámos o nosso caminho. Um pouco mais tarde fomos mandados parar por dois oficiais da Guarda Civil que alegavam que não podíamos continuar a circular daquela maneira.
Depois de uma negociação amigável pagámos uma multa de 1000 pesetas, por criar perigos desnecessários na via pública, e aquela simpática dupla de guardas escoltou-nos até à meta. Finalmente chegámos com penalização, mas chegámos. Deram-nos um prémio de consolação pela peripécia. Ana Glória, proprietária do Seat não deve ter ficado muito chateada porque acabou por se casar com “El Rizos”.
Tive a oportunidade de conhecer o mundo do desporto motorizado em todas as suas modalidades mas ninguém me tira a ideia que os ralis são a forma mais bonita e humana. Creio que não há noutra modalidade do desporto com este binómio piloto/co-piloto e as suas respectivas vivências e histórias que surgem.