Competição • 04 Jun 2024
O regresso aparente
Murphy tinha vindo da Leyton House, onde tinha sucedido a um tal de Adrian Newey, no cargo de director técnico e projetista principal. Tinha desenhado o CG911 e levado muitos dos desenhos para a Lotus no final de 1991, para acabar a desenhar o 107, o projecto sucessor do 102.
Quando o desenhou, tinha em mente um sistema de controlo de altura semelhante à suspensão activa, mas em vez de ser electrónico, tinha molas com actuadores hidráulicos na zona das suspensões. Contudo, o sistema – que se estreou em Imola, quando o automóvel fez a sua primeira aparição -, nunca funcionou bem e foi abandonado depois do GP do Mónaco.
Em compensação, a Lotus tinha arranjado um motor Ford HB de 8 cilindros, versão cliente que tinha a Benetton, e os resultados foram bem melhores que o anterior Judd. Häkkinen conseguiu dois quartos lugares, e no Estoril andou muito tempo na segunda posição, antes de uma mudança de pneus o ter colocado no quinto lugar final nessa corrida. Acabaram com 13 pontos no campeonato e o quinto lugar no campeonato de Construtores, e Herbert afirmou que o carro era bem desenhado e agradável de conduzir, mas muito pouco fiável. Nessa altura, a marca ficou com o piloto britânico, assinando para mais cinco temporadas, esperando que ele fosse o piloto principal de uma recuperação que pensaram que iria acontecer.
Estratégias estavam entretanto a ser discutidas: Collins e Murphy planeavam o sucessor do 107, e achavam que este teria ajudas electrónicas como a caixa semi-automática e a suspensão activa, mas essencialmente, uma grande carga aerodinâmica, de preferência, melhor que a da Williams, o “padrão-ouro” da época. Queriam um automóvel revolucionário, mas o dinheiro era escasso, apesar dos bons resultados e de ser um bom cliente dos Cosworth.
Contudo, Collins queria exclusividade, que acharia ser o caminho ideal para o regresso às primeiras filas e claro, a um alívio no orçamento.
A Lotus manteve a fórmula para 1993, com Häkkinen a ir para a McLaren e o italiano Alex Zanardi, ex-Jordan e Minardi, a ir para o seu lugar. Herbert quase foi ao pódio no Brasil, ao lutar pela terceira posição com o Benetton de Michael Schumacher, e em Donington Park, conseguiu outro bom resultado, com um quarto lugar. Em Silverstone, lutou pelos lugares da frente com Benetton e McLaren, e ficou na frente dos Ferrari, chegando ao ponto de, no final da transmissão da BBC, Murray Walker celebrar o terceiro quarto lugar de Herbert com um “a Lotus está de Volta!”.
Apesar dos 12 pontos conseguidos por Herbert e Zanardi nessa temporada, o desastre estava sempre à espreita. Na qualificação de sexta-feira para o GP da Bélgica, em Spa-Francochamps, o piloto italiano perdeu o controlo do seu monolugar no Raddilon, embatendo fortemente contra o muro de proteção, destruindo o seu carro. Apesar de ter sido retirado sem ferimentos maiores, ele teria de ficar de fora por, pelo menos, duas corridas. O escolhido acabou por ser o português Pedro Lamy, que na altura lutava pela vitória no campeonato de Fórmula 3000, a par com o francês Olivier Panis e o escocês David Coulthard.
Lamy estreou-se no GP de Itália, e as suas prestações foram positivas, garantindo assim a permanência para além das duas corridas previstas. O piloto português correria assim até ao final do ano e ficaria para a temporada de 1994, deixando Zanardi na posição de piloto-reserva. Mais ou menos por esta altura, a marca garante os motores Mugen-Honda de 10 cilindros, que nessa temporada rugiam sob o capot dos Arrows. O contrato será, em principio, de duas temporadas, e o potencial de os colocar um pouco mais acima do resto do pelotão existe. Mas para isso, é preciso um chassis novo. Porém, o 109 só aparecerá em 1994, altura em que o 107 entrava na sua terceira temporada. Logo, uma travessia no deserto teria de acontecer até aparecer o material novo… e por esta altura, apesar da boa vontade dos credores – havia dívidas por pagar desde 1991! – esta não era infinita. E não se podiam dar ao luxo de falhar.
Entrávamos então na temporada de 1994, com o 107 (na versão C, adaptado ao novo motor), e a dupla Herbert-Lamy a bordo. Os pilotos conseguem levar o monolugar até ao fim quer no Brasil, quer em Aida, mas fora dos pontos. Dois sétimos lugares do lado de Herbert e um oitavo do lado de Lamy foram os melhores resultados com o 107C, com o Mugen-Honda. No entanto, a fiabilidade vinha com um preço: o 107C era 45 quilos mais pesado que a versão anterior, e isso ressentia-se na grelha: os Lotus arrastavam-se constantemente pelos últimos lugares, batendo apenas os Pacific, Simtek e um ou outro ocasional Larrousse e Ligier.
Mas em Imola, o desastre: na partida para a corrida, o Benetton de J.J. Letho fica parado na grelha; alguns segundos depois, é atingido por um monolugar vindo do fundo da grelha, a mais de 180 km/hora, em terceira velocidade. Era o carro de Lamy. O piloto português fica sem metade do carro, mas sai miraculosamente dele, ileso. Algo bom numa tarde horrível, das mais negras da história da Formula 1.
Contudo, duas semanas mais tarde, não terá essa sorte. Em Silverstone, em testes onde os monolugares estão a experimentar as novas soluções aerodinâmicas para retirar a carga dos bólides, a asa traseira voa em plena aceleração, na região da curva Abbey. O carro sai de pista e acaba numa área pedonal, destruído em três pedaços. Lamy é retirado do carro com fracturas nos tornozelos, nos joelhos e num dos pulsos, acabando por não competir mais na temporada. Dos poucos que assistiram ao acidente, todos afirmam que, se fosse no fim-de-semana de Grande Prémio, teria resultado em vítimas mortais.
No entanto, nesta altura um outro cadáver estava a caminho: o da própria equipa.