Arquivos • 29 Set 2023
Se Enzo Ferrari era, naturalmente, o líder incontestável da Scuderia, Mauro Forghieri era claramente o número dois da equipa. Durante quase 30 anos, foi o homem de confiança do Commendatore, mas foi sobretudo, um engenheiro envolvido nas pequenas e grandes revoluções da Fórmula 1, como o motor central traseiro, a aerodinâmica ou o turbo.
Mauro Forghieri nasce em 1935, em Modena, filho de Afra Gori e Reclus Forghieri, mecânico da Scuderia Ferrari. Concluídos os seus estudos de engenharia na Universidade de Bolonha (durante os quais chegou a fazer um estágio na Ferrari), Mauro Forghieri inclina-se para trabalhar no sector aeronáutico, mas, por influência do pai, acaba por trabalhar ao serviço da marca de Maranello, a partir de 1959.
Na Ferrari, trabalha com outro jovem engenheiro, Giampaolo Dallara (que sairá pouco tempo depois), sob as ordens de Carlo Chiti. Um dos primeiros trabalhos relevantes de Forghieri consiste na resolução de alguns problemas no comportamento do 250 GTO. Também começa a trabalhar na Fórmula 1, nomeadamente, no 156 “Sharknose”, com o qual Phill Hill viria a sagrar-se Campeão do Mundo em 1961.
Mas no final da época, os principais directores da Scuderia Ferrari mostram um certo desagrado com a ingerência de Laura Ferrari nos assuntos da equipa. E quando o Director Comercial, Girolamo Gardini, faz um ultimato a Enzo Ferrari, este despede-o, provocando a demissão de outros nomes importantes, nomeadamente, Romolo Tavoni, Director Desportivo, e os engenheiros Carlo Chiti e Giotto Bizzarini.
É neste contexto que Enzo Ferrari escolhe Mauro Forghieri, de 27 anos, como director técnico da Scuderia Ferrari. Uma responsabilidade que Forghieri tem alguma dificuldade em aceitar de imediato, mas o Commendatore garante-lhe o seu apoio total. Apesar do forte carácter de ambos, o que provocou algumas discussões bem acesas, a relação entre os dois será sempre baseada numa grande confiança mútua. E Forghieri, cujo filho bebé sofria de graves problemas cardíacos, nunca esquecerá a preciosa ajuda de Enzo Ferrari quando foi preciso recorrer a hospitais estrangeiros.
Com o 158, projectado por Forghieri, a Scuderia Ferrari consegue recuperar o título de equipa, em 1964, com Lorenzo Bandini e, sobretudo, John Surtees, que também conquista o título de pilotos nesse ano.
O jovem que tinha dificuldades em aceitar a autoridade de Carlo Chiti, lidera agora a Scuderia em modos comparáveis, ao ponto de ganhar a alcunha de “Furia”. E é provável que nos anos seguintes, a fúria do engenheiro tenha sido mais frequente, já que, num período dominado pelos “garagisti” ingleses, a Scuderia Ferrari não consegue ganhar nenhum título na Fórmula 1, com a série dos 312 – motor 3,0 litros, 12 cilindros -, pilotados por Jacky Ickx (ainda assim, vice-campeão em 1970) ou Clay Regazzoni, entre outros. Por seu lado, os 330 P3 e P4 também não conseguem ganhar as emblemáticas 24 Horas de Le Mans, face aos Ford GT40, apesar de outros resultados assinaláveis, como os três primeiros lugares nas 24 Horas de Daytona, em 1967.
Em 1968, a Fórmula 1 conhece uma revolução, na qual Forghieri se torna um dos pioneiros, e que mudará para sempre os monolugares: a aerodinâmica. Se Enzo Ferrari gostava de dizer que “a aerodinâmica só serve para quem não sabe fazer motores”, a verdade é que os primeiros ailerons da Fórmula 1 surgem no Ferrari 312. De facto, para responder ao Lotus 49, que tinha introduzido umas pequenas asas dianteiras e uma longa chapa curvada na traseira, no Grande Prémio do Mónaco, Forghieri coloca um verdadeiro aileron no 312 de Chris Amon, na corrida seguinte, em Spa.
No fim do campeonato de 1974, o segundo lugar de Clay Regazzoni não faz esquecer que a Scuderia Ferrari não ganha qualquer título há dez anos, e para a época seguinte, Mauro Forghieri trabalha num novo projeto: o 312T, com a caixa de velocidades colocada em posição transversal em relação ao motor, daí o T. Com os Ferrari 312T, 312T2, 312T3 e 312T4, a Scuderia Ferrari conquista quatro campeonatos de construtores (1975, 1976, 1977 e 1979) e três campeonatos de pilotos com Niki Lauda (1975 e 1977) e Jody Scheckter (em 1979). Esta era corresponde ao apogeu de Mauro Forghieri na Scuderia Ferrari.
Mas em 1980, com o 312T5, a Scuderia Ferrari conhece uma época particularmente decepcionante, que contrasta com a época anterior, terminando num humilhante décimo lugar no campeonato – Sheckter, campeão em título, terminou em 19º. Na época seguinte, a Ferrari abandona o 312T atmosférico, convertendo-se ao motor turbo, com o 126 CK. Uma conversão na qual Ken Tyrell e Colin Chapman não acreditam, afirmando até, que jamais a Ferrari conseguiria fazer um monolougar sobrealimentado, que fosse competitivo nos circuitos sinuosos (apostando um jantar com Foghieri). A resposta é dada no Grande Prémio do Mónaco, no qual Gilles Villeneuve mostra todo o seu talento, com uma vitória estrondosa nas ruas do Principado, seguindo-se outra vitória em Espanha. Tyrell e Chapman, em bons gentlemen derrotados, propuseram o tal jantar, mas Forghieri preferiu recusar, sentindo-se honrado por ser credor de figuras tão ilustres.
Na mesma altura, Forghieri desenvolve um novo sistema de mudanças semi-automáticas ao volante. Após uns testes, Gilles Villeneuve rejeita logo a ideia, exigindo o regresso à habitual alavanca. A ideia regressaria no final da década, com o Ferrari 640, sob o comando técnico de John Barnard.
Apesar da época de 1981 não ter sido tão má como a anterior , quinto lugar dos construtores, Forghieri acaba por ser, em parte, responsabilizado pela falta de resultados, perdendo influência no seio da equipa, sobretudo com a chegada de novos engenheiros, como Harvey Postlethwhaite, que passou a dirigir o projeto 126 C2, para a temporada 1982. Mauro Forghieri fica acantonado no departamento de protótipos, no qual projecta o 408 4RM, que teria sido o primeiro Ferrari com tracção às quatro rodas, 25 anos antes do FF, caso fosse comercializado.
Com um estatuto fragilizado no seio da Ferrari, suportando cada vez menos a ingerência da FIAT e a degradação do estado de saúde de Enzo Ferrari, Mauro Forghieri decide aceitar a proposta do presidente da Chrysler, Lee Iacocca, para dirigir o departamento desportivo da Lamborghini, em 1987, onde realiza o V12 de 3,5 litros que deverá equipar os futuros monolugares da marca. Infelizmente, este novo capítulo seria um verdadeiro fiasco. Poucos dias antes da apresentação do monolugar, o parceiro financeiro, Fernando González Luna, é alvo de um mandado internacional da Interpol, o que fragiliza consideravelmente a situação financeira da equipa. Finanças que a Chrysler não está disposta a equilibrar, deixando a equipa Lamborghini sem os fundos necessários para financiar uma temporada minimamente decente. Nem a participação da Confindustria, Associação Patronal Italiana, que deu origem à nova designação da equipa – Modena Team -, nem o talento de Nicola Larini, conseguiram evitar o fracasso, apesar de todos reconhecerem a validade do motor concebido por Forghieri, que chegou a ser testado pela McLaren em 1993, no Estoril, com Ayrton Senna ao volante.
Segue-se uma passagem pela Bugatti, então controlada por Romano Artioli, onde participa no desenvolvimento do EB110, embora manifestando várias divergências em relação ao projecto, como por exemplo, no que toca à sobrealimentação, defendendo a colocação de dois turbos em vez de quatro. Apercebendo-se rapidamente, que a megalomania de Artioli estava a conduzir a Bugatti à falência, Forghieri prefere abandonar a aventura, e estabelecer-se por conta própria com a Oral Engineering.
Mauro Forghieri continuou a mostrar-se disponível para vários eventos e entrevistas, recordando uma vida bem vivida, ao ritmo do automobilismo e ao serviço da Scuderia, ao lado de Enzo Ferrari.
Partiu no dia 2 de Novembro de 2022, e o desporto automóvel perdeu assim um engenheiro genial, uma figura incontornável.