É fundamental a beleza?

Arquivos 04 Set 2024

É fundamental a beleza?

Por Irineu Guarnier

Os automóveis muito feios, que me perdoem, mas beleza é fundamental. Parafraseando o poeta brasileiro Vinícius de Moraes, acresceria que o design de um automóvel deve ser “belo e inesperado”. Claro que mecânica e desempenho são importantes, mas de que adianta tudo isso se o invólucro é insípido ou tosco? Um automóvel sem estilo é como “um rio sem pontes”, como diria o poetinha.

Pode acelerar de 0 a 100 km/h em poucos segundos, retomar a aceleração em segundos, curvar bem, frear em poucos metros, mas se for feio e sem graça será apenas um reles meio de transporte. Não uma escultura móvel, uma máquina de sonho, uma obra de arte, como tantos clássicos que amamos sabem ser.

E por que os clássicos nos atraem? Pela engenhosidade mecânica? Pelo ronco de seus motores? Por terem estrelado um filme? Por terem pertencido a algum ídolo? Pelas boas recordações que nos trazem? Sem dúvida, por um pouco de tudo isso. Mas, principalmente, acredito eu, pela sua estética.


Claro que no mundo das pessoas práticas, insensíveis à beleza das artes, as linhas de um modelo podem parecer um detalhe irrelevante. Importa que a máquina os transporte do ponto A ao ponto B em segurança, com algum conforto, rapidez, e com o menor consumo de combustível possível. Os aficionados por engenharia ou mecânica pura, por seu turno, estarão muito mais interessados na arquitetura do motor e em quanta potência ele pode transferir para as rodas.

Sim, tudo isso é importante, mas, para quem aprecia o belo, o estilo sempre será a razão fundamental na hora da compra de um veículo. Falo por experiência própria: já tive automóveis de fraco desempenho, como o Volkswagen SP2, apenas porque os achava bonitos (O SP2 foi considerado pela revista alemã “Hobby” o Volkswagen mais bonito do mundo nos anos 70). Todavia, eu talvez não sirva de exemplo, porque efectivamente não sou um sujeito prático…

Vejo, contudo, que actualmente os veículos de uma mesma categoria estão praticamente no mesmo nível de eficiência mecânica. Por outro lado, os limites de velocidade em nossas ruas e estradas são baixos. Então, o que realmente acaba fazendo a diferença na hora da aquisição são mesmo as linhas da carroceria e o acabamento interno. Numa palavra: design. Não por acaso o desenho é o principal chamariz de anúncios e comerciais de veículos na televisão, embora os automóveis contemporâneos estejam cada vez mais parecidos uns com os outros.

Isso tem um explicação. A modelagem das carroçarias é feita em túneis de vento, em busca dos melhores coeficientes de penetração aerodinâmica (Cx) ou seja, da menor resistência ao ar (arrasto), que determina avanço mais rápido com menor consumo de combustível. O fluxo de ar é o verdadeiro designer. Ele indica a melhor solução aerodinâmica, a qual, por sua vez, condiciona o design. Desse modo, todos os automóveis acabam se assemelhando.

Além disso, existem as regras internacionais de segurança, que também contribuem para a homogeneização das linhas automobilísticas. Neste caso, a forma se subordina à função. Resultado: modelos banais, truculentos, grosseiros, com um exagero de vincos e arestas nas carrocerias, como se tivessem sido esculpidos a golpes de facão, sobretudo entre os onipresentes SUVs.

Listei, a seguir, os dez automóveis que considero os mais bonitos e charmosos de sempre, independentemente de suas qualidades funcionais. Alguns, tive o prazer de dirigir. Outros, apenas em sonhos… Como todas as listas deste tipo, esta também é bastante incompleta – ah, quantas maravilhas ficaram de fora… – muito pessoal e altamente subjectiva.

Porsche 911
A obra-prima da marca de Stuttgart. Mudou muito, mecanicamente ao longo de décadas. Até um motor refrigerado a água incorporou, mas o design continua basicamente o mesmo – e sempre atual.

Ford Thunderbird
Resposta da Ford ao Chevrolet Corvette 1953, o Thunderbird 1955 é um primor de elegância, com um visual que lembra mais um desportivo leve europeu. A sua descendência, contudo, não honrou os antecessores.

Jaguar E-Type
Um dos automóveis esportivos mais elegantes de todos os tempos. Um lord inglês, de linhas fluidas, que a passagem do tempo só valorizou. Até com motorização elétrica continua insuperável.

Aston Martin DB5
Outro charmoso inglês. Foi o modelo do primeiro James Bond do cinema. Tão marcante, que reapareceu nos últimos filmes da franquia do 007.

Ferrari Dino GT
Nunca foi, nem de longe, o modelo mais valorizado da fábrica de Maranello, nem trazia o logotipo do Cavallino Rampante. Espécie de criação desdenhada por seus criadores, tornou-se um dos mais carismáticos Ferrari de todos os tempos.

Lancia Aurélia Spider
Todo o charme do design italiano num conversível inesquecível. No filme “A Moça com a Valise”, rivaliza em beleza com a italiana Claudia Cardinale no esplendor dos seus vinte e poucos aninhos.

Citroën DS
A maior revolução mecânica e estilística do final dos anos 50, início dos anos 60. Já foi comparado a uma catedral gótica e considerado o autom´ovel mais bonito da história. Não agrada a todos, é verdade. Mas, como disse outro grande escritor brasileiro, Nélson Rodrigues, “Toda unanimidade é burra”.

Lamborghini Miura
Dizem que a posição de dirigir é horrível. É preciso ter braços tão compridos quanto as pernas, para conduzi-lo a contento. Mas, com aquelas linhas agressivas e elegantes ao mesmo tempo, além de um tonitruante motor às suas costas, quem se importa com esse detalhe?

Studebaker Champion Starliner
Criação iluminada do designer Raymond Loewy, o modelo 1953 é um coupé majestoso. Não roda – singra. Nem antes, nem depois dele houve outro Studebaker tão bonito.

Volkswagen SP2
O único brasileiro da lista. Aliás, brasileiríssimo: a Volkswagen só o fabricou no Brasil, na década de 70. O motor boxer refrigerado a ar de quatro cilindros e 1700cc era fraco para o modelo, mas o pequeno desportivo ainda hoje é uma linda máquina.

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Porsche 911
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Fotografias: Eduardo Scaravaglione

Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.

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