Jorge Monteiro (1946-2024)

Clássicos 30 Ago 2024

Jorge Monteiro (1946-2024)

Por Adelino Dinis

Foi sem aviso e sem se despedir que o Jorge Monteiro partiu, neste mês de Agosto. Trabalhando muitos anos com franceses, enquanto representante da Lacoste em Portugal, compreende-se a chamada saída “à francesa”, na tentativa de não estragar o ambiente da festa aos demais. Mas esta estratégia funciona melhor quando se trata de alguém por quem não se dá muito pela falta. Ora, tal não é, de todo, o caso do Jorge Monteiro que, se por um lado, tinha o “savoir-faire” e o fino trato à moda gaulesa, por outro, era indiscutivelmente lusitano na paixão pela vida e com um forte ascendente britânico no sentido de humor.

Era também um fervoroso entusiasta dos automóveis, com data, hora e local de contágio perfeitamente definidos: Domingo, dia 23 de Agosto de 1959, pelas cinco da tarde, no parque florestal de Monsanto, em Lisboa. Disputava-se o Grande Prémio de Portugal em Fórmula 1 e o Jorge, com 12 anos, foi assistir à corrida com o seu padrinho, o tio Rui. Stirling Moss, ao volante de um Cooper-Climax fez a chamada barba, cabelo e bigode — “pole position”, volta mais rápida e vitória —, deixando o jovem Jorge fascinado pelo automobilismo para toda a vida. E talvez também tenha sido determinante na sua devoção aos automóveis ingleses, com poucas excepções.

Aos 19 anos realizou o sonho de ter um Austin Mini Cooper S, que conservou toda a vida e que foi evoluindo mecanicamente, para que ficasse o mais desconfortável e ruidoso possível — sem significativo impacto no desempenho. (Quem nunca, que atire a primeira pedra).


Nos dias a seguir ao 25 de Abril, comprou um Austin-Healey 3000 MkIII, numa oportunidade de negócio irrecusável. Compreensivelmente, demorou algum tempo a contar à mulher. O Jorge seria o primeiro a concordar que, por vezes, não é fácil explicar a estratégia de longo prazo destas decisões. Sobretudo a uma pessoa grávida da segunda filha, durante um processo de revolução em curso. Mas o plano funcionou na perfeição: as miúdas cresceram bem e o Austin-Healey serviu toda a família por várias décadas, revelando que, na compra e venda de clássicos, a genialidade está disfarçada de impulsividade meramente pelo efeito teatral.

Falando de drama, recordamos que o Jorge também teve um desportivo italiano, encarnado, quadradão e sobrevalorizado. Sabiamente, na primeira oportunidade, passou-o à próxima geração e ficou-se pelos ingleses.

A este respeito, cumpre dizer que o Jorge Monteiro foi o principal defensor de um dos mais antigos construtor ingleses em actividade contínua. Falamos naturalmente, da Morgan, marca de que foi importador desde 1986 até há poucos anos. Para tal, apresentou-se em Malvern, reuniu com Peter Morgan e, no final do encontro, fecharam a parceria. Contrato? Qual contrato? Para surpresa do Jorge, o acordo ficou selado com um passou-bem. “O meu aperto de mão vale mais do que qualquer contrato”, afirmou Mr. Morgan. E assim foi.

Nos 34 anos que se seguiram, e com o apoio já este século do seu genro Rui Catalão, foi responsável pela comercialização de cerca de centena e meia de unidades, incluíndo modelos de quatro, seis e oito cilindros, bem como do único Aeromax vendido na Península Ibérica. Juntou à Morgan também a importação da Caterham, que fez o regresso ao mercado nacional pela sua mão.

Outra manifestação da sua paixão pelo automobilismo, foi a participação, enquanto piloto, no Troféu Datsun 1200 original, no início dos anos 70. Os preparativos correram lindamente. Licença desportiva novinha em folha, capacete e luvas a estrear e o bólido japonês a reluzir. A primeira prova foi no Autódromo do Estoril, com pouquíssimo uso também, num dia belíssimo. O arranque foi de livro, sem patinar um milímetro, mas a carreira de piloto esfumou-se no despique em grupo para entrar na curva 1. Segundo o próprio, não tinha coração para toda aquela emoção desenfreada.

Todavia, o seu amor pelo desporto automóvel não esmoreceu, sendo canalizado para o plano organizacional. Foi comissário do Rally de Portugal, integrando a equipa de Alfredo César Torres nos anos em que o evento foi considerado o melhor Rally do Mundo pela FIA.

Foi também director do conselho fiscal da FPAK e membro da direcção do Clube Português de Automóveis Antigos durante mais de 30 anos, contribuindo para que muitos outros pudessem viver ao máximo a paixão pelos automóveis e pelo automobilismo.

O resultado do seu trabalho está à vista de todos, mas a sua personalidade, divertida e enriquecedora, essa, ficou reservada para todos aqueles que com ele privaram. Os episódios aqui partilhados contam uma pequenina parte da história, mas a palavra final cabe ao próprio Jorge, que pediu a seguinte inscrição no seu epitáfio:

“Eu bem vos disse que não me estava a sentir bem!”


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