Clássicos • 30 Dez 2020
Faleceu Manuel Fortunato Alves Neto Barbosa, o piloto português com uma ligação umbilical ao desporto e à história do automóvel em Portugal. Nesta hora em que parte para outras pistas, recordamos o artigo de Francisco Lemos Ferreira, numa viagem por tantas e preciosas memórias vivas.
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Manuel Fortunato Alves Neto Barbosa, nasceu em Águeda em 1930 e é o único piloto a correr com Alba vivo e acompanhou o nascimento dos automóveis Alba, desde a sua génese.
Ficam para memória futura muitas das conversas que tive sobre automóvel português Alba.
Amigo de António Martins Pereira e de Francisco Corte Real Pereira, Manuel Alves Barbosa acompanhou desde o início o estudo, concepção e construção do primeiro Alba o OT-10-54 desde a carroçaria ao famoso motor Alba “twim-cam”. Foi na sua casa de Aveiro que nos sentámos à conversa sobre os Alba.
Como é que começou a odisseia dos Albas?
Aquilo eram noitadas até às tantas na fábrica, com grande entusiamo. O “Chiquinho Pereira” era imparável, comideias a fervilhar e foi a força motriz para pôr as ideias do António Augusto em prática. Eu saía daqui rumo à fábrica em Albergaria quase todos os dias e regressava quase de manhã (risos). Havia três expert em Portugal: o Ângelo Costa com os FAP no Porto, e que chegou a fazer afinações no Alba, o Francisco Corte Real Pereira em Albergaria e o Palma em Lisboa. O Chiquinho Pereira era melhor que o Ângelo porque era também piloto e sabia as afinações que os automóveis precisavam.
Acompanhou tudo de perto?
Tudo! Desde a origem da ideia, ao desenho do automóvel e à sua construção até ao dia em que trabalhou o motor Alba pela primeira vez. O motor foi feito em molde de areia e era avançadíssimo para a época, com dupla árvore de cames e dupla ignição tipo Maserati. Os Alba tinham base Simca. O Corte Real tirava peso ao chassis fazendo buracos, preparava bielas, pistons e cilindros. Tudo ideias saídas da cabeça dele. Rebaixou a cabeça para obter mais compressão, tirou peso ao volante do motor, e não descansava enquanto não ficava como queria. Depois reforçava o chassis e o suporte da carroçaria ganhava forma. Só depois era chapeado a martelo e encontrador com o Elísio, um chapeiro de Aveiro que era extraordinário e que ainda me ajudou a dar forma ao protótipo do Prozé.
Era amigo pessoal dos dois?
Grandes amigos infelizmente já desaparecidos, o António Augusto idealizava e o “Chiquinho” concretizava.
Então foi piloto de automóveis?
Fui, participei em muitas provas de automóveis, com muitas vitórias e pódios (aponta para as muitas taças): a Volta a Portugal, Volta ao Minho, Rali de Fim d’ Ano da Figueira da Foz, Sangalhos, Rallye às Termas do Luso e Rampa do Bussaco, Rallye às Antas… A primeira prova que fiz foi no Volkswagen do meu pai que era o agente da marca para Aveiro. Fiz depois o Circuito de Vila do Conde com o Lancia do Martins Pereira. Sou grande amigo do António Peixinho, que foi colega de escola da minha mulher – a Dona Susana abana a cabeça em concordância e em ar de gozo, é notória a grande amizade e carinho existente e as muitas histórias passadas em comum. E digo-lhe mais, a primeira prova que o Peixinho fez foi como meu pendura, numa Volta a Portugal num Simca Aronde.
Esse gajo era impressionante! Nos ralis, quando havia aqueles interregnos dizia-me que ia dormir, e passado um minuto estava a dormir. Em África era a mesma coisa.
Correu em Monsanto com um Alba?
Sim, inscrevi-me com o Alba do Noémio Capela. Pedi-lhe o automóvel emprestado e participei, num dia de muito calor e muito público.
No TN-10-82?
Sim, nesse mesmo. Os Alba ainda tinham nessa corrida as grelhas iniciais. Foi no primeiro ano que correu e em que ganhou o Stirling Moss no Porsche Spyder. Fui com o “Chiquinho Pereira” mas ele não correu, porque o automóvel dele (o LA-11-18) estava com problemas de aquecimento e não alinhou. O meu não estava muito melhor…
Manuel Alves Barbosa correu com o Alba TN-10-82 na Taça Governador Civil de Lisboa em 23 de Junho de 1955 mas não se classificou. Começava aqui o declínio dos pequenos construtores portugueses que no início da década de 50 criavam efusivamente automóveis, a partir daqui começou a notar-se a diferença de argumentos financeiros e técnicos em relação às marcas estrangeiras e a Alba não foi excepção.
Teve então problemas com o automóvel durante a prova?
Tive bastantes, principalmente de aquecimento. Como calor o automóvel aquecia e ia abaixo. Então o Corte Real Pereira rasgou literalmente a entrada de ar na parte da frente do automóvel para melhorar arrefecimento, porque o carro não tinha nem correia nem ventoinha. Nem tinha alternador para não tirar potência ao motor, nem dínamo. Não tinha nada. O arrefecimento era feito única e exclusivamente pela admissão de ar, pelo que quando aquecia perdia potência. Mas era um automóvel nervoso que curvava e travava muito bem.
Daí a alteração da frente do automóvel que ainda hoje é visível no TN-10-82 em relação à sua configuração original que intrigou muitos interessados no tema.
Manuel Alves Barbosa faz uma pausa silenciosa e recorda com alguma emoção a morte de “Chiquinho Pereira” (Francisco Corte Real Pereira) e conta “Estava em casa do António Peixinho quando soube da morte do Chiquinho em Sá da Bandeira, Angola, nas 3 Horas da Huíla, ao volante de um Lotus. Disse ao Peixinho: O Corte Real Pereira morreu a fazer o que queria e onde queria”.
Francisco Corte-Real Pereira nasceu em 17 de Novembro de 1914 em Albergaria-a-Velha e faleceu em 15 de Agosto de 1970 em Angola, onde se radicou.
Mas voltando à prova, fez muitas voltas e com muito apoio do público.
Pois fiz e vou explicar porquê: é que eles pagavam 250 escudos por volta. Portanto, pensei: “Enquanto o carro andar, não vou desistir” – risos.
E o povo aplaudia?
Claro! Como estava o Moss, que era campeão, havia um mar de gente. Quando eu passava esticava o braço e fazia o gesto de “massa” com o polegar e o indicador! O Corte Real disse-me que o melhor era desistir, mas não desisti porque me fazia falta o dinheiro – risos, apontado para o bolso da camisa cheio de dinheiro – e vou-lhe dizer que o dinheiro que ganhei foi muito importante, porque no dia a seguir fui para Alemanha, pois fui premiado como um dos melhores vendedores de camiões da C. Santos e fomos visitar a fábrica e ainda lá ficámos uma semana.
O Alba já tinha o habitáculo cortado?
Não, estava original isso foi o Chiquinho que cortou depois.
Manoel Alves Barbosa completou 16 voltas da 25 totais da prova, arrecadando 4000 escudos, uma quantia bastante significativa para época. Na foto da corrida Alves Barbosa no Alba com riscas com o nº 26 e à sua frente vai o LNA Alba do Dr. Francisco Luzes (Constantino), inscrito como piloto. No entanto, quem vai ao volante é o Dr. João Lacerda que por sugestão do Dr. Luzes participou fazendo mais duas voltas que Alves Barbosa.
Alves Barbosa é uma figura ímpar com vasto currículo, tendo corrido Angola com um Alfa Romeo 1750 da Socoína preparado pelo mecânico italiano Batistini, desistindo de ali correr após testemunhar o terrível acidente do Troféu Palanca Negra.
No seu palmarés inclui-se o título de Campeão Europeu de Motonáutica na classe EU e centenas de vitórias, pelo que trataremos noutras edições o seu lugar na história da Motonáutica e do desporto motorizado em Portugal.
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