Eventos • 29 Jul 2021
2ª edição do Clássicos na Magnólia decorre este fim-de-semana
Após visitar o Clássicos na Magnólia praticamente desde a sua origem, sinto que se torna cada vez mais difícil para mim escrever algo de novo sobre esta celebração. Contudo, quando tento converter as minhas impressões em ditongos, tritongos e hiatos, sinto um vazio desconfortável. A expressão oral liberta uma dimensão do raciocínio que é impossível desbloquear através do texto: A reação, a surpresa, a curiosidade despertada por uma pergunta inesperada. Mais do que um ensaio metafísico influenciado por duas ponchas ao balcão, estou a desvendar-vos a mais recente iniciativa do Clássicos na Magnólia: O podcast da Magnólia, no qual tive o prazer de ser entrevistado e dar uma perspectiva pessoal sobre como é acompanhar a caravana imparável dos automóveis antigos em Portugal, e traçar paralelismos com o que se passa na ilha atlântica da Madeira.
Hidratei as cordas vocais e desempacotei verbalmente o que aqui acontece: os automóveis, os temas, as performances artísticas, a música, as danças. Na ânsia de transmitir da melhor forma o que penso sobre este evento, desfiz o embrulho mental de “uma exposição de automóveis” e comecei de novo. Estamos habituados a rotular qualquer expressão automobilística de “encontro de automóveis”, e esta magnólia floresce de muitas outras formas.
Um nervosismo incomum
No Podcast na Magnólia, fui entrevistado por Márcio Barcelos, um local madeirense, apesar do apelido homónimo com o concelho com mais freguesias do continente. Ainda antes de entrar no avião (mais uma vez atrasado) no aeroporto Francisco Sá Carneiro, já a Mónica Nascimento do FIU colectivo me abordava sobre a possibilidade de entrar num dos episódios do podcast. Nervoso, escrevo freneticamente tópicos que gostaria de elaborar durante a entrevista. Sinto uma responsabilidade imensa por transmitir o quão bons são os eventos de automóveis que na Madeira se fazem.
Entre perguntas, respostas e devaneios (sobretudo meus), debatemos como a Madeira se orgulha de uma longa história com os automóveis, e que inclusive este ano, em 2024, se celebram os 120 anos desde a chegada do primeiro automóvel à ilha.
Concordamos na forma única como o Madeira Classic Car Revival e Clássicos na Magnólia são ambos eventos posicionados como produtos turísticos, além de simples caprichos direcionados aos amantes de automóveis locais.
Refletimos sobre a forma descorporativizada como os eventos decorrem. A atmosfera vivida ainda é intocada pelas marcas ou burocracias federativas. Sorrimos o quão inusitado é ver carros em prova a fazer piões à volta de um polícia sinaleiro, como acontece na Rampa dos Barreiros. Só aqui. E só aqui é bom.
Um evento de autor
Apercebi-me ao falar com o Márcio, que cada edição do Clássicos na Magnólia é uma celebração contemporânea. Os automóveis estão lá, e são as peças museográficas centrais. Contudo, sem contexto, automóveis estacionados em cima de um relvado do jardim podem ser confundidos com um mero cenário de estacionamento selvagem. A música, as performances artísticas de época, os figurantes vestidos a rigor, as tertúlias e tantos outros detalhes atribuem semântica a estes objectos de metal inanimados e dá-lhes significado.
Para além de contemporânea, a Magnólia só pode ser uma celebração de autor. Tal como na concepção de uma obra de arte, não há compromissos, não há improvisos, e parece não haver limites para os recursos e dedicação atribuídos à sua organização. Desde a decoração, à comunicação, à curadoria até à imagem gráfica, gerida pelo FIU colectivo, que mais uma vez criou um dos melhores cartazes e suportes gráficos que temos em eventos do género em território nacional.
Um fórum de discussão
Entre caras conhecidas, tive o prazer de conhecer pessoalmente José Silva Pires, apresentador do programa Volante na Sic, e jornalista veterano do Diário de Notícias, onde foi colaborador durante mais de trinta anos. À mesa, no alpendre do Club House da Quinta Magnólia, fundado pelo cônsul norte americano J. Howard March em meados do séc. XIX, para satisfazer os seus hobbies relacionados com botânica, incluindo, adivinharam, magnólias.
À conversa, falamos sobre o presente e futuro do jornalismo de automóveis em Portugal. Sobre o passado, presente e futuro do papel como meio de comunicação. Sobre os pixels, sobre restauros de clássicos, sobre como imaginamos o Clássicos na Magnólia daqui a dez anos. Sobre a desprofissionalização da atividade jornalística e ascensão dos “influencers” digitais de automóveis. Sobre como salvar o associativismo do mundo dos clássicos. Tudo ao sabor de um dos melhores pratos de peixe espada que já tive o prazer de degustar.
Do lado oposto do jardim, no coreto da Quinta Magnólia, a nossa conversa é complementada pelas ondas radiofónicas das tertúlias da TSF. Marco Pestana, Eduardo Bonal, José Faria entre outros, discutem temas fracturantes como a crescente falta de mão de obra para as lides dos restauros; o tema recorrente do Museu dos transportes da Madeira; assim como o Design, engenharia e o salto tecnológico no mundo automóvel pós-guerra que é tema da Magnólia este ano: a década de 50. É inspirador ouvir a eloquência do discurso de mentes que dedicaram uma vida aos automóveis. Além de um espaço de comunhão, os eventos de automóveis têm o poder de se tornar espaços onde se cria cultura, e mais importante, gerar massa crítica para debater ideias sobre um futuro que é necessário assegurar.
Os automóveis dos anos 50
Cerca de 40 automóveis coloriram o relvado dos jardins da Quinta Magnólia, todos eles, sem excepção, provenientes da primeira metade da década de 50. Nesta década pós-guerra, a produção em massa foi direcionada para a construção de veículos de mecânica simples. No entanto, foi marcada por grandes avanços na indústria automobilística, com os veículos dessa época a evidenciarem maior aerodinâmica e a apresentarem um design mais elegante. Na generalidade, eram maiores e mais espaçosos, com capacidade para acomodar confortavelmente mais passageiros, com alguns a apresentarem equipamentos como direção hidráulica, ar-condicionado e até rádio. A classe média, emergente, procurava automóveis que permitissem dar maior autonomia e mobilidade às suas vidas.
Citando alguns exemplares, vimos expostos exemplares irrepreensíveis como um FIAT 1100 TV Ghia, Jaguar MK VII, vários exemplares de VW Beetle, MG TF 1500 da marca que celebra em 2024, os 100 anos da sua fundação, a par da Mercedes também representada por Mercedes 190SL e pela estrela do espetáculo: um Mercedes 300D Adenauer, pertencente ao embaixador alemão na Madeira, e mais tarde usado pelos Presidentes da República e Primeiros Ministros nas visitas oficiais à região autónoma. Outro exemplar que merece menção é o convidado especial Lancia Aurelia Spider, que terá vindo do continente especialmente para a ocasião, marcando a primeira vez que a Magnólia recebeu um carro do “exterior”.
O futuro
Tal como é aconselhável trocar regularmente o plano de treinos num ginásio, ou variar a dieta para manter o corpo e alma despertos, a Magnolia tem margem para experimentar novas combinações e adicionar novos ingredientes à receita. Combinar as vozes da experiência, com novas e jovens caras do meio adocicariam as tertúlias, ou quem sabe dar a hipótese ao público sempre interessado em participar no debate com as suas questões? Introduzir um factor “X” inesperado para apimentar a já assegurada consistência. Há literalmente um mar de oportunidades a rodear este belo jardim.
Promovido pela secretaria regional do turismo e cultura, o Clássicos na Magnólia é operacionalizado pelo Clube Automóvel de Clássicos da Madeira, e estará de volta em Julho de 2025 para a sua 6ª edição.
Fotografias do Autor
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