Uma história de devoção à casa de Arese

Arquivos 04 Ago 2024

Uma história de devoção à casa de Arese

Por Rui Bettencourt

Desde muito miúdo que comecei a gostar de automóveis. O meu pai achava uma graça enorme, porque eu mal falava e já sabia dizer as marcas dos automóveis que passavam por nós. Havia uma marca que sempre me disse muito, a Alfa Romeo.

Estávamos no início dos anos 60, eu com os meus oito anos quando o meu pai, por razões profissionais, foi transferido para a África do Sul mais precisamente para Port Elizabeth. Foi nesta cidade que, pela primeira vez, senti o prazer de sentir o que era um verdadeiro automóvel.

Numa final de tarde, o meu pai chegou a casa do trabalho e desafiou-me a dar uma volta com ele de automóvel. Um colega dele, também engenheiro, emprestou-lhe um Giulietta TI verde água com um grande autocolante na tampa da bagageira com o logótipo da Alfa Romeo de que ainda me recordo perfeitamente.

Mal colocou o motor a funcionar, aquela sinfonia do bialbero (em italiano, significa motor com dupla árvore de cames) era música para os meus ouvidos e para nunca mais esquecer.

Claro está, quanto mais o meu pai acelerava o sorriso no meu rosto ia aumentando e desta forma fiquei rendido para sempre a esta marca. A partir desse momento começou o meu sonho de adquirir um Alfa Romeo “quando fosse grande”.

Tirei a minha carta de condução e como a minha poupança não era suficiente acabei por ter de comprar um Mini Cooper em segunda mão. Esse mesmo Mini tinha corrido na pista em Le Mans e tinha ficado em segundo lugar, numa corrida de Grupo 1. Este factor contribuiu para a decisão de adquirir o automóvel, por achar que a parte mecânica estaria em boas condições.

Como eu ainda estava a estudar, o meu pai para incentivar nos meus estudos, prometeu-me comprar um Alfa Romeo quando eu terminasse o curso. Terminado o curso, a promessa foi cumprida. O meu pai, importou o automóvel directamente de Milão, um Alfa Romeo 1600 GT Júnior, branco, lindíssimo.

Era um prazer conduzir aquela “bella macchina” italiana e ouvir aquele cantar de motor. Senti que o automóvel era bastante rápido, mesmo sendo um 1600, facilmente competia com automóveis de cilindrada superior daquela época. Inscrevi-me nas Jornadas de Promoção para iniciados no Autódromo de Lourenço Marques, hoje Maputo, e assim poderia provar o quão rápido era um Alfa Romeo.

Infelizmente foi sol de pouca dura, pois com a Independência de Moçambique, acabei por ter de deixar o país onde nasci e não pude levar o meu querido Alfa Romeo comigo para África do Sul.

Com a lágrima no canto do olho tive de levar comigo uma pequena recordação do meu Alfa, optei por retirar o tampão do depósito de gasolina que funcionava com chave. Coloquei no seu lugar o tampão anterior que vinha de origem sem chave. Faço recordar que adquiri este tampão como forma de segurança porque estávamos numa crise de petróleo e esse bem precioso deveria estar bem guardado.

Pensei para comigo que quando voltasse a comprar um Alfa este tampão poderia ser útil e em simultâneo recordar o meu anterior que tantas saudades me deixou.

Chegado a Durban e como os Bertone Coupé modelo 105 eram muito caros para quem tinha de iniciar uma nova vida em África do Sul, acabei por comprar um Alfa Romeo um pouco mais acessível, ou seja, uma Giulia Super 1600 de 1974, em segunda mão.

O tampão de gasolina serviu perfeitamente para substituir o original que não tinha chave e assim também veio fazer parte do meu segundo Alfa. Foram mais uns anos da minha vida a conduzir, com imenso prazer, até ao dia que decidi voltar para Portugal para garantir um futuro melhor.

Achei ser uma decisão sensata vender a Giulia por diversas razões e sendo a mais forte poder sonhar em voltar a adquirir um Coupé Bertone. Tive o cuidado de reservar o mesmo tampão de gasolina para um futuro Alfa Romeo que viesse a comprar na Europa.

A oportunidade voltou a surgir quando o meu pai me disse que o dono da empresa onde ele trabalhava tinha, para além de outros automóveis, um belo 1750 GT Veloce que tinha oferecido à esposa pelo Natal de 1970.

De facto, como estava desesperado de voltar a conduzir um Alfa Romeo rapidamente fechamos o negócio e regressei a casa com essa bela máquina.

Como não há duas sem três o mesmo tampão de gasolina voltou a servir no Alfa Romeo 1750 GT Veloce.

Desde 1983 que preservo orgulhosamente o meu 1750 GT Veloce e para também homenagear o meu saudoso Giulia sul africano, nada melhor poderia ter feito senão voltar a adquirir um belo e atualizado Giulia sempre com o mesmo cheiro a “benzina”.

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