O meu último restauro

Clássicos 04 Ago 2024

O meu último restauro

Por Irineu Guarnier

Durante muito tempo em minha vida restaurei automóveis. O primeiro carro que tive, um Volkswagen SP2 1973, quando tinha 18 anos, chegou a mim bem ruinzinho, maltratado pelos antigos proprietários. Antes mesmo de poder desfruta-lo, seguiu para a oficina. Foi meu primeiro restauro. Serviço completo: lanternagem, pintura e tapeçaria novas; revisão geral de carburadores, fiação elétrica e freios; troca de fluidos, bateria, pneus e outros componentes. Depois dele, outros vieram. Mesmo quando já comprava autos zero quilômetro para uso diário, continuei garimpando, adquirindo e restaurando veículos antigos pelo imenso prazer de devolvê-los às ruas.

Mas, como ensina o Eclesiastes, há um tempo para tudo na vida. Um dia me cansei dos complicados restauros – e um ciclo se encerrou. Razões para meu desencanto não faltaram. Se, por um lado, a internet facilitou o trabalho dos restauradores, disponibilizando-nos peças e serviços difíceis de serem encontrados na era pré digital, por outro, estimulou a cobiça e o oportunismo. Qualquer lata velha esquecida em um galpão poeirento passou a valer uma fortuna. O proprietário da “relíquia “, que viu um modelo parecido na internet por um preço altíssimo –  só que em perfeito estado! – acha que pode pedir o mesmo pela sua sucata. A mão de obra especializada também ficou escassa e cara. E o comércio de peças começou a enxergar em cada modesto antigmobilista um milionário. Desisti da brincadeira.

Contudo, há um único projeto que me levaria de volta aos ferros-velhos e às oficinas: encontrar e restaurar o primeiro carro que tive. Troquei o SP2 por um Chevette no final dos anos 1970, na pequena cidade do interior onde eu vivia, e nunca mais o vi. Decorridos mais de 40 anos, o que terá acontecido com aquele belo exemplar Azul Caiçara do modelo esportivo que a Volkswagen só fabricou no Brasil e que tantas alegrias me deu?  Foi desmanchado? Virou sucata? Doador de peças? Galinheiro? Ainda roda? Encontra-se em alguma coleção? Ora, um automóvel não some no ar. Algo deve ter restado dele. Mas, em que condição? É isso que me tira o sono. Ultimamente, talvez por culpa do avanço da idade, dei para pensar muito nisso. Ando com vontade de resgata-lo. Não importa o estado em que se encontre, gostaria de adquiri-lo para devolver-lhe o esplendor dos dias em que fomos felizes. Seria o meu último restauro? Que sabe…

Fotografias: Eduardo Scaravaglione

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