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GP de Dallas de 1984: Quando o asfalto literalmente derreteu
Julho no Texas significa calor. Contudo, quando a Fórmula 1 decidiu que aquele era o lugar ideal para ter a sua segunda corrida em solo norte-americano, para substituir Long Beach, tinha mais em conta uma série que estava na moda do que, por exemplo, a tradição texana de adorar automobilismo, que existia.
Porém, quando a F1 reservou o fim-de-semana de 6, 7 e 8 de Julho de 1984, uma das coisas que menosprezaram era que no Texas, quando faz calor… é muito calor, mesmo. E iria ser um inferno, desde ameaças de boicote até uma corrida de demolição onde quem permanecesse de pé, seria o vencedor. E se se esforçasse em demasia, cairia no solo, de tão cansado e desidratado que estaria. E pelo meio, um asfalto desfeito e gente que apareceu nas boxes… de pijama.
Esta é a história da única vez que a Fórmula 1 correu em Dallas, mas a primeira que correu no Texas.
Dólares, para que vos quero
Dallas é uma cidade americana, situada no centro de um dos maiores estados americanos, rico em gado e petróleo. “Dallas” era a soap opera que milhões de pessoas, não só na América, como no mundo, viam todas as semanas, para seguir as aventuras da família Ewing, especialmente “J.R”, personagem interpretada por Larry Hagman, cujo episódio onde ele foi alvo de um atentado passou à história como “Quem matou J.R.?” e foi motivo de conversa por meses a fio um pouco por todo o mundo.
Foi por causa dessa fama que a F1 decidiu ir para lá, numa pista construída nas ruas ao redor de Fair Park, no centro da cidade, mais concretamente à volta do maior estádio da cidade, o Cotton Bowl.
No calendário, a prova seria disputada depois do GP de Detroit, a terceira das corridas seguidas na América do Norte, com a primeira a ser o Canadá. Com o paddock agitado por causa da descoberta do truque da Tyrrell, que tinha os automóveis abaixo do peso mínimo – e logo eles que se davam bem nas pistas mais sinuosas – havia quem, dentro das equipas, achasse que os carros de Ken Tyrrell deveriam ser fortemente castigados pelos seus actos. Mas ainda demoraria um bom bocado até que a FISA decidisse algo.
Quando a caravana da F1 lá chegou, os pilotos começaram por elogiar o desenho da pista de Fair Park, por ter muitas escapatórias; porém, à medida que começaram a andar no traçado para as sessões de reconhecimento, verificaram logo que existia um problema: começou a rachar, numa combinação do calor e a passagem dos carros. A Goodyear afirmou que a temperatura do asfalto tinha alcançado os… 66º Celsius, para não falar dos 36ºC de temperatura do ar de Julho.
A organização entrou em modo de alerta e decidiu reasfaltar as áreas afectadas, esperando que a noite as temperaturas arrefecessem e ajudassem na solidificação da superfície. Mas… não foi assim. No meio disto tudo, os pilotos marcavam os seus tempos, e na frente estavam os Lotus de Nigel Mansell e Elio de Angelis, com todos a manifestar as suas queixas, e alguns pilotos, como Nelson Piquet, a apostar até para saber o que cederia primeiro: os carros, os pilotos… ou o asfalto?
Pilotos de pijama e ameaças de boicote
Nos treinos de Sábado, alguns pilotos (como os da Lotus), não saíram das boxes para marcar tempos, de forma a poupar o carro e os pneus. Assim sendo, monopolizaram a primeira fila da grelha, com Derek Warwick, no seu Renault, e René Arnoux, no Ferrari, a ficar na segunda fila. Niki Lauda era quinto, tendo a seu lado o Toleman de Ayrton Senna. Alain Prost, no seu McLaren, era apenas sétimo, na frente do Williams-Honda de Keke Rosberg.
No meio disto tudo, a organização lutava contra um asfalto que não colaborava, apesar dos remendos que foram feitos ao longo do dia e da noite. Assim sendo, decidiu que a corrida iria começar às 11 da manhã, três horas antes do esperado, porque queriam aproveitar as temperaturas supostamente mais suportáveis. Isso significava que tinha de realizar o warm up às 7h45 da manhã, algo que, para Jacques Laffite, era demasiado cedo. Tanto que apareceu nas boxes… de pijama!
Pouco depois, a organização decidiu cancelar o próprio warm up.
No programa estava também prevista uma corrida de Can-Am com 50 voltas a acontecer no Sábado à tarde. A passagem dos carros tinha danificado a pista de tal forma que tiveram de trabalhar toda a noite, aplicando cimento. Os trabalhos acabariam… meia hora antes da corrida!
Claro, isso acabou por ser demais para alguns pilotos. Eles pura e simplesmente não queriam correr. Outros queriam, porém, como Keke Rosberg, que tentava manter a cabeça fria com um saco de gelo entre o crânio e o capacete. Ele afirmou: “Não entendo a razão para toda esta agitação. Queixamo-nos sobre tudo isto, para no momento da partida corrermos como habitualmente. Chegamos aqui, vindos de longe, e está tudo pronto. Com ou sem asfalto, sabem o que viemos fazer, que é correr”.
E foram correr. Afinal de contas, estavam 90 mil espectadores nas bancadas e J.R. Ewing iria dar a bandeira verde.
Uma corrida de atrito
A prova começou com Mansell na frente, e Warwick a passá-lo, porque De Angelis sofria com problemas de motor. Foi um duelo por mais de 30 voltas, em que o piloto da Lotus se defendeu por diversas vezes de um Warwick que queria passá-lo e ficar com a liderança, mas na 11ª volta, o piloto da Renault despista-se, bate na barreira e abandona a corrida de imediato.
Por esta altura, Lauda sobe ao segundo lugar, mas começa a lutar pela posição com De Angelis, que conseguiu fazer com que o motor funcionasse com todos os cilindros. O italiano passou o austríaco na volta 12, e na 14, Rosberg passou o piloto da McLaren para ficar com o terceiro lugar. Ele depois passou ao ataque e ultrapassou De Angelis na volta 18, para depois ir em busca de Mansell, para ficar com a liderança.
Encostou-se à traseira do Lotus, e tentou por diversas vezes passar para ficar com a liderança, mas o britânico era um osso duro de roer. Contudo, na 35ª volta Mansell cometeu um erro e Rosberg passou-o. Três voltas depois, foi às boxes trocar de pneus.
Agora, Rosberg estava a ser perseguido por Prost, que tentava ficar com a liderança. Passou-o na 49ª volta e começou a afastar-se, mas na 57, bateu no muro e danificou o carro, acabando por desistir. Com a razia atrás, quem herdou o segundo lugar foi René Arnoux, que tinha ficado parado na grelha, na volta de aquecimento, e partira de último. A partir dali, foi uma corrida de recuperação, até acabar no segundo posto, a três quartos da prova.
Quando os pilotos completavam a 67ª passagem pela meta, a bandeira de xadrez foi mostrada e era antecipada, porque entretanto, chegaram ao limite das duas horas. Ou seja, a corrida tinha sido demasiado lenta para completarem a distância. Rosberg ganhara a sua primeira corrida para a Honda, seguido por Arnoux, num Ferrari, e em terceiro ficou De Angelis, na frente de Jacques Laffite, no segundo Williams-Honda, o Osella de Piercarlo Ghinzani – os seus únicos pontos da sua carreira – e Nigel Mansell.
Mais drama a caminho
Na última volta, o piloto da Lotus tocou no muro e andou lentamente até à meta, com a caixa de velocidades danificada. Saiu do carro, empurrou-o por alguns metros, mas por causa do calor e do cansaço, acabou por desmaiar, numa imagem que ficaria para a história.
No final, os pilotos cansaram-se de Dallas. Huub Rothengarter, por exemplo, queixava-se de queimaduras nas virilhas, Ghinzani confessou que só aguentou porque o pessoal na Osella atirou-lhe gelo para o cockpit durante as paragens nas boxes, entre outros. E a Fórmula 1 decidiu que fazer corridas no Texas, no pico do Verão, nunca mais. No ano seguinte, a prova foi substituído pelo GP da Austrália, em Adelaide.
E claro, só regressariam ao Texas quase 30 anos depois, num novo circuito construído de raiz – o Circuito das Américas (COTA), em Austin – para correr em outubro, uma altura bem mais… agradável.