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Copersucar-Fittipaldi F6: O chassis que levou ao fim da parceria
Há 45 anos, todas as equipas queriam ter um carro-asa, depois de ver os resultados que o Lotus 79 tinha conseguido em 1978. Alguns decidiram copiar tal-qual o automóvel vencedor, e outros tentaram ir mais longe, sem sucesso. Alguns desses projectos fracassados causaram até um impacto tal que a equipa chegou a estar em jogo.
A história que conto hoje é a de um chassis que todos julgavam que seria fantástico, e que tinha credenciais de vencedor, mas acabou por ser um fracasso total: o Fittipaldi F6.
No rescaldo de uma grande temporada
A Fittipaldi era o projecto do F1 brasileiro. Quando Wilson Fittipaldi decidiu montá-lo, em 1974, a ideia era construir o carro com o maior número de peças made in Brazil, mas dois anos depois, decidiu-se que o melhor seria transerir a fábrica para o Reino Unido, onde a maior parte das equipas se encontravam. No meio disto tudo, arranjaram um acordo com a Copersucar, uma cooperativa estatal de açúcar, que lhes deu o financiamento e praticamente ficou com o nome.
Em 1975, a Copersucar estreou-se com Wilson Fittipaldi ao volante. Os resultados foram modestos, mas o passo seguinte iria coloca-los na ribalta quando conseguiram que Emerson Fittipaldi, o irmão mais novo de Wilson, pilotasse para eles a partir da temporada de 1976. Vice-campeão em 1975, abdicou do seu lugar na McLaren para correr pelo projecto brasileiro. Um gesto patriótico para muitos, ir “de cavalo para burro” para outros.
Apesar de tudo, os resultados começaram a aparecer. Três pontos em 1976, 11 em 1977, e no GP do Brasil de 1978, um segundo lugar no Autódromo de Jacarépaguá, no Rio de Janeiro, que levou os locais ao delírio, como se ele tivesse ganho a corrida. Fittipaldi corria no F5A, que se tinha estreado a meio de 1977, na Bélgica, e que tinha sido modificado fortemente no início de 1978 por um gabinete italiano, o Studio Fly, dos irmãos Caliri, para se adaptar ao efeito-solo. O F5A tornou-se numa excelente máquina do meio do pelotão, acabando com 17 pontos e o sétimo lugar no campeonato de Construtores.
E com isso, os Fittipaldi decidiram dar o passo seguinte. E pareciam ter a fórmula certa, porque o seu projectista era Ralph Bellamy, que tinha ajudado a desenhar o Lotus 78, em 1977. Para melhorar as coisas, o F5A ainda era competitivo, conseguindo pontuar na primeira corrida da temporada de 1979, na Argentina, com um sexto lugar.
“Um Lotus 79, mas em amarelo”
Wilson Fittipaldi deu instruções precisas a Bellamy para o desenho do chassis. Afinal de contas, tinha estado envolvido na equipa. Tinham deixado muito dinheiro de lado para construir o carro – fala-se entre três e seis milhões de dólares, imenso dinheiro para os padrões de 1979 – esperando que fosse uma fórmula vencedora, como tinha sido o chassis anterior. O carro ficou pronto no final de Janeiro, antes do GP brasileiro, e a imprensa em peso estava em Interlagos para ver as primeiras voltas do carro, com Emerson ao volante.

Na apresentação, parecia ser um chassis interessante. Com um nariz rente ao solo, ângulos rectos e pontões laterais a meio do carro, parecia ser bem diferente dos demais no pelotão. Emerson deu algumas voltas ao circuito, e no regresso, puxou o seu irmão à parte e sentenciou: era um mau carro. Bellamy tinha atirado ao lado, eles tinham deitado dinheiro fora.
“Quase bati no muro interno dos boxes quando virei o volante”, disse Fittipaldi numa entrevista à Globoesporte em 2019.
Não era tanto porque o carro tinha sido mal desenhado. O efeito-solo não funcionava daquela maneira, mas nem era o problema mais grave. É que quando curvava, o chassis dobrava como uma banana, ameaçando a integridade do chassis.
Milagres, abandonos e fugas para a frente
Os irmãos Fittipaldi não queriam usar o automóvel, mas Bellamy exigiu que fosse usado na corrida seguinte, na África do Sul. E exigiu ao ponto de ameaçar processá-los. “Todos os meus conhecimentos estão nesse carro. Emerson não está acostumado ao carro-asa.”, disse Bellamy na altura.
Decidiram dar uma chance, e o carro estreou-se em Kyalami. Na qualificação, o carro foi 18º na grelha e acabou na 13ª posição, a quatro voltas do vencedor.

Medidas urgentes tiveram de ser tomadas. Os Fittipaldi recorreram de novo aos serviços do Studio Fly, tentando um milagre, e até lá, Emerson teve de usar o F5A, um carro que aos poucos tinha ficado obsoleto. Arrastando-se pelo fundo do pelotão, não conseguiu pontuar nas seis corridas seguintes. E a meio do ano, antes do GP da Alemanha, o F6A ficou pronto. Ele usou-o… e ficou em terceiro lugar. A contar do fim. Apesar do chassis ter melhorado em termos aerodinâmicos, adaptando as laterais da Ligier JS11, e o chassis ter resolvido alguns problemas em termos de rigidez – mas não todos – o milagre que pediam, e tinham conseguido em 1978, acabou por não acontecer.
No final do ano, a cooperativa açucareira Copersucar, acossada interinamente por causa de um problema nos Estados Unidos, e com o seu presidente demitido, decidiu que o melhor seria terminar com a parceria. Para piorar as coisas, a má publicidade na imprensa brasileira – quer na geral, quer na desportiva – ajudou nessa decisão.
Nessa altura, um segundo F6A ficou nas mãos de Alex Dias Ribeiro, que o usou nas últimas duas corridas do campeonato, no Canadá e Estados Unidos. Infelizmente, não conseguiu a qualificação em nenhuma delas. Quanto a Emerson, foi no final do ano que conseguiu os seus melhores resultados, com dois oitavos e um sétimo lugar em Watkins Glen. Porém, naquele tempo esses lugares não davam pontos.

“O F6 foi a nossa cruz”, sentenciou Wilson na mesma entrevista à Globoesporte em 2019.
No final, os irmãos Fittipaldi decidiram agir: em Outubro, semanas depois de acabar a temporada, adquiriram os restos da Wolf por 500 mil dólares, e com eles veio não só o chassis que eles tinham, o Wolf WR6, como também os mecânicos, o seu projectista (Harvey Postlethwaite), o seu director desportivo (Peter Warr), e o seu piloto, o finlandês Keke Rosberg. O Wolf WR6 acabou por ser o Fittipaldi F7.
Pelo meio, para cobrir estas despesas, a Fittipaldi arranjou um novo patrocinador, a marca de cerveja Skol, para substituir a Copersucar, e para 1980, esperava-se que os resultados pudessem ser muito melhores. Quanto ao F6A, pura e simplesmente foi descartado, deixado de lado e Bellamy saiu para procurar outro emprego. Postlethwaithe, que tinha desenhado o chassis Wolf vencedor em 1977, apresentava melhores garantias.
Curiosamente, o Wolf WR6 que acabou por lhe suceder tinha tido piores resultados em 1979 que o Fittipaldi F6… contudo, quando virou o Fittipaldi F7, em 1980, deu-lhes o melhor resultado de conjunto de sempre, com dois terceiros lugares, em Buenos Aires e Long Beach.
