Competição • 20 Jul 2017

Em 1979, o conceito de carro-asa estava na moda. Todas as equipas procuravam alcançar os limites físicos dos seus automóveis, depois da chegada – e domínio – do Lotus 79. Contudo, na busca de um modelo ideal, muitos exageraram, e até foram longe demais. Hoje falo do Arrows A2, o projecto de Tony Southgate que pretendia ser o carro-asa total, mas acabou por ser um desastre.
A história de uma separação
Raras são as equipas de Fórmula 1 criadas como resultado de um golpe falhado. No final de 1977, apesar de um triunfo na Áustria, com Alan Jones, a Shadow estava em pé de guerra. Um grupo de pessoas pretendia ficar com a equipa e expulsar o seu fundador e dono, Don Nichols. Contudo, as coisas correram mal e no final do ano, eles saíram e decidiram montar uma equipa. Os dissidentes eram: David Wass, Alan Rees e Jackie Oliver, dirigentes, Tony Southgate, o projectista, e Franco Ambrósio, o patrocinador.
Rees e Oliver tinham sido pilotos – Rees até fora um dos fundadores da March, em 1970 – e no final, como acontecera com a March, juntaram os seus apelidos para ficar AROWS. Um segundo “R” foi colocado de forma a soar mais comercial.
Com eles veio Riccardo Patrese, e logo em 1978, com o modelo A1, o carro ficou pronto para se estrear no GP do Brasil. Na corrida seguinte, em Kyalami… quase ganhou, quando Patrese andou mais de 30 voltas na liderança, até o motor rebentar. Mas pouco depois, alcançariam os primeiros resultados de relevo, com um segundo lugar no GP da Suécia.
Porém, a Shadow procurava a vingança e encontrou uma por via do chassis. Melhor ainda, do seu desenho. Embora os projectistas fossem os mesmos, a Shadow processou a Arrows alegando que o seu chassis, o FA1, tinha sido um plágio do Shadow DN9. Eles foram a tribunal… e a Shadow ganhou! Por causa disso, um novo chassis, o A1, foi apresentado em pouco mais de sete semanas e a Arrows acabou a temporada com 11 pontos e um pódio, igual à Williams. Nada mau para uma equipa de dissidentes, especialmente quando a Shadow só conseguiu seis pontos nessa temporada.
Para a temporada de 1979, o A1 serviu para as primeiras corridas do ano, e conseguiram três pontos, com o melhor resultado a ser o quinto lugar de Riccardo Patrese na Bélgica. Nessa altura, o chassis já mostrara sinais de estar desfasado de uma realidade cheio de carros-asa, e Southgate tinha um ás na manga para a segunda metade do ano.
Carro-asa total
A ideia do projecto consistia em elevar o centro de gravidade do carro, e para que isso acontecesse, o posicionamento do motor e da caixa de velocidades precisavam de ser mudados em quatro graus de ângulo. Ao consegui-lo, tinham um enome “downforce”, o que era óptimo para o carro, que assim agarraria do chão, quer nas rectas, quer nas curvas.
“Chamávamos de bombardeiro Heinkel, por causa do seu nariz redondo. E porque não?”, disse Southgate, numa entre vista feita em 2019 à Autosport britânica. E contou que era o culminar de uma ideia que tinha experimentado uma década antes na BRM, com Peter Wright.
“Quando fui para a Arrows, continuei o mesmo pensamento, porque nessa altura, a aerodinâmica realmente descolara. Na Lotus, costumávamos falar sobre o carro aerodinâmico definitivo que não precisaria de asas, porque o faria na forma da carroçaria, onde todo o carro seria um aerofólio. É exatamente isso que o A2 é.”, continuou.
Depois de desenhar a maquete, Southgate levou-a ao túnel de vento do Imperial College, e ficou impressionado com os números. “Estava a receber 1.600 libras de força descendente a 150 milhas por hora. O melhor dos carros não-aero [sem efeito-solo] seria de cerca de 700 libras. Mesmo o carro asa da Lotus tinha sido à volta de 1100 libras de força. Esses números eram tão impressionantes que você dizia: ‘O que diabos vamos fazer com isso?’ Jackie Oliver também não resistiu e disse: ‘Que se lixe, vamos fazê-lo!'”
Contudo, o que ninguém esperava era o aparecimento do “porpoising”, que tinha afectado outros chassis naquela temporada, mas para piorar as coisas, os pilotos queixavam-se de não ter o controlo do carro. Patrese e Mass pediam para ter a suspensão mais leve na parte da frente, para compensar a rigidez traseira, e para piorar as coisas, o carro era 25 quilos mais pesado que a média, o que o fazia perder entre 0,5 e 0,7 segundos por volta.
“Coloquei o motor e a caixa de velocidades num ângulo [de dois graus e meio]”, começou por explicar Southgate. “A parte de baixo era incrivelmente lisa. Você a virava e parecia um barco elegante, enquanto normalmente você teria um motor e uma caixa de engrenagens em baixo. Eu estava tão entusiasmado com este pacote aerodinâmico que convenientemente ignorei o fato de que ele estaria a elevar o centro de gravidade [CG]. Pensei em como superar isso, mas na verdade não consegui!”, continuou.
“O CG era efetivamente um par de centímetros acima do normal e num carro de Fórmula 1 faz uma grande diferença. O carro não gostava de mudar de direcção – tentaria passar da esquerda para a direita – e a única maneira de impedir isso era colocar grandes barras rígidas anti-rolamento, o que agravava a manutenção normal em pista. Você não podia usar a aerodinâmica”.
Sem dinheiro, não há circo
Apesar de tudo, o automóvel ficou pronto para estrear em Julho, no GP de França, onde ambos os pilotos chegaram ao fim, na… 14ª e 15ª posições, a três (no caso de Patrese) e cinco (no de Mass) voltas do vencedor, o Renault de Jean-Pierre Jabouille.
Sabendo que o carro não iria ser o diferenciador desejado, Southgate começou a desenhar o chassis seguinte, o A3, e até lá, os pilotos usaram este até ao final da temporada. Mass conseguiu um ponto no GP da Alemanha, a uma volta do vencedor, e duas corridas depois, no GP da Holanda, outro sexto lugar, a duas voltas de Alan Jones, o primeiro classificado.
Até hoje, Southgate acredita que os problemas poderiam ser resolvidos, mas Jackie Oliver, na mesma entrevista à Autosport britânica, afirmou que sem dinheiro para o desenvolver, não houve chances.
“Se eu tivesse o orçamento, teríamos produzido um carro de desenvolvimento e continuado com a A1 e acho que [Southgate] acabaria resolvendo os problemas”, começa por explicar Oliver. “Sem um carro de desenvolvimento para provar o conceito, a única maneira de resolver o problema era abandoná-lo.”, continuou.
“Nesses processos, você compromete-se com o design do carro, conforme fornecido pelo seu designer. Se existir algum problema, você trabalha com esse problema, vai ser tarde demais para mudar o design. Foi o que aconteceu com o A2. Quando você tem um erro como esse, o dono da equipa – eu – assume o custo tanto em termos de desempenho quanto de ter que fabricar outro carro. Eu disse ao Tony: ‘Copia um Williams’, e foi o que ele fez”, concluiu.
Nessa entrevista de 2019, Southgate reflecte no que poderia ter feito para corrigir os erros do carro.
“Se eu colocasse o motor numa posição convencional, apenas o colocasse de forma nivelada para que o centro de gravidade descesse, imagino que ele teria perdido algumas centenas de libras de força descendente, mas ainda significaria muito”, afirmou.
“Se eu tivesse chegado ao limite de peso, o carro teria sido muito melhor, mas esse seria um carro diferente, porque você não poderia modificar o carro existente dessa maneira. Provavelmente, você teria que começar de novo”, concluiu.
E assim, nunca saberemos até onde poderia chegar um conceito que testou os limites numa era de revoluções constantes na F1.