Audi TT, uma original contradição

Clássicos 23 Mai 2024

Audi TT, uma original contradição

Por Telmo Gomes

É costume dizer-se que a idade faz nos olhar de forma diferente para as coisas. Ver sentido onde antes não existia, tirar prazer de algo que não agradava antes.

No meu caso em particular, devido a uma ligeiríssima obsessão com automóveis, a idade trouxe contradições interessantes.

Um bom exemplo é o original Audi TT.

No final da década de 90, o meu jovem cérebro de devoto apaixonado por automóveis não conseguia conceber que algo mais motivasse a indústria e os construtores que essa mesma paixão. Não conseguia aceitar que algo tão vulgar como volume de vendas ou custos de produção ditassem o rumo desse universo que eu tanto admirava.

Foi por isso com desânimo que vi o nascimento do Audi TT em 1998. Saudoso dos monstruosos Audi Quattro no grupo B ou da gloriosa Audi RS2, não conseguia aceitar que essa fosse a mesma Audi que classificava agora de coupé desportivo um Skoda Octavia / Seat Leon / Volkswagen Golf com 180 cavalos e uma carroçaria diferente.

Sim, esteticamente era brilhante, novo, moderno. Mas debaixo dessa carroçaria não havia nada que justificasse usar um nome que fazia jus aos sucessos desportivos da NSU (antecessora da Audi) no mítico Isle of Man TT.

A experiência de conduzir um, na “versão base” de 180 cavalos e sobretudo sem a suspensão Multilink traseira das versões quattro, em nada mudou a minha posição.

Mas, como escrevi no início, o tempo tem o poder de mudar tudo. Ou porque nós próprios mudamos ou porque tudo em redor também se transforma. Neste caso concreto, talvez um pouco os dois.

Por um lado o amadurecer (e não envelhecer, claro), ter filhos e família, faz me hoje olhar de forma diferente para um Coupé desportivo com 4 lugares, com uma suspensão mais apropriada para o passeio pela Estrada Nacional 2 do para o Autódromo, uma plataforma que não sendo brilhante, é tão comum no universo Volkswagen que torna a manutenção simples e barata, e um motor que não sendo um expoente tecnológico ou particularmente emotivo, é eficiente, fiável e potente q.b.

Por outro lado, o facto de hoje com toda a evolução tecnológica, ajudas à condução e excesso de peso dos automóveis actuais, conduzir um Audi TT de 225 cavalos e com tracção integral quattro poder ser considerada uma experiência de condução analógica, o que diz muito da transformação dos automóveis desportivos nas últimas duas décadas. O Audi TT original envelheceu bem. É um facto!

Ou se calhar todo este raciocínio serve apenas para justificar a mim próprio que, ao poder finalmente voltar a ocupar o lugar deixado vago, devido ao aumento da família, por um brilhante, deslumbrante, apaixonante, perfeito Peugeot 406 Coupé, posso considerar como hipótese o Audi TT sem sentir que estou a trair o meu jovem “eu”.

Ainda assim é reconfortante ver que a ignorância da juventude não era absoluta e havia fundamento na minha visão. Visão partilhada pelos engenheiros da Audi. Segundo Stephan Reil, chefe de Desenvolvimento e Produto da Quattro GmbH na altura, cedo perceberam que havia algo mais para retirar do pequeno Audi. Após o lançamento da Audi RS4 em 1999, a Audi precisava de um carro desportivo de topo, e com o R8 a vários anos de distância, uma solução era desenvolver um “super-TT”.

Dificilmente se conseguiria extrair mais de 250 cavalos do motor 1.8 com fiabilidade, e o motor VR6 3.2 já instalado no Volkswagen Golf R32 era na altura um motor novo e que não estava pronto para ser levado aos níveis de potência pretendidos.

Por outro lado existia também a ideia que o incrível motor da RS4 não se podia esgotar nela. Partindo do “humilde” motor 2.7 litros V6 de 265 cavalos do Audi S4, a Cosworth desenvolveu e produziu efectivamente um novo motor: cabeças de motor de desenho e materiais específicos, turbos BorgWarner K04, pistons e bielas reforçadas, e alterações profundas aos sistemas de escape e admissão e electrónica específica. O resultado são uns incríveis 380 cavalos e 440 NM de binário.

Contudo a utilização do motor da RS4 estava longe de ser uma solução fácil. Se por um lado a plataforma do TT nunca fora concebida para receber motores em posição longitudinal, por outro adaptar o conjunto mecânico da RS4 para a colocação transversal era praticamente impossível, e em termos de viabilidade de produção e custos, inconcebível.

A solução dos engenheiros da Audi foi pegar na base mecânica de uma RS4, cortar 170 milímetros na sua distância entre eixos, para coincidir com a do Audi TT e casar todo este conjunto mecânico – motor, caixa de velocidades, suspensão, travões e toda a transmissão e diferencial Torsen – com uma carroçaria de um Audi TT, um processo que demorou 8 meses, mas que resultaria, segundo o próprio Stephan Reil, num TT dinamicamente superior ao contemporâneo Porsche 996.

O sprint até aos 100km/h demorava apenas 4,8 segundos, e a velocidade máxima era de 295 km/h! A nova transmissão, mais capaz de reduzir a tendência subviradora do Audi TT, transformara por completo o comportamento dinâmico do pequeno Audi.

Infelizmente, após 20.000 quilómetros de testes, o programa foi terminado, com o argumento que a solução de engenharia encontrada de alterar a base mecânica da RS4, ainda que sendo a solução mais simples, era demasiado complexa e onerosa para a produção em série, mesmo que em quantidade limitada.

Resta apenas o protótipo original presente nas imagens, totalmente funcional, para nos recordar aquele que poderia ter sido mais um Audi verdadeiramente lendário, digno sucessor do original Audi Quattro e da Audi RS2.

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