Arquivos • 20 Set 2023

Um piloto extraordinário, tão veloz quão cerebral, com a frieza necessária para não errar. Mas foi fora das pistas que acabou por diminuir o brilho da sua carreira, desde início vencedora, por um amor proibido.
Italiano e de uma família que fez fortuna no comércio de tecidos, desde jovem começa a competir nas motos – à imagem do seu irmão mais velho – também como o seu amigo e eterno rival de uma vida, nas pistas, o Tazio Nuvolari.
Tem sucesso e é campeão de Itália, em diferentes categorias e no fim dos anos 20, inicia a sua ligação aos automóveis de competição. Com os franceses da Bugatti – obras de arte da autoria do italiano Ettore Bugatti – onde faz equipa com o seu amigo Nuvolari, que o desafia a unir forças. Mas este último tem melhores resultados e talvez por essa razão, Varzi ruma à equipa da Alfa Corse, a equipa de fábrica – pilotando as esculturas mecânicas do genial Engenheiro Vittorio Jano, onde a partir de 1930 tem como colega de equipa, o Tazio Nuvolari. Pois. A rivalidade aumenta. Varzi vence muitas corridas, mas Nuvolari revela-se ainda mais vencedor e audaz ao volante, ante a sua forma de pilotar mais calculista e fria, pesando mais os contras, dos possíveis excessos ao volante.
Em especial, quando nas Mille Miglia de 1930, Varzi perde para Nuvolari, que se revela um genial estratega – reza a autêntica lenda, em que Nuvolari, de surpresa, ultrapassa o seu rival, que liderou a prova imenso tempo, com os faróis apagados do seu Alfa Romeo 6C 1750 Gran Sport Zagato.

Achille Varzi, decide rumar, anos mais tarde, aos alemães da Auto Union – aguarelas de um outro mago da mecânica – Ferdinand Porsche – após testes em ambas as equipas alemães das famosas “flechas de prata”. Que em crescendo, no início dos anos 30, ganham fulgor e destaque, com o financiamento de peso do III Reich de Hitler que deles faz porta-estandarte da supremacia ariana, ao ponto de estabelecer acordo com o também governo fascista italiano de Mussolini, que consoante as provas fossem realizadas em território alemão ou italiano, venceria um piloto de igual naturalidade.

Varzi adapta-se bem à equipa da Auto Union, tendo sucesso nas pistas e essencialmente fora delas, no campo amoroso. Varzi sempre elegante e bem vestido – como foi sempre conhecido por esses factos – sucumbe aos encantos de Ilse Pietsch. Uma bela alemã, alta como Varzi, elegante e sensual. Varzi mantém a relação adúltera durante algum tempo escondida, até que assume a relação, mais perigosa que olio na pista, com a esposa do seu colega de equipa Paul Pietsch. A benzina está entornada e em risco de incêndio. O marido, Paul Pietsch, enganado e magoado, acaba por sair da equipa e terminar o seu casamento com Ilse.

Ilse, um certo dia, após um acidente grave de Varzi – do qual sai ileso por milagre – com quem mantém tórrido amor, após a separação – trata-lhe as mazelas e em especial as dores com morfina.
A morfina, essa droga utilizada contra as dores em ambiente hospitalar, foi o acidente grave da vida de Varzi, mas fora das pistas. A bela e sedutora loira, leva-o aos braços da morfina, e cedo acusa dependência. Varzi acelera, e com o pedal a fundo, a alta rotação, guinando para um amor tão intenso quão tóxico.
Varzi, torna-se conflituoso até no seio da sua equipa da Auto Union, perde provas e performance. Parece outro Achille Varzi após a relação com a Ilse. Ao ponto de em flagrante, ser apanhado pelo director da equipa, no seu quarto, com um frasco de morfina meio gasto e a respectiva seringa. Foi o fim de Varzi, que regressa a Itália sem contrato na equipa alemã, e com assunto tratado ao mais alto nível entre Hitler e Mussolini. O ditador Italiano – não aprova o necessário visto – não permitindo que Ilse, possa acompanhar Varzi no regresso a Itália. Separam-se pela força das circunstâncias. Ilse, em desespero típico e intenso caso de amor, tenta financiamento – pedindo, algures num Hotel, ao piloto e confidente Hans Stuck – alemão e amigo pessoal de Hitler – para comprar um passaporte italiano falso, mas sem sucesso. Existem versões, que foi neste contacto, que Hitler fica a saber da história, e exerce o seu poder sobre a situação de Varzi. Na equipa, ela própria baluarte da imagem do III Reich na competição automóvel.

Varzi sob o eclipse da morfina, tenta tratamento em Itália, com o apoio de uma antiga namorada – com quem vem a casar, e a regressar ao seu antigo temperamento, sem a droga da morfina e a sua bela alemã. A guerra eclode e, só após o conflito mundial, regressa à competição e à sua amada Alfa Romeo. Com algum sucesso, mas já na casa dos quarenta, a sua carreira tinha sido encurtada pelas picadas da morfina e dos beijos da sua Ilse, tão sedutora quão tóxica.
Morre, pouco tempo depois, num acidente numa corrida na Suíça, aos 43 anos. Desta vez, sem a outrora inseparável morfina, que o pudesse separar da dor.
Varzi, um dos mais extraordinários pilotos da sua geração, foi eclipsado no seu brilho, por não ter sido tão ponderado fora das pistas quanto o era ao volante, no início da sua carreira. Pois a paixão, é assim mesmo, sem rédeas. Varzi, agarrou a própria crina da sedução e a galope da morfina, acabou por apostar no cavalo errado – a droga.
Uma pena.
