Ken Tyrrell: O automobilista apaixonado

Competição 30 Mar 2024

Ken Tyrrell: O automobilista apaixonado

Por Paulo Alexandre Teixeira

Durante muito tempo, nos anos 70 e 80 do século passado, a “mobília” da Fórmula 1 tinha pessoas como Colin Chapman, Bernie Ecclestone ou Frank Williams. O primeiro, sempre com um truque na manga, tentado a arranjar algo que não existisse nos regulamentos, para o poder aproveitar da melhor maneira. O segundo, génio das finanças, sempre disposto a conseguir os melhores contratos, delegando a equipa para gente mais capaz, como Gordon Murray, o seu projectista. E o terceiro, um persistente que, contra todas as expectativas, alcançou o sucesso, mesmo após sofrer um grave acidente.

Contudo, para além destes chefes de equipa – e claro, gente como Mauro Forghieri, que representava a Ferrari na maior parte do tempo, ou Teddy Mayer, que substituiu Bruce McLaren quando este morreu, em 1970 – existia Ken Tyrrell, o antigo piloto que descobriu que era melhor a gerir equipas e sobretudo, a descobrir talentos. E no ano do seu centenário, é altura de falar da sua vida e dos seus feitos como chefe de uma equipa que ficou na F1 por 28 temporadas.

Madeireiro e descobridor de talentos

Robert Kenneth Tyrrell nasceu a 3 de Maio de 1924 em East Horsley, no Surrey britânico, e serviu na Royal Air Force na II Guerra Mundial, sobretudo em bombardeiros Lancaster, em missões sobre a Alemanha. Quando a guerra acabou, foi para o negócio de comércio de madeira da família, o que lhe deu a alcunha de “Chopper” (cortador, em tradução livre), ao mesmo tempo que começou a ganhar uma paixão pelo automobilismo, correndo com Cooper-Nortons de 500cc.

A sua experiência fez com que em 1958, aos 34 anos, passasse para a Fórmula 2, num Cooper-Climax, correndo ao lado de gente como Alan Brown. Apesar de alguns bons resultados, chegou à conclusão que era melhor a lidar com os aspectos da organização das equipas e assim, logo em 1959, pendurou o capacete e passou a ser o director da Cooper na Fórmula Junior. A sua sede era o barracão de madeira do negócio de madeira familiar e, com o passar dos anos, começou a cuidar da equipa. Ocasionalmente, ia ajudar John Cooper na F1, especialmente na altura em que este se lesionou seriamente quando testava o “Twini Mini” (com dois motores) para os ralis, em 1963.

Entretanto, começava a encontrar talento para o volante dos seus automóveis. Em 1960, John Surtees abordou-o para saber se tinha um lugar na sua equipa. Era o campeão de motociclismo, um dos grandes talentos nas duas rodas, e recebeu assim uma possibilidade. Logo à primeira, deu-se bem, o suficiente para a Lotus lhe dar a sua primeira oportunidade na F1.

Três anos depois, outro potencial talento apareceu-lhe no caminho. Também num teste de Fórmula Junior, um escocês chamado Jackie Stewart surgiu e pediu para dar umas voltas no carro. As primeiras tentativas foram deveras impressionantes, especialmente porque ao volante naquele dia estava um dos pilotos oficiais da Cooper, Bruce McLaren, que colocava tempos mais rápidos, que esse novo escocês conseguia bater. Foi ali que Tyrrell lhe deu um contrato para correr na Fórmula Junior, e não mais o largou, mesmo quando em 1965 foi correr na BRM.

Por essa altura, Tyrrell sabia das mudanças que iriam acontecer na F1. O novo regulamento dos motores entraria em vigor em 1966, mas seria no ano seguinte que iria entrar em acção o motor Cosworth de oito cilindros, muito mais eficaz que os de 12 cilindros que a concorrência tinha. Depois de ter visto o que Jim Clark tinha feito no GP dos Países Baixos, em Zandvoort, em Junho de 1967, sabia que tinha de ter um contrato com eles. Quando o conseguiu – com a ajuda da Elf, a petrolífera francesa, e da Dunlop, a fornecedora de pneus – aproximou-se da Matra, que ia começar a sua aventura na F1.

Os franceses tinham construído o seu motor de 12 cilindros, mas faltava-lhe a potência necessária para ser uma das equipas da frente, a par da Lotus. Os Cosworth dar-lhe-iam isso… e mais um trunfo: Stewart.

“Tio Ken”, campeonatos e tragédia

A Matra acolheu a proposta, dando-lhe um chassis e dividindo as tarefas: os Cosworth para o escocês e o motor francês para o piloto conterrâneo, neste caso, Jean-Pierre Beltoise. Os primeiros resultados apareceram no GP dos Países Baixos do ano seguinte, com uma dobradinha Stewart-Beltoise, e o escocês ganhou novamente no chuvoso Nürburgring Nordschleife, e em Watkins Glen, apesar disso insuficiente para apanhar Graham Hill e o seu Lotus. Porém em 1969, com o chassis M80, o escocês ganhou seis corridas e o seu primeiro campeonato.

No entanto, no final do ano, Tyrrell foi confrontado com uma escolha: abdicar dos Cosworth e ficar a cuidar da Matra em 1970, ou montar os seus próprios chassis. Inesperadamente, a solução apareceu com o surgimento de um construtor de chassis, a March. Tyrrell encomendou dois chassis, para ele e para o francês “Johnny” Servoz–Gavin. A temporada começou bem, com uma pole-position em Kyalami, e depois, um triunfo em Jarama, no GP de Espanha. Entretanto, Tyrrell contratou Derek Gardner, projectista de créditos firmados, e pediu um “Projecto Secreto” para ser construído na garagem da sua casa.

O desenho ficou concluído em Agosto de 1970 e acabou por dar origem ao Tyrrell 001, uma evolução do March 701, estreando-se no GP do Canadá, em Mont-Tramblant. Conseguiu logo a pole-position, mas não acabou a corrida.

Contudo, no ano seguinte, a equipa conseguiu sete triunfos, ganhando com folga quer o campeonato de Pilotos como o de Construtores, numa das temporadas mais dominantes até então. E ganharam mais uma corrida, em Watkins Glen, nas mãos do companheiro de equipa de Stewart, o francês François Cevért.

A temporada de 1972 foi um pouco mais penosa. Stewart teve problemas de saúde e o chassis 003 estreado em 1971 acusava o seu peso, depois de ser copiosamente batido pelo Lotus 72 e pelo brasileiro Emerson Fittipaldi, seu rival nas pistas. Em Setembro estreou-se o modelo 005 que, com ele, ganhou as duas últimas corridas dessa temporada, acabando como vice-campeão do mundo.

No inicio de 1973, Stewart contou a Tyrrell que ia pendurar o capacete, o que lhe deu tempo para escolher o seu sucessor. Este foi o sul-africano Jody Scheckter, mas a decisão ficou apenas entre os dois, sem que o mundo soubesse. O próprio Stewart não contou sequer à mulher, Helen, porque não queria que esta passasse o tempo a contar as corridas que faltavam até ao final do campeonato.

Até lá, o escocês passou a ganhar corridas e a entrar em duelo contra os Lotus de Fittipaldi e do sueco Ronnie Peterson. Triunfos no Mónaco, na Bélgica, Países Baixos e sobretudo, no Nürburgring – que lhe permitiu colocar o recorde de triunfos em 27 – deu-lhe o terceiro campeonato, aos 34 anos. Feito isto, Stewart e Tyrrell queriam dar a equipa para Cevért, e um novo chassis, o 007, estava a ser desenhado com ele em mente.

Mas foi tudo em vão: nos treinos para o GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, Cevért sofreu um acidente fatal quando perdeu o controlo do seu carro. O francês tinha 29 anos de idade e a equipa, em sinal de luto, não participou na corrida, encerrando prematuramente a carreira de Stewart.

Seis rodas também vencem

Para 1974, Tyrrell iria ter uma dupla totalmente nova: ao lado de Scheckter, alinharia o francês Patrick Depailler. O novo carro, o 007, estreou-se no GP de Espanha, em Jarama, e ganhou corridas em Anderstorp, na Suécia, e em Brands Hatch, na Grã-Bretanha. Scheckter lutou pelo título, mas acabou na terceira posição, atrás de Clay Regazzoni, no seu Ferrari, e do campeão do mundo, o brasileiro Emerson Fittipaldi, em McLaren.

Em meados de 1975, e sabendo das limitações do 007, Tyrrell propôs a Gardner um projecto “fora da caixa”: um carro com seis rodas. Depois de pensar, o projectista colocou-se ao trabalho, acabando por montar aquilo que iria ser o P34 (Project 34). Os pneus da frente, ambos de 10 polegadas, serviam para tentar absorver a maior superfície possível no asfalto, e também para efeitos de eficácia aerodinâmica.

O projeto era tão radical que quando foi apresentado, em Londres, em Setembro de 1975, muitos julgavam ser um mero golpe publicitário, revelando ainda um profundo cepticismo sobre a  sua viabilidade. Contudo, quando se estreou, em Jarama, no GP de Espanha de 1976, o carro tornou-se fiável, e proporcionaria 10 pódios, com o auge a chegar no GP da Suécia, quando ganhou, nas mãos de Scheckter. A Tyrrell acabou no terceiro lugar do campeonato, mas no final do ano, o sul-africano foi para a novata Wolf, sendo substituído pelo sueco Ronnie Peterson.

O P34 continuou em 1977, mas como a Goodyear não pretendia fabricar os pneus de 10 polegadas que a marca tanto queria, os resultados começaram a ressentir-se. Quatro pódios e 27 pontos foram o resultado final, e em 1978, Gardner desenhou o 008, mais convencional, e Peterson foi substituído por um novato, o francês Didider Pironi. Depailler ganharia no Mónaco, e por um momento liderou o campeonato do mundo, mas com a entrada do modelo 79, da Lotus, as suas oportunidades tinham terminado. A partir dali, a decadência seria mais clara.

A descoberta de talentos

Em 1979, Depailler foi para a Ligier e no seu lugar sentou-se outro francês, Jean-Pierre Jarier. O 009 era um clone – houve quem afirmasse que era uma cópia! – do Lotus 79, e com ele conseguiriam quatro pódios. Mas o que não sabiam era que os próximos só viriam a aparecer… em 1982.

Por esta altura, Gardner abandonou a equipa e foi substituído por Maurice Philippe, ex-desenhador da Lotus. O chassis 010, guiado por gente como Eddie Cheever, Derek Daly e um jovem italiano, Michele Alboreto, deram alguns resultados interessantes, mas já não estavam mais entre os da frente. Com o surgimento do 011, em meados de 1981, os resultados foram melhores, especialmente com Alboreto, que triunfara em circuitos americanos: Las Vegas em 1982, e Detroit, em 1983. Iriam ser as últimas vitórias da Tyrrell e da Cosworth na F1.

A chegada em força dos motores Turbo foi um problema para Tyrrell. Nunca gostou deles, mas a sua potência – mais 220 cavalos que os V8 da Cosworth – era algo que os colocava fora da grelha. Para evitar isso, decidiu apostar numa dupla de estreantes – o britânico Martin Brundle e o alemão Stefan Bellof – e nas corridas citadinas, conseguiu o milagre de alcançar dois pódios, um por Bellof no Mónaco, e outro por Brundle em Detroit.

Contudo, depois da corrida americana, as outras equipas protestaram o resultado de Brundle e nas verificações, repararam que os carros estavam abaixo do peso limite, e para evitar isso, metiam lastros de chumbo em depósitos de água, alegando que serviam para arrefecer os travões. Descoberta a trapaça, a então FISA decidiu aplicar um castigo exemplar, excluindo-os do campeonato de 1984, e retirando-lhes todos os pontos que tinham conquistado.

Com isso, Tyrrell foi obrigado a arranjar motores Turbo para 1985, o que conseguiu através da Renault. Porém, em Setembro, sofre com a morte prematura de Bellof, numa corrida de Endurance, em Spa-Francochamps, com o seu substituto, o italiano Ivan Capelli, a alcançar um inesperado quarto lugar em Adelaide, numa corrida de sobrevivência.

Em 1986, continuou com os Turbo, mas no final desse ano, quando soube que a FISA iria aboli-los no final de 1988, foi imediatamente à Cosworth para arranjar os motores Ford de 3,5 litros, e foi a primeira marca a regressar aos atmosféricos – com resultados modestos, até 1989.

Uma lufada de ar fresco e a queda final

Em 1989, os carros eram desenhados por Harvey Postlethwaite, que tinha tido passagens por Hesketh, Wolf, Fittipaldi e Ferrari. O 018 era um carro convencional, mas tinha como piloto o regressado Michele Alboreto, depois da sua passagem pela Ferrari. Um pódio no Mónaco tornou-se no primeiro em seis anos, mas depois do GP do México, ele foi substituído por um jovem francês, Jean Alesi.

A sua estreia não poderia ser mais auspiciosa: no GP de França, em Paul Ricard, conseguiu uma excelente corrida e acabou em quarto, depois de ter andado muito tempo na segunda posição. Alcançou mais cinco pontos até ao final do ano, e os 16 totais deram no final a quinta posição no mundial de Construtores.

Mas em 1990, as coisas seriam melhores. Na corrida de abertura, em Phoenix, Alesi chegou a comandar a corrida por 14 voltas e defendeu como pôde as investidas de Ayrton Senna. O seu segundo lugar foi o melhor resultado da marca em sete anos, e isso seria repetido no Mónaco. Uma corrida antes, em Imola, tinha-se estreado o modelo 019, que graças aos trabalhos de Jean-Claude Migeot (director de aerodinâmica), apresentava o primeiro chassis de frente levantada na Fórmula 1. No anos seguinte, com motores Honda de 10 cilindros e mais um pódio, no Canadá, com Stefano Modena ao volante, parecia que a equipa poderia novamente, a espaços, brilhar.

Contudo, foi sol de pouca dura: em 1994, Mark Blundell conseguiu o terceiro lugar no GP de Espanha, em Barcelona, e esta seria a última ocasião em que a equipa subiria ao pódio.

Apesar das ocasionais prestações através de pilotos como Mika Salo e Ukyo Katayama, em 1997 a Tyrrell era uma sombra do passado e estava à beira da falência, e o próprio Ken Tyrrell já sentia os efeitos da idade e do cansaço de gerir uma equipa de F1. Craig Pollock, manager de Jacques Villeneuve, decidiu comprar a equipa, em nome da British American Tobacco. Pollock deixou que Tyrrell gerisse a equipa em 1998, mas quando a BAT preferiu o brasileiro Ricardo Rosset em detrimento ao neerlandês Jos Verstappen (esse mesmo), abandonou a equipa para sempre.

Depois disso, Ken Tyrrell tornou-se no presidente da BRDC, a British Racing Drivers Club, que toma conta do circuito de Silverstone, acabando por morrer vítima de um cancro, a 25 de Agosto de 2001. Tinha 77 anos.

O legado da Tyrrell pode ser observado hoje em dia: de facto, a BAR tornar-se-ia a Honda que, em 2009, foi adquirida por Ross Brawn pela quantia simbólica de uma libra. Na altura, considerou ainda reavivar o nome Tyrrell Racing Organization, antes de escolher aquela que se tornaria num conto de fadas de uma época só – a Brawn GP.

Em 2010, aquele que seria o chassis Brawn BGP 002 mudou de nome para Mercedes MGP W01, marcando o regresso oficial da marca alemã à Fórmula 1, numa história que continua no presente com a denominada Mercedes-AMG PETRONAS F1 Team.

Classificados

Siga-nos nas Redes Sociais

FacebookInstagramYoutube