Arquivos • 24 Mai 2023
À medida que se moldava ao assento de um protótipo Rondeau entre os ilustres da grelha de partida das 24 horas de Le Mans, Jack Griffin certamente deverá ter pensado: “Em que raio me vim meter?”.
Estávamos em Junho de 1984 e Jack, que até há 18 meses atrás nunca se tinha sequer sentado (quanto mais pilotado) um veículo de competição, encontrava-se no processo de preparação para competir com nomes como David Hobbs, John Morton, ou Klaus Ludwig. Nunca tinha tido a intenção de estar ali. Um homem do sul do Texas que cresceu na prática do ténis e mais tarde se mudou para os subúrbios de Dallas, onde exercia a profissão de agente imobiliário, e que agora se encontra em Le Mans, mais especificamente no Circuit de La Sarthe, para competir com os pilotos mais rápidos do mundo.
Jack, já firme no assento, olhava para o relógio Dutray com um misto de expectativa e terror. Tinha viajado para Le Mans a convite de um amigo, M. L. Speer, um piloto texano com queda para o estapafúrdio, e que parecia arrastar Jack para situações do género, vez após vez. Tomemos como exemplo as 24 Horas de Daytona de 1983, em que M.L. convidou Jack para o ver competir, mas à altura do final do fim-de-semana, convenceu Jack não só a experimentar, como também a conduzir o seu Porsche 914 na categoria GTU das 12 Horas de Sebring seguintes. Só havia um problema: Jack não possuía licença de condução profissional, porque nunca tinha estado sequer no interior de um veículo de competição.
Daí, mais um pormenor mirabolante, com M.L. a praticamente raptar Jack, levando-o até Sonoma, Califórnia, mais precisamente até à escola de condução Bondurant. À medida que as dezenas de outros pilotos se apresentavam, Jack começava a perceber que a sua entrada no automobilismo estava longe de ser a habitual. Para muitos outros, este fim-de-semana em Bondurant era um presente matrimonial, uma simples dose de adrenalina, a procura de um início no automobilismo enquanto ainda eram jovens, ou talvez até uma oportunidade de gáudio na reunião de vendas da segunda-feira seguinte. Certamente nenhum planeava participar nas 12 Horas de Sebring.
Chegava a sua vez: “Bem, estou aqui pois irei participar nas 12 Horas de Sebring da próxima semana”, proferiu Jack, numa sala cheia de sobre-olhos erguidos, “e nunca estive dentro de um veículo de competição”.
Assim que Jack convenceu os instrutores de Bordurant que não falava em tom de gozo, ou era um qualquer lunático, colocaram-no num Nissan 280ZX e procuraram a melhor explicação possível para “linhas de corrida”, “apex”, ou “timing de travagem”. Com quatro dias de tempo de pista a seu nome, Jack dirigiu-se para Dallas no domingo ao final da tarde. Uma semana depois, na sua primeira prova profissional/amadora, alinhava em Sebring.
Jack rapidamente tomou noção que estava fora do seu habitat, tendo acidentado o 914 contra um dos muros do circuito ao fim de 15 voltas. Todavia, tal não o dissuadiu, tendo completo cinco provas nos seus primeiros 18 meses com licença de condução.
Em Junho de 1984, Jack viaja até França para encorajar o seu amigo M.L., que participaria nas 24 Horas de Le Mans desse mesmo ano. À medida que atravessavam o pitlane, Jack e M.L. encontram um antigo conhecido do 2º, que partilha a história caricata de uma equipa francesa, a Bussi, que tinha um veículo com um piloto a menos.
Visto que estávamos em 1984 (décadas antes da disseminação de uma qualquer constatação com recurso ao Google), a comprovação de Jack ser um piloto “muito viajado, com inúmeros anos de experiência, e com vários triunfos notáveis” ficava-se pelo homem que tal artimanha lograva, o próprio M.L. Assim, tal e qual, Jack passava a ser piloto do protótipo Bussi Rondeau, uma variação do veículo que havia ganho Le Mans em 1980, mas com um motor Cosworth. À medida que tentava engendrar forma de subir o escalão da sua licença para nível B (um patamar abaixo da licença necessária para pilotar em Formula 1, a de nível A), Jack pensou em desistir, sabendo que a prudência não poderia assistir a decisão de passar a 300 km/h em Mulsanne.
“No final, simplesmente decidi que ia, e foi o que foi”, partilha Jack. “Não queria ser aquele tipo que posteriormente vai contando a toda a gente que quase correu em Le Mans. Queria ser o tipo que dizia que efectivamente tinha corrido em Le Mans.”
Uma falha de motor na nona hora impediu Jack de terminar a sua primeira tentativa em Le Mans, mas a Bussi ficou impressionada o suficiente com o que viu para o convidar para pilotar de novo o Rondeau em 1985. Nessa segunda corrida, o Rondeau correu quatro horas até que problemas de suspensão o tornaram impossível continuar. Porém, nessas breves horas em pista, Jack teve oportunidade de competir – e aprender – com os melhores.
“Tentava simplesmente manter-me atrás do Derek Bell, do Hans-Joachim Stuck, ou do Jacky Ickx pelas curvas, tentava fazer exactamente o que eles faziam, e isso aterrava-me profundamente.”, confessa Jack. “Eu era apenas um agente imobiliário e um jogador de ténis, até que, de repente, aos 40, estou a pilotar em Le Mans. Não conseguia acreditar verdadeiramente que era eu ali, naquela posição. Está para lá do que sou capaz de contextualizar. Foi uma decisão insensata, na verdade.”
No total, Jack competiu em 17 ocasiões ao longo de três anos, em múltiplas classes e numa variedade de veículos. Aditando a Sebring e Le Mans, correu também em Daytona, Riverside, Mosport, e em Road America, entre outros circuitos. Como pontos altos podemos tomar dois 3º lugares na sua classe, em Sebring. Contudo, Jack decidiu pousar o capacete, temendo estar já a desafiar o destino há tempo de mais.
“Tinha três filhos, e tinha visto várias pessoas ficarem gravemente feridas, e pior… Além disso, nunca fui alguém de andar na frente, e certamente não apareceria na televisão, a não ser que um piloto mais rápido passasse por mim”, diz entre risos. “Fiz tudo o que podia imaginar, e nunca me magoei, portanto acreditei que era altura de parar.”
Por nota de rodapé, podemos dizer que Jack Griffin acabou mesmo por ganhar Le Mans, mas no torneio de ténis de 1985, algo que partilha com um sorriso nos lábios.
Actualmente permanece ligado ao mundo automóvel, mas como coleccionador Porsche. Da sua colecção destaca-se um Porsche 914-6 similar àquele com que havia feito a sua primeira prova.