Herbert Linge (1928-2024)

Clássicos 24 Jan 2024

Herbert Linge (1928-2024)

Por Paulo Alexandre Teixeira

Para contar algo sobre Herbert Linge, temos de recuar a junho de 1969, mais concretamente a Le Mans, no centro de França, e às 24 Horas daquele ano.

A Porsche tinha mostrado ao mundo a sua mais recente criação, o 917. Estreado três meses antes, no Salão Automóvel de Genebra, existiam grandes expectativas em relação ao automóvel, que tinha um motor de seis cilindros em linha, com 5 litros de capacidade. Tanto que quatro foram inscritos naquela que era a rainha da Endurance, um deles para um britânico, John Woolfe, então com 37 anos.

Gentleman driver, em 1969 Woolfe trocara o seu Chevron-Repco para um 917, julgando que a sua velocidade seria suficiente para andar entre os profissionais. Woolfe pagou 140 mil marcos para o ter e contratou o alemão Herbert Linge, com o seu pfofissionalismo e imensa experiência nas 24 Horas de Le Mans para ser seu companheiro de equipa. Mais velho que ele – tinha feito 41 anos três dias antes da corrida, a 11 de junho – o seu melhor resultado tinha sido um quarto lugar na edição de 1965, num 904/6, para além de vitórias na classe nas edições de 1960, 61, 63, 65 e 67, ao lado de gente como Edgar Barth ou o neerlandês Ben Pon.

Contudo, apesar da experiência do alemão, Woolfe preferiu ser ele o primeiro a partir. E nesse tempo, a largada era em diagonal, com os pilotos a correrem de um lado da pista para dentro do carro, acelerando logo depois. E normalmente, os pilotos não perdiam tempo a colocar o cinto, preferindo fazê-lo… na reta das Hunaudiéres, a 330 ou 350 km/hora. Houve um protesto, da parte de Jacky Ickx, que decidiu caminhar calmamente para o seu Ford GT40 e perder tempo a colocar o seu cinto de segurança, partindo de último, porque sabia que tinha 24 horas para apanhar toda a gente.

E foi o que aconteceu: ao lado de Jackie Oliver, acabou por triunfar, batendo… um Porsche, o de Gerard Larrousse e de Hans Hermann.

Já Woolfe foi um dos que correu para dentro do automóvel, e acelerou, num 917 de “cauda longa”, esquecendo-se de apertar o cinto de segurança. E para piorar as coisas, esse carro tinha uma particularidade: não era bom em termos de downforce. E logo na primeira volta, quando chegou à Maison Blanche, em lugar apertado e em reta, antes da meta – agora, existem as curvas Porsche – ele perdeu o controlo do carro e este desfez-se em dois, com o pedaço que tinha o motor a atingir o Ferrari de Chris Amon.

Se o neozelandês viveu para contar a história, já Woolfe não: teve morte imediata. E Linge parecia que não iria guiar naquela corrida de qualquer maneira, porque… aquilo tinha sido a sua segunda tentativa. Inicialmente iria correr num carro oficial, ao lado de Brian Redman e do austríaco Rudi Lins, também num 917LH, mas o carro não ficou pronto a tempo.

Mas isso foi mais um dos muitos episódios da carreira de Linge, falecido no passado dia 5 aos 95 anos de idade. Um dos primeiros funcionários da Porsche, em 1943, começou em 1954, depois de ter sido mecânico, na Carrera Panamericana, a correr ao lado de Hans Hermann nas Mille Miglia, num Porsche 550. Ali, ao ver uma cancela de comboio fechada, disse a ele para se baixar, porque o carro era suficientemente baixo para poderem passar sem problemas. E seis anos depois, em 1960, tornou-se no primeiro – e único alemão até aos dias de hoje – a ganhar a Volta à Corsega, a bordo de um Porsche SC90.

Em 1970, ainda regressou a Le Mans com um 908/2, ao lado de Jonathan Williams, com uma particularidade: iria ser o “Camara Car” para o filme “Le Mans”, protagonizado e produzido por Steve McQueen. A partir daí dedicou-se à segurança dos circuitos, o DMSB (Deutscher Motor Sport Bund) Staffel, essencialmente um esquadrão de carros rápidos, quase todos eles Porsches 911 e 914,  que não só estavam equipados com extintores como pessoal especializado, como médicos e bombeiros, e iam até aos locais dos acidentes o mais depressa possível e socorrer o mais rapidamente os pilotos em perigo.

Foi um desses carros que estava presente a 1 de Agosto de 1976, no Nurburgring Nordschleife, quando Niki Lauda perdeu o controlo do seu Ferrari e embateu contra o muro de protecção, ajudando a apagar o fogo e ser retirado do seu carro, salvando-lhe a vida. 

A sua dedicação à marca foi tal que em 2006 foi eleito cidadão honorário de Weissach, uma das sedes da Porsche, 24 anos depois de ter sido condecorado com a Ordem de Mérito da Republica Federal da Alemanha, pelas suas contribuições para a segurança rodoviária e das pistas.

Em muitos aspetos, Linge pertence a um tempo onde correr era um verdadeiro perigo, e a grande vitória era sobreviver para correr noutro dia. E sem ele saber bem, ajudou a modificar as coisas. Afinal de contas, dois anos depois de ter visto John Woolfe ser palco de chamas, naquela tarde de junho de 1969, as 24 Horas de Le Mans deixaram de largar de uma maneira para começarem a fazê-lo em partida lançada e com os pilotos dentro dos seus automóveis, agarrados aos cintos de segurança. 

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