Jantes Turbofan: O retorno das saladeiras

Arquivos 02 Dez 2023

Jantes Turbofan: O retorno das saladeiras

Por José Brito

Incontáveis são as inovações automóveis que se estreiam nos circuitos e lentamente se vão tornando um habitué nos automóveis de produção em massa. Durante a década de 70, as jantes turbofan foram um destes casos.

 

Ao auxílio da potência

 

A faísca por detrás de tal ideia, a de colocar alhetas cobertas e canais nas jantes para auxiliar no arrefecimento dos travões? Era fruto da verdadeira compreensão da aerodinâmica e do “alcançar” desta ao nível de importância exacerbada dada aos motores. Basta pensarmos que décadas separaram o primeiro motor de 12 cilindros da primeira colocação de um spoiler num automóvel.

 

Inicialmente, os fabricantes de veículos de competição superavam o obstáculo da resistência do ar simplesmente acrescentando mais potência, levando à celebre frase de Enzo Ferrari: “Aerodynamics are for people who can’t build engines”.

 

Por engenharia, começou-se a auxiliar a gravidade na tarefa de manter os automóveis “pregados” ao solo, iniciando-se infindáveis deambulações numa procura da melhor compreensão e manipulação possível da resistência do ar.

 

Utilização Original

 

Os veículos de grupo C, como os infames vencedores de Le Mans Porsche 962c e Mazda 787b foram primogénitos para os benefícios da aerodinâmica moderna, mas devemos focar no Porsche 935 para analisar como chegamos a este ponto. Asas massivas e entradas de ar capazes de “engolir” pequenos mamíferos tornaram o Porsche 911 praticamente irreconhecível, mas o componente mais extravagante deste pacote aerodinâmico não estava na carroçaria, mas antes nas rodas. No 917/30 da Penske que conquistou Can-Am, encontramos um adereço similar, mas com cores mais berrantes, assim como no protótipo Porsche 959, e no mítico Audi 200 Quattro.

 

 

Designadas, em pleno calão da década de 70, como turbofans (designação que deriva dos motores a jacto), estes apêndices eram a obra prima do conceito da forma seguindo a função. Comummente pintadas em tonalidades brutalmente contrastantes e compostas por “exóticas” ligas de magnésio e kevlar, demonstravam um ar puramente demoníaco de, literalmente, cortar (o ar) à faca, sabendo-se que qualquer automóvel com este adereço tinha as ópticas postas no pódio e/ou na mais suprema performance.

 

Numa altura em que os travões de disco adquiriam maiores dimensões e maior complexidade, o sobreaquecimento era uma questão séria. Bons travões são a diferença entre a vitória e o muro, e com estes, a temperatura é o factor vital. Sistemas de travagem a frio não possuem eficiência, a quente levam a desvanecimento do poder de travagem, e com sobreaquecimento possuem uma incerteza de comportamento subjacente. A chave é a manutenção da temperatura ideal.

 

Para aplicações competitivas, a ideia era bastante simples: os canais posicionados por debaixo da capa exterior das jantes exerciam uma força centrífuga no ar quente estagnado em torno dos travões após utilização vigorosa, o que o afastava desta posição por forma passiva, mantendo os travões a uma temperatura óptima e com maior eficácia disponível.

 

 

Viram utilização frequente desde os campeonatos de turismos, à IMSA GT, ao FIA Group 5 e Fórmula 1, e até ao rally, como são os caso do Lancia Delta S4 de Grupo B ou do Lancia Delta Integrale de Grupo A, onde surge também associada a utilização de coberturas turbofan nas rodas dianteiras, sendo que a equipa justificava a utilização não só com o propósito de auxiliar no arrefecimento de componentes dos sistemas de travagem e suspensão, como também para proteger tais componentes da gravilha proveniente de fazer curvas no limite da tracção.

 

Esta tecnologia acabou por encontrar o seu fim ao ser banida por inúmeras entidades, em parte devido à conjugação com técnicas de evacuação de ar a partir de toda a superfície inferior do automóvel, o que aumentava dramaticamente a downforce e representava o princípio ilegal da aerodinâmica activa. Por outro lado, estudos posteriores mostraram que ao afastar o ar quente para longe dos sistemas de travagem este tinha tendência a alojar-se em zonas específicas dos pneus, o que em provas de resistência poderia demonstrar ser um problema.

 

O presente

 

Em 2019 ninguém conduz com tal adereço para poder travar mais tarde à entrada de uma qualquer curva. Tem, isso sim, tudo a ver com invocar o aspecto e rebeldia subsequente de um automóvel de competição e das décadas de maior entusiasmo do desporto automóvel.

 

A mesma razão pela qual na última década temos assistido a um número cada vez maior de automóveis alemães com distância ao solo a fazer lembrar a da lâmina à barba, um estilo originário nos turismos da década de 90 que faiscaram, se amassaram, e, sem dúvida, nivelaram Nordschleife.

 

 

Durante as décadas de 80 e 90 tornaram-se extremamente populares, particularmente entre os fabricantes germânicos. A BBS, rainha incontestada das jantes turbofan, chegou a disponibilizar aos seus clientes capas para colocar por cima das jantes correntes nos seus RS. A BMW, num flash brilhante, chegou a equipar a primeira geração do M5 E34 com jantes turbofan genuínas de fábrica compostas por 2 partes, possuindo uma jante de liga por baixo de uma capa que a BMW designou de soprador. Segundo os bávaros, o sistema permitia uma eficiência de arrefecimento do sistema de travagem 25% superior, o que auxiliou a BMW a possuir “os maiores discos do segmento” à altura.

 

Também a Chevrolet adaptou um sistema similar, chegando a ser difícil imaginar o Corvette C4, quando foi lançado em 1984, sem as suas jantes turbofan de duas tonalidades (apelidadas por alguns de saladeiras).

 

Com o passar do tempo, as jantes turbofan passaram de inconfundíveis para subtis, sem a grande complexidade e a fragilidade da presença de múltiplos elementos, sendo equivalentemente capazes de cumprir o seu propósito. No esforço por esta subtileza contribuiu também o facto de este estilo de jante dividir opiniões.

 

As twists dos Porsche Turbo, as turbines dos Corvette, as turbine da BMW, ou as encontradas no concept Audi A1 Clubsport são casos actuais de aplicação da tecnologia turbofan. Também Ken Block, o herói da série Gymkhana, tem tomado parte na recuperação da moda, com destaque para o Ford Fiesta utilizado em “Gymkhana 6”, no qual podemos aditar que as turbofan servem 3 propósitos: o inicialmente entendido, o de darem um ar ainda mais espalhafatoso a um veículo que já por si captiva o olho, e o de possibilitar efeitos visuais ainda mais sensacionais quando o fumo proveniente da queima de pneu envolve a cobertura das turbofans.  De qualquer forma, e seguindo a tendência actual, parece estar em voga um revival das jantes turbofan no seu aspecto mais puro.

 

 

As turbofans são um incrível artefacto coleccionável mesmo sem uma utilização similar à que levavam no passado, mas o real valor vem da utilização da sua origem e popularidade actual para compreender a relação entre engenharia automóvel competitiva e a customização urbana automóvel.

 

Hoje em dia existem no mercado várias opções como as OZ Tom’s Racing, as Ronal Turbos R10 e R50, as Fifteen52 TurboMac ou as TSW Rally, que acabam por ser vistas um pouco por todo o lado, desde Honda CRX e Saab 99, ou aos eventuais clássicos de rally.

 

Devemos olhar para esta moda com os óculos de lentes rosa tingidas mais exacerbados que consigamos encontrar. Através das turbofans podemos ver a infindável procura por alcançar uma vantagem competitiva em relação à concorrência, assim como uma relação dinâmica entre função e forma, entre física e design, e a ânsia de lograr a maior aproximação possível à pista quer no caminho para o trabalho, quer para a concentração de clássicos de Domingo.

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