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Datsun 240Z: Uma breve história de quase tudo
A história do Datsun 240z começa num circuito e data de 1964, quando o Prince Motoring Club foi estabelecido por Sakuri, da Prince Motors, após derrota frente a equipas privadas da Porsche no Grande Prémio do Japão desse mesmo ano.
Sakuri tinha a mira fixa em vitórias no desporto motorizado, e envolveu-se de pensamento profundo ao estilo japonês nos esforços para alcançar tal sucesso. Em 1966, alcançou o que desejava, assegurando os quatro primeiros lugares no Grande Prémio do Japão. Seria a última vez que os seus veículos correriam sob o nome Prince, uma vez que a Prince Motors seria comprada pela Nissan e toda a tecnologia desenvolvida por Sakuri e os seus engenheiros passaria para esta – tal incluía a tecnologia aplicada no desenvolvimento do motor para um tal Datsun 510, como se pode ler aqui.
Sakuri tinha toda a aura de um visionário, percepção que a direcção da Nissan teve após algumas breves conversas, de tal forma que fez com que este se mantivesse ligado à empresa, com foco para a competição automóvel. A Nissan tinha sido, de certa forma, arrastada para a competição automóvel pelos esforços de Yutaka Katayama, com uma primeira intervenção com o Datsun 210 nas 10.100 milhas do Mobilgas Rally na Austrália. Katayama avaliava este evento como sendo uma das provas de resistência mais duras do mundo, pelo que seria o palco ideal para afirmar a Datsun como algo mais do que “uma cópia barata de um qualquer automóvel britânico”. A atenção em torno do evento era gigantesca, algo que também atraiu Katayama. Como reza a história, os dois Datsun 210 terminaram a prova em 1º e 4º lugares da sua classe, apesar de serem praticamente veículos de origem, e com severa diferença de potência para os seus adversários.
Mr. K e os primeiros Z’s
Como também relatado no artigo supramencionado, a Direcção da Nissan não ficou particularmente impressionada com o feito de Katayama, “recompensando-o” com uma despromoção para analista de vendas para o mercado norte-americano, com foco para o estabelecimento da Nissan/Datsun neste mercado, na plena esperança de que este falhasse redondamente ou, pelo menos, passasse para o anonimato.
Yutaka Katayama tornou a sua obsessão pessoal fazer o melhor possível neste seu novo cargo, acabando por compreender claramente a intenção do público americano na compra de um novo automóvel, e adquirindo a expertise técnica para inclusive apoiar vivamente a compra da Prince Motors, avaliando de uma forma crucial a tecnologia desenvolvida por Sakuri e pela sua equipa.
Nos anos volvidos Katayama tinha ganho alguma experiência na arte de montar a cavalo, e tal acabaria, curiosamente, por moldar as suas ideias acerca do design automóvel e sobre os automóveis que mais atrairiam os compradores:
“Se pensarmos bem, os cavalos têm que ser controlados por humanos. Quem monta necessita de extrair tudo o que conseguir do cavalo e compensar as suas fraquezas. Como resultado disso, o condutor pode experienciar um sentimento de jubilo para além da razão, como que adicionando um mais um, mas não obtendo dois, antes, digamos, cinco ou dez, o que representa a alegria de condução que um condutor experiencia quando ele e o automóvel se tornam um. Em qualquer caso, não estamos a vender corpos desprovidos de alma cujos quais designamos de automóveis, mas antes a vender performance de condução, experiência de condução. Fazemos dinheiro oferecendo aos nossos clientes essa tal experiência de condução. É por isso que perduro na ideia de valorar a fonte pura que é a experiência de condução.”
Este tipo de pensamento era algo invulgar, mas tornar-se-ia a chave para o impacto de Katayama na Nissan/Datsun e nos automóveis que viriam a ser fabricados, automóveis esses que transformariam a imagem da empresa de um fabricante de “cópias baratas de veículos britânicos” de design indiferente, para uma de fabricante de automóveis que providenciavam performance e uma experiência de condução sem paralelo.
Yutaka Katayama ganharia o respeito dos seus funcionários e colegas na Datsun USA, sendo também comum a visita de outras fracções da empresa que buscavam conhecimento do então conhecido como “Mr. K”, cuja pesquisa e persistência no estabelecimento de uma rede Datsun nos EUA contra todas as apostas foi notável.
Lado a lado com tal feito esteve o constante investimento de Mr. K na influência dos modelos lançados pela marca. O primeiro destes foi o Datsun 510 (também conhecido como 1600) de 1967, um verdadeiro driver’s car. Com uma suspensão completamente independente e um motor de quatro cilindros com apenas uma árvore de cames à cabeça (baseado no desenho de Sakuri do motor Prince de seis cilindros), o Datsun 510 foi rapidamente apelidado de “BMW dos pobres”, tendo sido, de facto, directamente inspirado pelo fascínio de Katayama com os modelos Neue Klasse da marca bávara.
O sucesso do Datsun 510 vindicou a visão de K, assim como pavimentou a base para a criação de um automóvel desportivo plenamente inovador, partindo do Datsun 510, com suspensão totalmente independente, e com uma versão melhorada do motor Prince de seis cilindros que deu origem ao motor do 510 – feito para ser um desafio à liderança dos Porsches, eis que nasce o primeiro dos “Z’s”, o Datsun 240Z.
Chegada do Datsun 240Z
O Datsun 510 tinha maravilhado K de tal forma que este fez com que toda a gente na central da Datsun USA conduzisse um, história esta que se repetiu com o Datsun 240Z. Aqui estava o tal desportivo de frente alongada com todas as boas características do Datsun 510, mas com um motor de seis cilindros com 2,4 litros e duplo carburador Hitachi, desenvolvendo 151 cavalos de potência. Apenas havia um pequeno problema: a designação.
A Nissan tinha decidido designar o seu novo modelo de Datsun Fairlady 240Z. Apesar de tal parecer uma bela ideia para o departamento de Marketing em Tóquio, K tinha noção de que isto poderia ser o “beijo da morte” em mercados com o Americano, tendo pessoalmente removido todos os emblemas “Fairlady” dos veículos que chegavam aos Estados Unidos. Uma história com contornos similares ao que havia ocorrido com o Datsun 510.
O porquê do nome?
A decisão por parte da direcção da Nissan em utilizar o nome “Fairlady” partia da noção inerente à cultura japonesa e do prestigio que tal designação poderia gerar no Japão da década de ’60. A Nissan tinha adquirido um segundo e terceiro pisos com vista a um showroom para a Datsun no distrito de Ginza, casa de algumas das mais prestigiadas marcas japonesas, o que daria à marca o desejado factor cool. Para inflamar este factor cool, os executivos de marketing da Nissan decidiram contratar modelos treinadas em relações vendedor-cliente e com elevado conhecimento técnico do produto. Isto em junção com o hit da Broadway à altura “My Fair Lady”, levou a que as representantes de vendas ficassem conhecidas de “Miss Fairladies”. Esta designação foi utilizada no primeiro desportivo Datsun, o Fairlady 1500, e esperava-se que prosseguisse no novo 240Z. No Japão a ideia foi bem recebida, mas em culturas como a americana ou australiana este não poderia ser o caminho a seguir. Por aqui nos deparamos com mais uma feliz intervenção de Katayama em todos os 240Z que chegaram ao continente americano, como já previamente constatado.
Curiosamente os Datsun 240Z preparados para rally, como os que competiram no East African Safari Rally, possuíam a insígnia “Fairlady”. Felizmente é difícil ler uma pequena insígnia quando um automóvel passa por nós a alta velocidade e/ou se encontra coberto de lama.
Especificações e Performance
Apesar de o Datsun 240Z ter sido desenhado por Yoshihiko Matsuo e uma equipa da Nissan, o verdadeiro veículo concept proveio de Katayama. A sua influência no Datsun 510, no qual o 240Z era baseado (apesar de os veículos serem de vertentes bastantes distintas) tinha sido gigantesca. Mr. K visionava um veículo desportivo, com o apelo visual de um Jaguar E-Type, com performance e manobrabilidade que fizessem jus ao design, e com performance que lhe possibilitasse a sobreposição a automóveis de fabricantes como a Porsche ou a Alfa Romeo.
O desenho da carroçaria era fabuloso e foi tremendamente bem recebido no universo automóvel da altura, continuando a ser nos dias de hoje um veículo dono de uma beleza ímpar.
À frente, faziam-se denotar as suspensões McPherson, com amortecedores de choque e barra anti-roll. Já na traseira encontrava-se uma suspensão totalmente independente com suportes Chapman e uma estrutura inferior em treliça com amortecedores telescópicos. Para a direcção, ponto fulcral na tão desejada manobrabilidade, não foi reutilizado o sistema usado no Datsun 510, mas antes foi adoptado um sistema pinhão-cremalheira.
No departamento da travagem destacavam-se travões de disco de 270 milímetros à frente e de tambor com 230 milímetros atrás. A escolha por travões de tambor para a retaguarda era algo curiosa para um veículo com total apelo desportivo, mas na década de 70 esta era a configuração mais usual, pois era mais simples assegurar uma aplicação mais eficaz do travão de mão.
O 240Z foi lançado com ligeiras variações dependendo do mercado. No Japão foi designado de Datsun Fairlady Z e equipado com um motor de seis cilindros com 2 litros e uma única árvore de cames à cabeça, produzindo cerca de 130 cavalos de potência. Foi também lançado um modelo de performance em Outubro de 1969 designado de Nissan Z432, ao qual surgia associado um motor S20 com dupla árvore de cames à cabeça, motor esse também usado no Nissan Skyline 2000 GT-R. O motor do Z432 possuía quatro válvulas por cilindro e três carburadores, o que lhe conferia 160 cavalos de potência.
Para o mercado Americano a designação adoptou a forma de Datsun 240Z, e a motorização cabia a um motor seis cilindros em linha de 2.4 litros com uma árvore de cames à cabeça e dois carburadores Hitachi SU, para um total de 151 cavalos de potência. No mercado americano aparecia associada uma caixa de quatro velocidades com diferencial 3.364:1. Uma caixa automática com diferencial 3.545:1 foi disponibilizada mais tarde.
Para os mercados europeu e australiano, o 240Z foi equipado com o mesmo motor de 2.4 litros, mas com associação a uma caixa manual de cinco velocidades com um diferencial de 3.9:1.
Nos Estados Unidos foram vendidos cerca de 45.000 Datsun 240Z em 1971, mais de 50.000 em 1972, e mais de 40.000 em 1973. Foi um sucesso de vendas contundente.
O 240Z no desporto automóvel
Katayama tinha uma equipa na Datsun USA dedicada ao desporto automóvel desde o início da década de 60, quando ainda levava pouco tempo no seu novo cargo. As pessoas que o acompanhavam nesta paixão pelo desporto motorizado, a tal equipa, faziam-no no seu tempo livre, tendo um dos seus projectos iniciais sido a utilização de um Datsun SPL212 Roadster com um motor de 1.3 litros. O SPL212 estava relacionado com o Datsun 1000 e outros veículos de baixa potência usados por Mr. K no Australia Mobilgas Rally em 1958. Foi um ponto de partida, tal qual o de outros grandes nomes do desporto motorizado. Ao caso, recordemos Bruce McLaren e Colin Chapman, que começaram a competir em Austin 7 modificados.
1964 foi o ano em que a Datsun alcançou atenção pública com o Datsun SPL310 “1500 Fairlady” de Paul Jaremko, um vendedor Datsun de Spokane que alcançou 14 vitórias consecutivas em campeonatos semi-profissionais nos Estado Unidos. Bob Sharp, que mais tarde seria uma figura importante na rede de concessionários Datsun nos Estados Unidos, começou a competir com a Datsun e venceu aquele que seria o primeiro de muitos campeonatos SCCA da marca nipónica, em 1967.
Foi também em 1967 que Dick Roberts se juntou à Datsun e com cinco outros fundou o Datsun USA Competition Department. A filosofia de Roberts, plenamente apoiada por Mr. K, era a de tornar fácil e monetariamente favorável a privados a entrada em competição com veículos Datsun. Mr. K correctamente defendeu que quantos mais Datsun vencessem provas, mais a marca cairia no “goto” dos compradores. O clássico “Win on Sunday, sell on Monday”.
Todo este movimento estava alinhado com o lançamento do Datsun 510, o que providenciava a este departamento competitivo uma verdadeira arma, e quase forçava a marca a investir neste, essencialmente pela mentalidade americana. Para facilitar a criação dos 510 de competição, foram importados componentes do mítico Datsun 510 SSS (tri-s) que auxiliaram os modestos sedans a tornarem-se em veículos verdadeiramente competitivos. Os 510 também possibilitaram o desenvolvimento da expertise necessária para que quando o 240Z chegasse se criasse um verdadeiro ícone do desporto automóvel.
Em 1970, o Datsun 240Z chegava aos showrooms, e também às pistas. Nesse mesmo ano um Datsun Fairlady Z432 Twincam ganhava os 1000 quilómetros de Suzuka. Nos EUA a United States Bob Sharp Racing e a Peter Brock’s Brock Racing Enterprises começavam a competir com os seus novos 240Z, alcançando vitórias nos campeonatos SCCA de Produção C em 1970, 1971, 1972, e 1973. Bob Sharp foi quem apresentou o actor Paul Newman à competição automóvel, com Newman a começar num Datsun 510 antes de competir com um 280Z em meados da década de ’70. Os Datsun Z chagavam e não deixavam ninguém indiferente.
Os sucessos do 240Z não se limitavam às pistas, tendo também sido utilizados comummente em rally, onde alcançaram grande sucesso. De todos os rallies em que participaram Datsun 240Z talvez se deva dar maior relevo ao East African Safari Rally. O evento foi inaugurado com o nome “East African Coronation Safari” pelos irmãos quenianos Eric Cecil e Neil Vincent. Eric e Neil queriam competir, mas a ideia de n voltas em torno de dado traçado não os atraia. Já a de percorrer metade do continente africano e voltar parecia-lhes bem melhor, e visto que em 1953 tal prova não existia, estes criaram-na.
Em 1953 o rally começou na cidade de Nairobi, no Quénia, tendo passado pelo Lago Victória, pelo Uganda, e pela Tanzânia, antes de regressar ao país de origem. O trajecto somava uns impressionantes 1953 quilómetros e atravessou alguns dos terrenos mais árduos que se pode pedir a um veículo. Não só a distância foi um desafio, senão também a elevação (superior a 2000 metros) e a temperatura (de superior a 40 graus centígrados a temperaturas negativas). A mera conclusão da prova era motivo para gáudio, e dos 107 veículos que começaram a prova, apenas 32 terminaram.
Em 1970 dá-se a primeira participação da Datsun na prova, com o queniano Edgar Herrmann e o alemão Hans Schuller a conquistarem a vitória num Datsun 1600 (510) SSS. Em 1971 regressaram, tomando de novo a vitória, mas aos comandos de um Datsun 240Z. Em 1972 a vitória iria para Hannu Mikkola e Gunnar Palm num Ford Escort, mas por 1973 a Datsun regressava às vitórias, mais uma vez com um Datsun 240Z, desta vez tripulado por Shakhar Mehta e Lofty Drews.
O Datsun 240Z viria a acumular uma série de vitórias sensacionais quer em circuito, quer fora de estrada, mesclando fiabilidade, capacidade de alteração e afinação, velocidade, e manobrabilidade, e tudo isto num pacote acessível, apoiado pelo departamento de competição da Datsun. Tal tornou exequível a muitos a participação em provas de competição automóvel, participação essa que, de outra forma, talvez não fosse possível.
Conclusão
Pela altura que o Datsun 240Z conheceu o seu sucessor, o 280Z, era já um automóvel tremendamente conceituado, com mais do que provas dados, e acima de tudo um exemplo a seguir no fabrico de veículos desportivos. Tudo isto garantiu à Datsun a tão desejada credibilidade.
Os veículos da gama Z da Datsun vender-se-iam muito bem e continuariam a deixar a sua marca no desporto automóvel nos anos que se seguiram.
O 240Z não só possibilitou ao público a participação activa no desporto automóvel por somas moderadas, como também a aquisição de um automóvel desportivo, divertido e fiável. Comercializado apenas na variante de Coupé, o 240Z era consideravelmente mais prático do que o que se fabricava por terras de Sua Majestade, por exemplo, onde possuir um automóvel desportivo era sinónimo de receio do estado do tempo, da chuva, do vento, e do seu temperamento característico.
Se o Datsun 1600 era designado como o “BMW dos pobres”, talvez o Datsun 240Z deva ser apelidado do “E-Type dos convenientes”.