Clássicos • 17 Nov 2015
Jornal do Centro apadrinha Chrysler Imperial do Museu do Caramulo
Porquê um clássico? Porquê um veículo menos eficiente, sem sensores de estacionamento ou kit mãos livres, que necessita de mais cuidados de manutenção e que a qualquer momento pode sofrer uma falha difícil de reparar rapidamente (por não existirem peças prontamente disponíveis).
À medida que a tecnologia evolui, numa busca incessante para que tudo se torne mais rápido, eficiente e fácil de utilizar, por vezes a experiência de utilização é negligenciada. É mais fácil abrir o serviço de streaming e procurar a música do que percorrer a prateleira dos Vinis, escolher o álbum, colocar o disco no prato e acertar com a agulha no sítio certo. É mais simples tirar uma fotografia com o telemóvel e revê-la na cloud do que revelar um rolo passado semanas. Esta gratificação instantânea é óptima para o quotidiano, para um mundo que muda tão rápido que não nos deixa tempo para abrandar e desfrutar das experiências.
Durante anos, esperar cinco minutos todos os dias de manhã para o motor Boxer aquecer, antes de arrancar para as aulas, era algo que me irritava imenso, principalmente nos dias que estava atrasado. Mas esse inconveniente era rapidamente esquecido depois das 3500 Rpm… E foi aí que comecei a perceber que esses cinco minutos do meu tempo logo a seguir seriam recompensados nas sensações que tinha do percurso, levando-me até por vezes a tomar a rota mais longa só mesmo durar mais um pouco, só para continuar a ouvir o quarteto italiano e sentir o cheiro da gasolina e óleo que infiltravam o interior.
Por razões similares, existe uma legião de aficionados por Land Rover que não se importa com os consumos, fiabilidade ou manutenção. Era mais fácil ter um 4×4 japonês, mas por experiência própria e contacto com ambos os mundos, posso relatar que não é a mesma coisa. Em ambos existe a sensação que estamos em algo com a capacidade de nos levar a qualquer parte, mas só num Land Rover existe a verdadeira sensação que estamos num pedaço de história automóvel, no veículo que descobriu os recantos esquecidos do planeta. O único e primeiro automóvel que as tribos mais isoladas já viram. E quando entramos pela porta de um Range Rover toda essa experiência é elevada a outro nível, uma pérola de design industrial que foi exposta no Louvre, capacidades de um 4×4 puro e duro, com “sofás” em pele e inserções em madeira. Uma sala de estar, que atravessou a Amazónia e os Lagos Salgados de África. E quando inevitavelmente a engenharia inglesa falha, a reparação é mais do que uma troca de peças. É tal como cuidar de um membro de família ou ajudar um amigo.
Os clássicos, a meu ver, não são simplesmente veículos com mais de 30 anos. Para mim, um clássico é um veículo ao qual nós toleramos as falhas pela experiência que nos proporciona, algo que é mais do que a soma de todas as suas partes. Um clássico possui carácter e personalidade e é algo mais humano. Por exemplo, um Toyota Yaris nunca vai ser um clássico quando chegar aos 30 anos, pois tem a mesma personalidade que um frigorífico, no entanto, acredito que existem automóveis bastante mais recentes que um dia o serão.
Num mundo focado no consumo descartável e na gratificação instantânea, a maioria das pessoas não entendem este sentimento que os aficionados demonstram perante estas máquinas de uma era passada. Não é só nostalgia pelos tempos passados (todos nós sabemos que a nossa escolha é irracional), mas nem tudo o que faz sentido no papel pode ser quantificado ou faz sentido no mundo atual.
Aliás, esta afinidade por tecnologia “obsoleta” tem vindo a expandir em muitas variantes no mundo das artes. Por exemplo, existem grandes nomes do mundo musical que voltaram a gravar em sistemas completamente analógicos, muitos fotógrafos de renome que ainda usam câmaras analógicas e tudo isto por uma razão muito simples – as imperfeições naturais destes formatos antigos conferem-lhes uma característica mais humana, mais natural e mais genuína. Essas mesmas imperfeições podem ser encontradas não numa máquina de ponto A para ponto B, mas sim num meio de viagem com certas peculiaridades com as quais convivemos simplesmente pelas emoções que despertam.
Os clássicos são toda a experiência que nos proporcionam quando estamos em contacto com eles, os sentimentos que nos provocam e as impressões que nos deixam para sempre gravadas na memória.
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