Os velhinhos foram para a pista

Clássicos 30 Jul 2023

Os velhinhos foram para a pista

Por Irineu Guarnier

Onde existirem carros (ou camiões, motociclos, pick-ups, e até tractores), haverá sempre competições para ver qual é a máquina mais veloz. Não seria, portanto, nenhuma surpresa se automóveis clássicos, com mais de 30 anos, acabassem por entrar nas pistas para competir. E foi o que aconteceu. Provas deste tipo são tradicionais na Europa e nos Estados Unidos. O Goodwood Revival, na Inglaterra, é talvez a mais famosa. 

 

Entusiastas da velocidade argentinos e uruguaios trouxeram para os seus países essa modalidade. E as corridas de clássicos acabariam por chegar ao Brasil, primeiramente em São Paulo, com a Fórmula Classic. Em 1995, o Alfa Romeo Club de São Paulo deu início às primeiras provas no Autódromo de Interlagos. De São Paulo, a ideia migrou para o Rio Grande do Sul, por iniciativa de um piloto consagrado em várias categorias do automobilismo dos anos 70 e 80, que também era amante dos automóveis clássicos: Ricardo Trein.

 

Trein iniciou-se no automobilismo em 1969, correndo com um DKW. Depois, correu em várias categorias com VW Carocha, protótipos, Opala, Chevette, Escort e novamente com Opala, já então na Stock Car do final dos anos 1970, e início da década de 80. Competiu lado a lado com todos os grandes nomes do automobilismo da sua época. 

 

Entusiasmado com as corridas de clássicos que assistira em São Paulo, propôs a amigos ex-pilotos e associados do Veteran Car Club do Brasil/RS a organização de uma prova gaúcha, nos mesmos moldes da paulista Copa Classic. Era o final da década de 90. O advogado Teodoro Januzs, coleccionador de DKW, e desde sempre apaixonado pela marca alemã, foi um dos primeiros a aderir à ideia. 

 

A primeira prova organizada por Trein, na pista do Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo, consistia na ida e um slalom na volta, relembra o advogado aposentado e ex-piloto. O evento que colocou o automobilismo clássico gaúcho nas pistas foi tão bem sucedido que, logo em seguida, o grupo de entusiastas decidiu alugar o Autodrómo de Guaporé para incrementar o que era, até então, apenas um passatempo entre amigos. 

 

Os carros não tinham nenhum tipo de preparação, nem mesmo o roll bar; não havia regulamento nem cronometragem, tampouco bandeira quadriculada. Os antigomobilistas apenas brincavam com as suas máquinas. As disputas em pista eram bem comportadas. ”Os pilotos recolhiam para não bater”, salienta Trein. Ninguém queria correr o risco de danificar as suas “relíquias”. 

 

Mas pilotos são, por natureza, competitivos. Teodoro conta que não demorou muito para começar a aparecerem rodas mais largas, barras de protecção, marcas de “patrocinadores” na carroçaria, e a nova modalidade “pagou o preço”. As performances tornaram-se mais emocionantes. Ninguém queria ser ultrapassado. Já eram corridas de verdade. Na prática, ainda que de modo bastante informal, estava a nascer uma nova categoria no automobilismo gaúcho.

 

Foi então que a Federação Gaúcha de Automobilismo (FGA) entrou em cena e exigiu a criação de um regulamento que fixasse as regras desta nova categoria, em conformidade com normas internacionais de competições automobilísticas. Equipamentos de segurança tiveram de ser instalados, a licença de piloto passou a ser requerida, e estabeleceu-se que os automóveis deveriam ter, pelo menos, 30 anos e correr com mecânica e preparações da época em que foram fabricados. 

 

No dia 28 de Agosto de 1999, a primeira prova da recém-baptizada Fórmula Classic alinhou 21 carros no grelha de partida – 11 vindos de São Paulo. A disputa foi vencida por Fábio Steinbruch, com o seu Alfa Romeo GTV. O número de participantes cresceria nas etapas seguintes. “Chegamos a colocar 30 carros no Velopark”, orgulha-se Trein. 

 

As corridas passaram a ser realizadas em diversos autódromos gaúchos, quase sempre com generosa cobertura da imprensa. Para se ter uma ideia do desempenho dessas máquinas, o DKW de Januzs chegou a atingir a marca de 162 km/h no final da reta de Tarumã. Um velho Opala podia alcançar uns impressionantes 240 km/h. 

 

Além dos VW Carocha, DKW e Corcel, carros bem mais potentes como Opala, Alfa Romeo JK, Maverick e Simca entraram nas competições – todos com mecânica original, carburados, sem pneus slick ou asas. Por causa da enorme assimetria de peso e potência entre os veículos foi preciso dividir a Fórmula Classic em três categorias, por cilindrada: de 1300 centímetros cúbicos até 2000 cc; de 2000 cc a 3000 cc; e Força Livre, acima de 3000 cc. “Ficou muito saudável a competição”, recorda Januzs. “Tínhamos bom público e boa cobertura da imprensa”.

 

As corridas de Fórmula Classic fizeram sucesso por quase dez anos. Mas, aconteceu então o que os remanescentes dos primeiros tempos da categoria lamentam como um equívoco da organização do certame à época (Ricardo Trein já se afastara da coordenação, havia algum tempo): foram autorizadas modernizações mecânicas nos carros que os tornaram muito parecidos com os das demais categorias do automobilismo gaúcho. Por exemplo: a injecção eletrénica substituiu o carburador; os carros podiam ter asas e usar pneus slick; era permitido instalar um motor AP de 2000 cc num VW Carocha; um motor de Monza num Chevette, e coisas do tipo. 

 

Os carros ficaram mais velozes. Mas também mais perigosos. “Em cada corrida, havia um ou dois acidentes”, recorda Trein. Para quem já tinha corrido profissionalmente uma vida inteira, e só se queria divertir com os amigos na Fórmula Classic, a brincadeira perdera a graça. Os velhos VW Carocha e DKW, com mecânica original, já não podiam acompanhar as novas máquinas “anabolizadas”. Eram facilmente ultrapassados pelos carros “modernizados”, como se corressem numa categoria à parte. Isso desmotivou os fundadores da Fórmula Classic, que começaram a retirar-se das pistas. Restariam apenas os carros mecanicamente actualizados, e a competição ganharia outro nome – passaria a chamar-se “Copa Classic”, denominação que conserva até hoje. Um capítulo inesquecível da história do automobilismo clássico gaúcho chegava ao fim, de forma mais ou menos melancólica.

 

Fotografias: Eduardo Scaravaglione

 

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