Clássicos • 09 Abr 2023

Dia desses encontrei um amigo que por muito tempo comprou, restaurou e vendeu carros antigos colecionáveis no Brasil. Notem que os verbos estão todos no tempo passado. Ele desistiu do seu ganha-pão e mudou de ramo. Perguntei-lhe: por quê? A resposta foi curta e direta: esse mercado está infestado de amadores (no mau sentido), malandros, especuladores, gananciosos, espertalhões ou, no melhor dos casos, ignorantes. Foi além: detalhou por que parou de negociar autos clássicos.
Qualquer sujeito que tem em casa uma lata velha acha que é dono de um tesouro, me disse. Pouco importa a idade do carro, o estado de conservação, o seu valor histórico ou a sua suposta condição de clássico; o proprietário acha que a sua “joia” é um unicórnio. E pede, por ela, valores absurdos. Não leva em conta alguns pontos importantes. A saber: nem todo carro velho é um carro antigo; nem todo carro antigo é um clássico.
Embora não exista no Brasil uma tabela para clássicos, o mercado estabelece alguns parâmetros. Um automóvel supostamente clássico – para restauração – não pode custar o mesmo, ou mais, que um modelo similar em perfeito estado.
E o que acontece comumente? O sujeito vê na internet o valor de um carro clássico em perfeitas condições, restaurado ou não (no segundo caso, vale mais), e acha que a sua sucata, que precisa de uma restauração completa – e cara! – vale a mesma coisa. Não vale, obviamente. Tem que levar em conta o custo (cada vez mais alto) do restauro.
O valor de um carro para restauro deveria ser calculado da seguinte maneira, pega-se o valor de mercado de um modelo impecável, deduz-se o custo da reforma para deixar a tranqueira igual, e paga-se por ela o que sobra. Mas quem aceita vender sua “preciosidade” por esse valor.
E os tais “neoclássicos” ou “neocolecionáveis”, então (aqueles que ainda não têm 30 anos)? Hoje pedem uma fortuna por qualquer modelo facilmente encontrado em péssimo estado pelas ruas (geralmente com uma escada no teto), como se fosse uma raridade dos anos 1950/60. Ora, quem garante que esses carros algum dia serão considerados clássicos e valerão fortunas?
Bem, relacionei aqui apenas alguns argumentos deste meu amigo, com os quais sempre concordei – até já escrevi sobre isso aqui, no Jornal dos Clássicos. A lista é bem mais extensa, e inclui especulações, gambiarras, documentações frias, placas pretas de colecionadores fajutas, descaraterizações, restaurações malfeitas, muita massa plástica, etc. Admito que saí bastante entristecido da nossa conversa – mas convencido de que meu amigo tem lá suas razões.
Fotografias: Eduardo Scaravaglione
Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.