Clássicos • 30 Abr 2023

Tenho um caso de amor antigo com a marca DKW. Foi o primeiro automóvel que dirigi de verdade, aos 13 anos – um lindo Belcar cinza com teto branco (saia-e-blusa, como se dizia na época), de meu pai. Mas, para ser honesto, meu relacionamento com a marca alemã era um pouco mais antigo. Com 9 ou 10 anos eu acompanhava um tio, ornitólogo amador, e três primos em expedições dominicais pelas matas do Noroeste do Rio Grande do Sul em busca de pássaros raros. E nosso meio de transporte naquela época, meados dos 1970, era uma Vemaguet verde – a pequenina perua derivada do sedan DKW, que foi o primeiro automóvel inteiramente fabricado no Brasil.
Enquanto meu tio e meus primos se embrenhavam pelos matagais com binóculos, máquinas fotográficas e alçapões atrás de seus amados passarinhos, eu ficava encarregado de vigiar o carro estacionado à margem das estradinhas desertas de chão batido. A chave na ignição e o botãozinho branco da partida no painel (como nos carros de hoje) eram uma tentação irresistível para o guri magrelo que devorava revistas de automobilismo.
Quando me certificava de que não havia ninguém por perto, tomava coragem e ligava a Vemaguet. Nas primeiras vezes, como meu tio geralmente deixava o câmbio engatado em primeira marcha para compensar a precariedade do freio de estacionamento, levei alguns sustos – o carro pulava para a frente. Mas logo aprendi a colocar a delicada alavanca do câmbio (instalada na coluna da direção) em ponto morto. Aí, era só o prazer de escutar o sonoro pópópópó do motorzinho de dois tempos e três cilindros…
Em pouco tempo, no entanto, esse prazer se tornou insuficiente para mim. Eu queria realmente movimentar o carro. Observando meu tio dirigir, descobri a função do pedal de embreagem e o seu uso coordenado com o acelerador. Daí em diante, nada mais me segurava. Engatava a primeira marcha, soltava lentamente a embreagem e rodava alguns metros para a frente; depois, engatava a marcha a ré e fazia o mesmo para trás. Por cautela, não me arriscava a ir além desses modestos deslocamentos em linha reta. Mas era como se já soubesse dirigir a DKW.
Fiquei tão desenvolto nessas manobras de vaivém que, algum tempo depois, quando finalmente meu pai concordou em me ensinar a dirigir e assumi pela primeira vez o volante do nosso Belcar, saí rodando naturalmente sem trancos. Nem preciso dizer que o velho Irineu que, declaradamente, não levava muita fé no meu potencial de motorista, ficou bastante impressionado com a revelação de minha insuspeitada perícia. “Esse guri leva jeito pra coisa”, dizia ele, orgulhoso, para minha mãe. “Viu como arrancou e conduziu bem o carro na primeira vez?”
Fotografias: Eduardo Scaravaglione
Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.
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