A exclusividade da obscuridade: Cinco raros desportivos britânicos dos anos 60 e 70 (Parte V)

Clássicos 20 Mar 2023

A exclusividade da obscuridade: Cinco raros desportivos britânicos dos anos 60 e 70 (Parte V)

Por Pedro Fernandes

Em 1959, o bom gosto italiano, a criatividade britânica e o músculo americano aliaram-se num conjunto de esforços que, eventualmente, resultaria num dos fascinantes automóveis mais raros de sempre, o Gordon-Keeble GT, um dos melhores e (paradoxalmente) menos conhecidos grand tourers da década de 60.

Jim Keeble, engenheiro automóvel e piloto de competição, proprietário de uma oficina em Ipswitch, trabalhara no Chevrolet Corvette do piloto da Força Aérea Americana Rick Neilson, destacado na base aérea RAF Bentwaters, travando amizade com o aviador ao longo do processo. Este acaba por desafiar Keeble para a construção de um híbrido, colocando um V8 da Chevrolet num chassis da Peerless com vista a uso em competição. O automóvel foi planeado e construído, tendo subsequentemente alcançado sucesso na missão para a qual fora idealizado: exercer superioridade em pista. O sucesso da aventura despertou interesse adicional em Keeble e Neilson, os quais consideraram a possibilidade de obter sucesso comercial com a produção de um grand tourer moderno, equipado com a mais recente tecnologia desenvolvida em competição, mas também luxuoso, dotado dos melhores acabamentos e impulsionado pelo motor capaz do Corvette.

Motivado pelo desejo de criar um automóvel que preenchesse estes moldes, Keeble contatou John Gordon, então Diretor-gerente da Peerless Cars, uma construtora britânica de curtíssima duração, a qual aliava carroçarias de fibra de vidro a chassis tubulares e componentes mecânicos do Triumph TR3. Gordon percecionou mérito no conceito exposto por Keeble, acabando mesmo por abandonar a Peerless em 1959 (a qual viria a falir no ano seguinte) para formar “The Gordon Automobile Company”, no mesmo ano, em associação com Jim Keeble.



A ideia começava a ter uma infraestrutura de suporte, necessitando então, também, de ganhar forma. Para o que sabiam que iria ser uma expressão estética do mais elevado nível, Gordon e Keeble contrataram a Bertone, em Turim. Aí, encontrava-se empregado o génio Giorgetto Giugiaro, então com apenas 21 anos e um único crédito anterior em seu nome. Giugiaro, futuro pai do De Tomaso Mangusta, Iso Grifo, Maserati Ghibli, DMC Delorean, Lancia Delta, BMW M1 e numerosos outros ícones da história automóvel, criara em 1960 o Alfa Romeo 2000 Sprint, tomando no mesmo ano o desafio de dar vida à ideia de Gordon e Keeble. A influência do protótipo que viria a designar-se Gordon GT pode ser, aliás, claramente vista no design seguinte de Giugiaro, o Alfa 2600 Sprint.

Embora os automóveis de produção tenham vindo a ser construídos com recurso a carroçarias em fibra de vidro, a carroçaria do Gordon GT foi cuidadosamente moldada em aço, sendo assente num chassis modificado da Peerless construído em Slough e, seguidamente, enviado para Turim. Todo o processo, desde a conceção à conclusão do protótipo 100% funcional demorou apenas quatro meses, um tempo recorde para o esforço e logística envolvidos.

O aspeto conferido por Giugiaro ao Gordon GT era extremamente agressivo, sendo dominado pelas óticas dispostas em ângulo, uma opção estilística que viria a ser também implementada, mais tarde, nos Lagonda Rapide, Rolls-Royce Silver Cloud III e Ferrari 330 GT 2+2 (entre outros). Alongado, baixo, de linhas sóbrias mas marcantes, o Gordon GT foi apresentado ao mundo em Março de 1960 no Salão de Genebra, onde recebeu, sem surpresa, um tremendo volume de atenção positiva. Este tipo de atenção estendeu-se igualmente à imprensa automóvel, com a revista Autocar a testar o protótipo duas vezes em pouco mais de seis meses, não poupando nos elogios em ambas as ocasiões.

Gordon e Keeble sabiam, a este ponto, que necessitavam de assegurar o fornecimento de motores para produção do seu novo automóvel. Para tal, decidiram que o Gordon GT deveria fazer uma viagem aos Estados Unidos e apresentar-se quanto antes a Ed Cole, Presidente da Chevrolet e a Zora Duntov, o “pai” do Corvette. Gordon, Keeble e o protótipo chegam a Detroit antes do final de 1960, com os referidos Cole e Duntov a realizarem test drives ao Gordon GT. O emblema do automóvel representava uma tartaruga, mas certamente que não se movia como tal.

As impressões foram positivas e o Presidente da Chevrolet aprovou não só o fornecimento anual de 1000 motores e caixas do Corvette à Gordon-Keeble, mas também acesso à rede de distribuidores da Chevy nos Estados Unidos para que os GT pudessem ser vendidos nos stands da marca, uma vitória tremenda para uma minúscula construtora europeia. De volta ao Reino Unido, Gordon e Keeble asseguraram o apoio financeiro de um investidor abastado, George Wansbrough, o qual tomou a posição de Presidente da companhia, permitindo o avanço do Gordon GT para produção, tendo para tal arriscado a sua própria fortuna familiar.

As carroçarias em fibra de vidro do futuro Gordon-Keeble GT, o qual manteve a total integridade da visão de Giugiaro, viriam a ser elaboradas pela William & Pritchard em Inglaterra, companhia de renome na transformação daquele tipo de material. Os interiores dos GT revestiam-se de detalhes (então) luxuosos, tais como o facto de serem equipados com vidros elétricos, caraterística à data ainda incomum em automóveis europeus.

A quando do início da comercialização, o maior problema com o qual o GT se deparava era o preço. Por um lado, demasiado alto; as 2.798 libras exigidas por um Gordon-Keeble pareciam excessivas quando comparadas às 2.250 que a Jaguar cobrava por um E-Type, o grande sucesso de vendas que provou que um automóvel extraordinário não necessitava de ser acessível apenas aos super ricos. Por outro, o preço do GT era baixo demais para manter a Gordon-Keeble à tona, não dando resposta às necessidades financeiras da produção, a qual se encontrava também frequentemente limitada por questões crónicas de incumprimentos de prazos por parte de fornecedores. Sublinhe-se que o GT era 1.400 libras mais barato que um Aston Martin e metade do preço de um Ferrari.

Até 1967, 99 automóveis foram produzidos, com uma unidade adicional concluída a partir de peças extras, elevando o número de Gordon-Keebles a um agradavelmente redondo 100. A companhia fora adquirida em 1965 a John Gordon (já após a saída de Jim Keeble) por Harold Smith e Geoffrey West, sendo re-designada “Keeble Cars Ltd.”. Smith fora representante da marca, sendo um amante devoto do GT, pelo que procurou manter a produção destes automóveis nos mesmos moldes, até 1967 quando a Keeble Cars cessa também atividade. Em 1968, um empresário estadunidense chamado John de Bruyne adquiriu o que restava da companhia, construindo dois protótipos baseados no GT; esta segunda tentativa de ressurgimento ainda figurou no Salão de Nova Iorque de 1968, mas sem sucesso, o que não surpreende pois as poucas alterações que de Bruyne introduziu no design original de Giugiaro (a maioria das quais através do lápis do cunhado, o ilustrador Peter Fluck), constituem as piores opções possíveis, desfigurando o extraordinário automóvel. Note-se, por exemplo, a inclusão desconcertante de farolins do Ford Zephyr MkIV.

Reportadamente, 95% dos Gordon-Keeble GT produzidos ainda existem, com o preço para exemplares em excelente condição a estabelecer-se muito ligeiramente acima dos 130.000 euros, embora a média se situe bastante mais abaixo, nos 95.000. Objetivamente, uma soma elevada, mas comparativamente aos valores de automóveis do mesmo escalão/período como os Aston Martin DB4, os preços dos Gordon-Keeble são quase irrisórios. A esta situação deve-se, é claro, o facto de não serem produto de uma companhia com um longo historial, não possuírem uma motorização própria e pelas belas linhas de Giugiaro serem exibidas em fibra, ao invés de aço ou alumínio. Contudo e mesmo atendendo a essas limitações, é impossível não sentir que os dinâmicos e belíssimos Gordon-Keeble permanecem subvalorizados e recolhidos a uma obscuridade não merecida.   

Gordon-Keeble GT 2
Gordon-Keeble GT 3
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Créditos das imagens: The Hairpin Company; Bonhams

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