Clássicos • 17 Jan 2023
Ao contrário do V6 Busso da Alfa Romeo ou do V12 Colombo da Ferrari, o V6 da Lancia não chegou a ficar conhecido pelo nome do seu “criador”. E no entanto, teria sido a maior justiça ver o tão inovador V6 da marca de Turim associado a Francesco De Virgilio, que o New York Times chegou a qualificar de “Leonardo da Vinci do motor V6”.
Francesco De Virgilio nasceu em 1911, em Reggio Calabria. Licenciado em engenharia pelo Politécnico de Turim, em 1936, especializou-se em engenharia automóvel no ano seguinte. No final da década, o jovem engenheiro que, anos antes, ficara maravilhado com o Lambda, era agora admitido ao serviço da Lancia. Pouco depois, surgiram dois eventos que marcariam a sua vida para sempre: conheceu a sua esposa, Rita Lancia (sobrinha do fundador da marca, Vincenzo Lancia) e ficou encarregado do projeto de motor V6.
Com esta nova arquitectura, a marca de Turim procurava combater as vibrações provocadas pelos motores V4, que equipavam o Lambda, o Augusta e o Aprilia. Assim, em plena Segunda Guerra Mundial, e num departamento de engenharia transferido para Pádua (devido aos bombardeamentos da cidade de Turim), Francesco De Virgilio começou a trabalhar nesse novo motor, inicialmente previsto com um ângulo de 39º (os motores V4 tinham ângulos ainda inferiores), mas que acabou por chegar aos 60º.
Terminada a guerra, viu o seu projecto validado pelo seu superior hierárquico, o grande Vittorio Jano, e foi com este novo motor em alumínio, que foi apresentada a nova berlina Aurelia, no salão de Turim de 1950. Pela primeira vez, um motor V6 seria produzido em série (em 1911, a Delahaye já tinha produzido o Type 44 com um motor V6 de 24cv e válvulas laterais, mas numa escala incomparavelmente menor).
De Virgilio também esteve envolvido nas evoluções do V6, nomeadamente, no Aurelia Coupé, ícone do gran turismo que se destacou em competição: segundo lugar na classificação geral das Mille Miglia de 1951 (entre um Ferrari 340 America Berlinetta Vignale e um Ferrari 212 Export Spider), conquista dos três primeiros lugares da Targa Florio 1952, vitória no rali de Monte Carlo de 1954 com Louis Chiron.
Ainda sob a direção de Vittorio Jano, Francesco De Virgilio participou na concepção do surpreendente D50, para os campeonatos de Fórmula 1 de 1954 e 1955, ano em que a Lancia foi adquirida pela Italcementi, o que determinou o fim da atividade da Scuderia Lancia. Com o apoio da Fiat, a Ferrari recuperou os D50 (que levariam Fangio até ao título, em 1956), o stock de peças, e algum pessoal (incluindo Vittorio Jano). Também tentou levar Francesco De Virgilio para Maranello, que recusou a proposta, tal como já fizera anos antes, durante a concepção do V6. São poucos os que deram duas negas a Enzo Ferrari.
Nos anos seguintes, Francesco De Virgilio passou a trabalhar em projectos menos entusiasmantes, como os motores diesel desenvolvidos para camiões e autocarros, o que não impediu, mais tarde, algumas colaborações com a Squadra Corse HF Lancia liderada por Cesare Fiorio. Reformou-se em 1975, mas continuou a colaborar com a equipa, participando no desenvolvimento do Stratos e do Beta Montecarlo Turbo.
Nos anos 80, Francesco De Virgilio ainda colaborou com a Alfa Romeo. E quando em 1986, a Alfa Corse estudava um novo motor, a pensar na nova regulamentação da Fórmula 1 (sem turbo) e os engenheiros hesitavam entre um V8 e um V12, Francesco De Virgilio perguntou, “E se fosse um V10?”. Umas verificações e uns cálculos depois, a inédita solução ficou aprovada! É certo que o motor Alfa Romeo V10 3,5 litros acabou por nunca participar no campeonato de Fórmula 1 (só foi colocado no 164 ProCar), mas o motor V10 acabou por impor-se na Fórmula 1 até 2005, com imensas vitórias e títulos. Uma vez mais, Francesco De Virgilio estava na origem de um motor inovador, e cuja arquitectura permaneceria durante muitos anos, dentro e fora das pistas. A primeira vez tinha sido com o motor V6 Lancia… o “V6 De Virgilio”.