Arquivos • 02 Mai 2023
Era uma noite de verão no hemisfério sul e o nosso Airbus A340 tinha descolado há poucas horas do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com lotação completamente esgotada. Mais de trezentas almas a bordo, entre passageiros e tripulantes, alguns deles claramente perturbados pelo facto de não poderem fumar durante as cerca de nove horas de viagem, proibição que estava em vigor há poucos meses e já tinha dado origem a alguns incidentes mais ou menos caricatos. O que vou contar é apenas mais uma história de um deles.
É sabido que a esmagadora maioria das pessoas sente pelo menos algum “desconforto” quando sabe que vai voar a 40 mil pés de altitude e 900 quilómetros por hora. Nada mais natural. O ser humano não foi concebido para viver nessas condições e o facto de ainda que temporariamente se encontrar fora do seu habitat natural pode dar origem a alguma ansiedade que não é mais que uma manifestação do instinto de sobrevivência inerente à nossa espécie. Nada de novo aqui. A novidade era a proibição de fumar e tanto bastava para que os passageiros dependentes da nicotina ficassem ainda mais nervosos do que estariam em circunstâncias “normais” com as consequências que facilmente se adivinham. Na maior parte dos casos as crises resolviam-se recorrendo apenas ao bom senso mas por vezes tínhamos que lidar com situações bastante peculiares como aquela que passo a narrar.
A viagem decorria normalmente e a meio da madrugada o avião encontrava-se a voar suavemente algures sobre o Atlântico. A maioria dos passageiros dormia ou pelo menos fazia por isso, enquanto nós, tripulantes, tudo fazíamos para que a sua tranquilidade não fosse perturbada. Até que de repente soou um alarme no cockpit. O toque estridente da campaínha não deixava dúvidas: havia fumo (ou fogo) no avião, o pior pesadelo de qualquer piloto. Dei um salto na cadeira e as minhas pulsações que normalmente andam pelas 60 rpm logo passaram para 200 ou mais. Porém, feita a análise da situação logo constatei que o aviso vinha dos WC e não de um dos quatro motores do A340 ou qualquer outra zona do avião. Chamei o supervisor de cabine e pedi-lhe que investigasse o que se passava. Sabíamos qual o WC afectado e por isso bastava abrir a porta respectiva para apanhar o infractor em flagrante. Os tripulantes de cabine sabem como isso se faz, não haveria qualquer dificuldade.
Minutos depois o supervisor veio ao cockpit e disse-me qualquer coisa como isto: “Comandante, não vai acreditar. Abri a porta do WC e quando entrei deparei com a senhora “F” (figura muito conhecida das colunas sociais e das TVs) ajoelhada e com a cabeça enfiada na retrete. Pensei que estivesse a vomitar, mas não era esse o caso. Estava apenas a soprar o fumo do cigarro que segurava com a mão esquerda para o interior da retrete enquanto que com a mão direita carregava no botão de descarga do autoclismo na esperança que o efeito de sucção fizesse o resto”. Não fez. O detector de fumos foi activado e o aviso sonoro disparou no cockpit, com as consequências que descrevi.
Logo depois “F” foi levada para o seu lugar na cabine de passageiros e alertada para o facto de poder vir a ser entregue às autoridades à chegada a Lisboa se voltasse a tentar acender um cigarro que fosse. Pior que isso, eu ameaçava contar o sucedido aos órgãos de informação portugueses com nomes e tudo se ela se atrevesse a repetir a graça. Não atreveu e ao que me disseram não voltou a levantar o rabo do seu lugar até à chegada a Lisboa. Linda menina.
Uma nota final. Por favor, nunca em circunstância alguma tentem acender um cigarro no interior de um WC de avião. Os papeis, plásticos e toalhetes ali existentes são altamente inflamáveis e podem causar (já causaram…) uma catástrofe de dimensões bíblicas.
Também tenho gostado….
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