Um original

Arquivos 09 Fev 2023

Um original “Grande Prémio” em Paris

Por Ricardo Grilo

Nos tempos após a Primeira Guerra Mundial organizar um Grande Prémio era uma forma comum de comemorar uma data, uma festa tradicional ou uma inauguração. Desse modo, a par dos Grand Prix mais tradicionais, muitas outras provas foram disputadas tendo como fundamento alguns dos citados pretextos.

Isto a propósito daquele que terá sido um dos mais estranhos eventos desportivos de sempre: o Grande Prémio comemorativo da abertura da “Garage de Banville”, em Paris.

Convém referir que após ter dominado a temporada de Grand Prix de 1927, o piloto francês Robert Benoist viu-se sem emprego devido ao abandono da equipa oficial da Delage. Como tal aceitou o convite para dirigir a nova “Garage de Banville”, senão o primeiro, certamente que um dos primeiros parques de estacionamento com vários andares que terá existido em todo o mundo.

Isto porque no ambiente de ideias novas e crescente prosperidade vivido nos anos 20, um grupo de franceses sem problemas financeiros, muitos dos quais antigos pilotos de caça da Grande Guerra (tal como Robert Benoist), tiveram a ideia de construir uma garagem onde os mais favorecidos membros da sociedade pudessem estacionar seus requintados carros topo-de-gama.

A ideia foi bem acolhida e a venda de acções do projecto rendeu o suficiente para adquirir o terreno e edificar a “Garage de Banville” (o nome foi escolhido por esta estar localizada no final da rua Theodore de Banville, em Paris).

Havia dois andares no subsolo e cinco andares em altura, todos ligados através de uma rampa com 600 metros de extensão toda edificada em betão, o material da moda que começava a ser cada vez mais comum.

No piso térreo havia um grande salão de exposição onde se vendiam modelos da Lancia e da Bugatti. Na cave encontrava-se a secção de serviço e oficinas.

Cada automóvel teria o seu próprio espaço alugado num dos cinco andares seguintes. No sexto andar, uma ousadia inédita: além de um mini-golfe, havia três campos de ténis cobertos, um ginásio e um restaurante. Tudo para satisfazer os requintados hábitos dos clientes.

Para uma inauguração em grande, Robert Benoist e Christian Dauvergne (um dos investidores de Banville) gizaram um plano inédito que lhes daria visibilidade e notoriedade. Simplesmente decidiram organizar um “Grand Prix” dentro do edifício! Ou melhor dizendo, uma prova de rampa – literalmente.

Benoist e Dauvergne conseguiram reunir uma lista de inscritos com 15 viaturas desportivas de pilotos de renome, amigos do duo. Para protecção dos concorrentes foram criadas barreiras com sacos de areia, evitando que uma qualquer falha se traduzisse pela queda de um dos andares.

Por segurança, decidiram que os tempos das subidas não seriam registados, evitando assim excessos que poderiam ter consequências funestas. Consequentemente, não houve um vencedor declarado. Mas ainda assim tratou-se de um grande sucesso que rendeu ao espaço a atenção necessária que permitiria à garagem prosperar rapidamente e, melhor ainda, adquirir a saúde financeira que lhe permitiria sobreviver à Grande Depressão de 1929.

Entretanto, Robert Benoist voltaria às pistas, como piloto e director desportivo da Bugatti, vencendo ainda as 24 Horas de Le Mans, em 1937. Mas a “Garage de Banville” continuaria a sua actividade.

Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis requisitaram 26 dos automóveis de luxo que estavam guardados na garagem, pouco antes de abandonarem Paris. Logo a seguir, chegaram os membros das FFI (Forces Françaises de l’Intérieur – a Resistência Francesa) que requisitaram mais 43 automóveis!

Depois o espaço foi ocupado pelo exército americano e apenas voltaria ao negócio tradicional em 1946, mantendo o modelo sem sobressaltos até aos anos 80.

Nessa altura, os novos proprietários entenderam ser mais lucrativo transformar a “Garage de Banville” num edifício de escritórios, acabando assim, em definitivo, com a mais exótica pista de Grande Prémio que terá existido.

Imagem colorida por Ricardo Grilo

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