Historinha de investidores

Clássicos 22 Jan 2023

Historinha de investidores

Por Irineu Guarnier

Um conhecido meu, jovem analista do mercado de commodities agrícolas, aplicou todas as suas economias em ações. Seu projeto, me confidenciou, era obter dividendos mensais que lhe permitissem não precisar mais trabalhar depois dos 40 anos. Numa época em que as as ações empilhavam ganhos sobre ganhos nas bolsas de valores, ele tentou me converter num “investidor”. Confiante em fórmulas infalíveis capazes de potencializar ganhos e interromper prejuízos na hora certa, me garantiu que eu jamais perderia meu suado dinheirinho se aplicasse em “papéis seguros”.

Com essas ações, protegidas pelos tais “mecanismos de segurança”, eu ganharia muito dinheiro com pouco esforço. Seu entusiasmo era tanto que quase me convenceu. Em todo caso, como sou desconfiado em relação a fórmulas mágicas de enriquecimento rápido – e lícito – sem muito trabalho duro, disse-lhe que, se dispusesse de dinheiro para investir, eu o aplicaria em outro “ativo”: um automóvel antigo.

Automóvel antigo?! Meu amigo investidor se espantou. Mas isso lá é investimento?! De fato, muita gente considera automóveis antigos apenas um hobby. Mas o fato é que, na Europa e nos Estados Unidos, a valorização de automóveis colecionáveis tem sido algo impressionante. Haja vista os recordes de preços registrados em leilões europeus, na casa dos milhões de euros.

Quem compra um automóvel antigo, original e em bom estado, ou o restaura cuidadosamente, dificilmente perde dinheiro na hora de revendê-lo. Sem contar que se trata de uma atividade cultural, gregária, desestressante, e que gera muitos empregos diretos e indiretos (para mecânicos, funileiros, pintores, estofadores, cegonheiros, comerciantes de peças, garagistas, etc). Ou seja, é uma atividade econômica, também. Mas, nem de longe comparável à tensão solitária de monitorar, minuto a minuto, numa tela de computador, o sobe-e-desce de ações num mercado sobre o qual você não tem o menor controle.

Não quero dizer com isso que as bolsas não sejam uma boa forma de investimento. São. E são importantes para a economia de qualquer país, pois permitem às empresas crescer. Mas continuo achando que bolsa não é jogo para pequenos investidores. Bolsa é para quem tem muito dinheiro e não precisa dele no curto prazo. Meu amigo investidor deve ter ficado decepcionado com meu “conservadorismo”…

Nossa conversa se deu em Agosto de 2008. Um mês depois, veio a quebra do banco Lehmann Brothers, que jogou o mundo numa crise internacional terrível. Depois do incêndio que incinerou os ganhos de milhões de acionistas pelo mundo afora, e da enorme desvalorização que tiveram as ações de quase todas as grandes empresas, acho que o meu guru financeiro passou a observar com outros olhos os carros antigos que ele vê pelas ruas. E, talvez, esteja me achando um pouco menos “excêntrico”.

Fotografias: Eduardo Scaravaglione


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.

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1 Comentário
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Ricardo Zagalo
Manuel Lima
6 anos atrás

Isto é um bem para o mundo dos clássicos, carros em si e toda a indústria e comércio que gira á volta mas, um mal para os verdadeiros amantes dos carros antigos, que querem disfrutar deles pelo seu espírito e sensações e não pelo seu valor. O mundo do capital, tal como o próprio Irineu classifica no seu texto, é excelente para quem quer, pode e gosta de lá estar, da sua adrenalina, desafio e incerteza constantes. Já os carros antigos têm, ou tinham, a ver com sensações físicas, a vista, o cheiro, o som, os pequenos gestos de abrir… Read more »

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