Kawasaki Z900, a chegada da rainha

Clássicos 21 Out 2022

Kawasaki Z900, a chegada da rainha

Por Paulo Araújo

A Kawasaki começara já em 1967 a projectar uma 750 de quatro cilindros a quatro tempos para substituir a sua 650W, mas quando a Honda se adiantou à parada com a CB750, no Salão de Tóquio de 1968, foi altura de voltar à prancheta, utilizando a Honda como a bitola a melhorar. Assim, não surpreende que, quando a Kawasaki anunciou ao mundo a Z900 em 1972, esta tivesse substancialmente mais potência que a Honda: 82 cavalos contra os 67 da rival de 750cc. Estes eram conseguidos dos 903cc às 8500rpm com a ajuda do duplo veio de excêntricos à cabeça, que torna o motor das Z900 tão distinto e imediatamente reconhecível. Ao contrário da CB750, 200 Km/h eram uma possibilidade real, e o arranque aos 1000 metros bate um Porsche 911 do ano 2000! Se a CB750 foi o primeiro prego no caixão da indústria inglesa, a Z900 foi o empurrão final. Por comparação, a Norton da época, única inglesa que na sua versão final repartia a cilindrada da moto de Akashi, era pateticamente fraca e quebradiça, embora levasse uma vantagem em docilidade de condução.

 

Potente, feroz e bonita

 

A Z900 não era só potente e feroz, era bonita. A pequena cauda que prolongava a estética do depósito em gota e completava graciosamente o selim era um ponto de diferenciação da concorrência, além de providenciar um pequeno compartimento para guardar documentos sob o banco. Os quatro escapes eram outro ponto de atracção inegável, de rigor na época, embora muitos donos não tardassem a procurar menos peso em sistemas acessórios paralelos de quatro para um. Já na altura, as sedes das válvulas eram tratadas para permitir a utilização de carburante sem chumbo e havia um sistema de reciclagem de gases no cárter que só se viria a tornar obrigatório pelas normas anti-poluição 20 anos mais tarde… O motor, apesar de queimar algum óleo, era o ponto forte. O lado negativo, como era habitual nas japonesas da época, era a ciclística: o quadro fino e de aço pouco duro flectia, os amortecedores traseiros telegrafavam qualquer irregularidade da estrada, induzindo ondulações em curva, e os garfos finos deixavam a frente oscilar. A adopção de unidades melhores atrás e um amortecedor de direcção era comum, e substituir o óleo do garfo por um mais espesso também ajudava.

 

O modelo original apresentava-se cor-de-laranja sobre castanho-escuro ou amarelo sobre verde-garrafa, com detalhes em filetado, sobre motor negro mate com alhetas de alumínio polido. O painel lateral ostentava o dístico “900” com “Double Overhead Camshaft” por baixo em letra menor. Um disco único de 296mm actuado por uma pinça de um só êmbolo (quase) dava conta da travagem à frente, com um tambor de 200 mm a ajudar atrás. A corrente era lubrificada a partir dum pequeno reservatório alojado sob o selim do lado esquerdo do quadro, mas mesmo assim gastava depressa, visto ser a Z900 sem rival na época em termos de prestações absolutas. Tendo o motor provado a sua total fiabilidade, os modelos seguintes sofreram poucas modificações a esse nível. Em 1974, o motor passou a ser acabado exteriormente todo a alumínio e o formato da decoração mudou, sendo agora mais linear com bordeaux, preto e dourado separados por filetes brancos horizontais. Houve também modificações de detalhe como troca da ordem das luzes avisadoras, um repetidor da luz de travagem no conta-rotações e indicador de desgaste dos calços traseiros.

 

Em 1975, chega a Z1B, com corrente de “o” rings, desaparecendo o lubrificador. A série Z900A4 de 1976 passa a trazer de série um segundo disco na frente. Este permitia travagem mais equilibrada além de mais potente.

 

Muitos detalhes bem pensados

 

Após algum cuidado, o grande motor arranca facilmente, instalando-se naquele ralenti roufenho que fala de potência desconhecidas para o mundo quando a moto saiu em 1972, ecoado através dos magníficos 4 silenciadores curvos. Assim que se fecha o ar, o barulho é de todo mais suave e com a moto quente, pode-se pôr a trabalhar dando com o “kick” à mão, tal o equilíbrio primário do grande quatro em linha de 903cc. Um dos segredos da lendária fiabilidade do motor, que foi utilizado em tudo desde sidecars a dragsters e especiais pelo mundo fora, será o formato quadrado de 66 x 66mm, na altura pouco habitual, ajudando a ganhar rotação sem atingir velocidades lineares excessivas do pistão. Tudo na moto é grande, embora a largura do depósito seja elegante para algumas motos de hoje, vamos sentados bastante alto e muito direitos com os guiadores abertos que em tantos modelos não tardariam em ser substituídos por avanços. Do mesmo modo, os quatro escapes, agora preciosos, eram invariavelmente descartados em favor de sistemas 4-1. O ganho de peso era considerável, o “look” era mais desportivo e de qualquer maneira era só uma questão de tempo até os de origem enferrujarem por dentro e abrirem grandes buracos…Os comandos exigem uma mão de homem, a embraiagem é pesada e o disco da frente, funcionando sem ser brilhante, também exige um bom aperto da manete. Em andamento, a estabilidade é excelente, só em curvas mais pronunciadas se nota alguma incerteza dos amortecedores duplos, sempre o calcanhar de Aquiles das motos desta época, aliados a quadros muito finos e garfos que hoje pareceriam pobres numa 125.

 

Interessante para a época detalhes que vamos recordando, a moto tinha já um indicador de stop na consola que confirma estarem as luzes de stop a funcionar, e um manípulo de luzes de emergência montado nos guiadores, se bem que este parece um ideia de última hora, montado como um apêndice neste primeiros modelos. Os grandes instrumentos montados em copos cromados eram outro ponto distinto do modelo, infelizmente também amachucavam em colisões. Os comutadores também têm um repetidor sonoro – “nhec, nhec, nhec” que era a primeira coisa que muitos donos desligavam, mas marcava a diferença para as rudimentares inglesas da época, onde uma luz de neutro já era considerada pieguice! De facto, para a época a moto era cheia de detalhes bem pensados, como uma bandejinha sob a cauda que deslizava para guardar os documentos, outra peça quase sempre perdida ao fim de um par de donos e tampão de gasolina accionado por chave.

 

Potência e suavidade

 

A suavidade e sensação de potência do motor são reais, com um binário respeitável de 7,46 quilos. De facto, a grande diferença para os propulsores de hoje é a velocidade a que as rotações sobem, a Z1 parece adormecida a dar a volta ao conta-rotações comparada com as suas “primas” de hoje – e o limite a que essas rotações podem ser levadas também é modesto, mas este menos óbvio se considerarmos que ainda hoje 6000 é considerado bom para um carro. Confortáveis no amplo selim acolchoado e expostos ao vento até à velocidade máxima teórica da mais de 217 km/h pela posição de condução muito direita, esta moto era suficientemente boa para permitir raspar os escapes ao curvar. Outra modificação vulgar na altura, normalmente imposta pela adopção de sistemas de escape alternativos, era a remoção do descanso central, com uma poupança instantânea de alguns 9 quilos mas dores de cabeça para a geração de restauradores mais adiante, pois estes perdiam-se invariavelmente em cantos escuros de oficinas e muito terão acabado por ser deitados fora. Surpreendentemente para um tão grande cilindrada e tecto de rotação possível da ordem das 9000 rpm, os consumos são razoáveis, por volta dos 8 litros. Em manobras a baixa velocidade, sente-se o peso, mas a Kawasaki Z900 nunca foi apresentada como moto de cidade… Os prémios que ganhou um pouco por todo o mundo, do género “rainha da estrada”, demonstravam o seu domínio, pelo menos e sem margem para dúvidas, das épocas entre 1972 e 1976 – quando foi substituída por outra Kawasaki, a Z1000.

Imagens: Vitor Barros

 

 

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