As motos Brough de Lawrence da Arábia

Clássicos 11 Out 2022

As motos Brough de Lawrence da Arábia

Por Paulo Araújo

Militar, político, historiador, escritor, espião, filósofo, arqueólogo, a faceta motociclista de T. E. Lawrence, mais conhecido por Lawrence da Arábia, poderia passar quase despercebida. No entanto, as motos tiveram um papel central na sua vida – e em última análise – na morte, desta figura lendária da guerra da independência árabe.

 

Retrato do homem

 

Thomas Edward Lawrence nasceu no país de Gales em 1888, o segundo de cinco filhos de Sir Thomas Chapman. Quando a família se mudou para Oxford, Lawrence aproveitou para estudar história no Jesus College, terminando em 1910 uma licenciatura com todas as honras, com uma tese sobre os castelos dos cruzados no Médio Oriente. Para elaborar essa tese, passou longos meses na Palestina e Síria, percorrendo a região e familiarizando-se com a cultura e língua árabe. Fascinado pela história e arqueologia, emprega-se como assistente numa das escavações do Museu Britânico na cidade Hitita de Carchemish. Na sua posição de encarregado dos trabalhadores árabes, adquiriu uma valiosa experiência em motivá-los para trabalhar em equipa, experiência que viria a ser-lhe muito útil mais tarde.

Com o advento da I Guerra Mundial, Lawrence acaba por ser destacado para o Departamento Militar de Informações, no Cairo, tornando-se um especialista nos movimentos nacionalistas árabes nas províncias turcas que hoje são Israel, a Síria, Jordânia e Líbano. Após um memorável encontro com o Rei Faisal da Arábia Saudita, que se revoltara contra os Turcos, acaba por ser nomeado Oficial de Ligação. Junto do povo árabe, Lawrence desenvolveu estratégias para enfraquecer o invasor Turco com tácticas de guerrilha, conseguindo, com forças teoricamente obsoletas, manter em alerta grandes destacamentos turcos. A 10 de Julho de 1917, Lawrence chega ao Cairo, exausto e poeirento, para consternação das altas patentes britânicas, tendo levado quatro dias a atravessar, de camelo, o deserto do Sinai. Tinha tomado Akaba de surpresa com meia dúzia de tribos locais. Nesse dia, começou a sua lenda (os Árabes chamaram-lhe El Aurens, o tigre do deserto!) e Lawrence acabou por se tornar o elemento chave de ligação entre as forças do general Allenby e o exército de Faisal. Anos depois, o próprio Lawrence registaria estes factos num dos seus livros intiulado “The seven pillars of wisdom”.

 

Na conferência de paz de Paris, em 1919, Lawrence senta-se ao lado de Faisal como parte da delegação Britânica. Nesta fase, Lawrence aproveitou a sua relativa fama, após as campanhas do deserto, para ganhar popularidade para a causa da independência árabe. Porém, tanto a Inglaterra como a França, tinham ambições coloniais na região, que acaba por ser nomeada um território controlado pelos dois países. Lawrence, desiludido, abandona a política não dando contudo por terminada a sua relação com a Palestina. Com as revoltas no Iraque contra a administração Britânica, Winston Churchill convence-o a regressar à diplomacia, com o resultado da formação do Iraque e Jordânia, que, embora teoricamente sob tutela Britânica, passaram a deter considerável autonomia como estados. Porém, os anos da guerra, a agitação política e o esforço de escrever o seu livro duas vezes (o primeiro manuscrito fora roubado em 1919) deixaram Lawrence transtornado, e ele anseia por paz longe das intrigas da diplomacia. De volta a Oxford, “Ned”, a sua alcinha entre os ingleses, passa a deslocar-se de moto, decerto por estar habituado a viver com um intenso grau de adrenalina.

 

A Brough Superior SS100

 

Duma forma ou doutra, acaba por fazer amizade com George Brough, criador e fabricante da espantosa e artesanal moto, a Brough Superior. O seu modelo SS100, ainda hoje uma moto rápida, que desenvolvia mais de 45 cavalos, com duplo veio de excêntricos nas cabeças dos seus dois cilindros em V de 988cc, pesava apenas 180kg e atingia mais de 170 km/h, sendo considerada o “Rolls-Royce” das motos.

 

De facto, há uma história singular em redor desta afirmação de Brough. A Rolls-Royce sempre combateu tentativas de utilização do seu prestígio por terceiros, em proveito próprio, ameaçando consequentemente Brough com um processo, ao que este responde com um convite para uma visita à sua fábrica. Quando os representantes da Rolls-Royce chegaram às instalações, vêem todos os operários a trabalhar de luvas brancas num ambiente de grande profissionalismo, partindo satisfeitos e concordando que a Brough Superior, é de facto, o Rolls-Royce das motos. Anos mais tarde, veio a saber-se que a utilização de luvas brancas nesse dia seria para não deixar dedadas em várias motos terminadas, que estavam prestes a sair da fábrica, para serem exibidas num salão.

 

No entanto, do que não restam dúvidas é de que as Brough – chamadas “Superior” depois do filho George ter tido uma desavença com o pai sobre qualidade e ter formado a sua própria marca –, eram uma classe a parte, cada uma produzida com a participação activa do futuro dono, justificando as pequenas diferenças de acabamento em cada unidade produzida.

 

A exclusiva SS100S, de que se fabricaram apenas 69 exemplares em 1925, tinha um preço de venda de 170 libras, uma fortuna na altura, e eram entregues com uma garantia de serem capazes de exceder os 160 km/h. Ao longo dos anos, a especificação varia, especialmente a utilização de motores – que a Brough nunca fabricou – sendo empregues, entre 1924 e 1936, motores em V JAP KTOR de duas cames, que deram lugar a uma unidade Matchless a partir de 1936. As caixas eram Sturmey Archer, e os garfos (desenvolvidos a partir dos da Harley-Davidson) fabricados especialmente para a Brough pela Castle Fork and Accessory Company, ajudavam a conferir o misto de leveza e comportamento que fez a fama da marca.

 

Em pista como em estrada

 

Parte do sucesso proveio também dos êxitos em pista, com o próprio George Brough e o seu piloto de testes Freddie Dixon a bater os 210 km/h sobre a distância de um quilómetro em 1927 numa SS100, e George Brough a elevar este recorde para os 210,2 km/h no ano seguinte. A marca também detinha o recorde da pista de Brooklands com uma volta de 200,38 km/h em 1939, averbada por Noel Pope. No Salão da Moto de 1925, a Alpine Grand Sport causou sensação, como uma SS100 com equipamento de viagem. No mesmo ano, a Brough apresentou ainda uma Pendine Racing (baptizada pelas pistas em que Malcolm Campbell bateu uma série de recordes de velocidade) que, com uma distância ao solo aumentada, era capaz de atingir os 180 Km/h. Em 1929, as caixas Sturmey Archer foram reforçadas para melhor darem conta dos 50 cavalos produzidos pelos motores JAP. Em 1928, a suspensão traseira aparece pela primeira vez na marca, e em 1934 o modelo Alpine Grand Sport recebe o motor JAP de válvulas à cabeça conhecido como “dois de tudo” por ter duplo magneto e dupla bomba de óleo. Em 1935, as motos passam a ter mudanças no pé, e em 1936, recebem a referencial caixa Norton de quatro velocidades. Porém, com o advento da II Guerra Mundial, a produção é suspensa para dedicar a fábrica a produtos bélicos. Recentemente, as Brough Superior têm batido todos os recordes em leilões, sendo vulgar ultrapassarem os 250 mil Euros.

 

Quanto a Lawrence, Brough acabaria por produzir máquinas especialmente para “El Aurens”, o que não era raro, pois a marca fazia questão de dar serviço pessoal aos seus clientes fieis. Ao longo dos anos, Lawrence teria sete destas motos, a última das quais, de matrícula GW2275, se encontra exposta no Museu Imperial da Guerra, em Londres.

 

Em última análise, a vida, mas também a morte do herói inglês da guerra da independência árabe ficariam ligadas à marca, pois Lawrence adorava nas motos Brough a leveza e velocidade, que lhe permitiam escapar a tudo, num desafio individual contra os elementos, como o que tinha vivido nas campanhas do deserto. Reformado para a sua casa de Clouds Hill, tenciona resumir as suas actividades de editor. Porém, a caminho da cidade de Bovington, uma manhã, sofre um acidente na sua Brough Superior, ao desviar-se de dois ciclistas numa curva cega. Apesar da intervenção do eminente cirurgião Sir Hugh Cairns, pioneiro da neurocirurgia, não mais voltaria a acordar do severo traumatismo craniano, que o faz perder a luta pela vida em Maio de 1935, com apenas 47 anos.

Texto: Jornal dos Clássicos/Paulo Araújo

Imagens: Arquivo

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