Clássicos • 29 Mai 2022

Não sou um especialista em automóveis, muito menos em modelos clássicos. Gosto de automóveis. Isso é o suficiente para despertar em mim a curiosidade para saber o mínimo de forma a poder expressar a minha opinião e, até certo ponto, ela ser válida. O meu principal critério de avaliação de um determinado automóvel, antes de qualquer número ou feito histórico, é a sensação que este consegue provocar no condutor. Com isto, e depois de muito reflectir, decidi que iria escrever sobre o modelo que, na minha modesta opinião, serve o Homem há cerca de 70 anos sem que o devido tributo lhe seja prestado.
Ao longo dos meus cinco anos de carta tive oportunidade de conduzir e de ser conduzido em diversos automóveis clássicos. Carros velozes, lindos, outros mais teimosos e até algumas raridades. Desde Austins, MGs, Lamborghinis, Mercedes, e muito mais, sem que muitos tivessem chegado perto do meu favorito, o Renault 4L. Por favor não deixem de ler porque eu vou tentar explicar-me.
#1 Rolls-Royce dos Pobres
Há cerca de quatro anos, o meu pai decidiu restaurar uma Renault 4L apenas com peças originais e escusado será dizer que eu sou quem lhe dá mais uso lá em casa. Durante quatro anos, levei o carro para o centro de Lisboa para ir para a faculdade e logo de imediato me apercebi de algo incrível. Parece que estamos a andar no tapete do Aladin. O automóvel parece que flutua como um Rolls-Royce e ultrapassa qualquer lomba e empedrado sem qualquer dificuldade. Admito que, em alguns empedrados, as coisas possam “chocalhar” um bocado e parecer que estamos a descolar a bordo do Apollo 11 em direcção à Lua, mas é sempre bom sentirmos a adrenalina que o Neil Armstrong sentiu antes de fazer história.
#2 Colin McCrae “on a tight budget”
É difícil imaginar um automóvel como este. Estamos sempre a competir, seja contra a mais pequena das subidas, que temos que preparar com antecedência, seja contra o vento frontal ou lateral que nos fazem muitas vezes questionar a fragilidade humana. As colinas fazem-se notar e todo o trajecto que envolva altos e obstáculos têm de ser feitos “prego a fundo”. Os finos pneus colocam-nos sempre no limite da aderência e a caixa de velocidades em forma de bengala faz-me lembrar as imagens do lendário piloto de ralis Colin McCrae a operar a caixa de velocidades sequencial do seu Subaru Impreza WRC no Campeonato Mundial de Ralis. Os cromos saberão do que eu estou a falar. O carro até vem equipado com a típica janela de correr operada manualmente que em muito se assemelha ao que vemos nos carros de rally clássicos.
#3 Melhor que um Qashqai
O Nissan Qashqai é capaz de ser, actualmente, o ponto de referência no fabrico de qualquer SUV dito de “classe média” na Europa. Foi um carro que revolucionou o mercado como um dos primeiros SUV´s modernos produzidos em massa e que, em parte, é responsável pela recuperação económica e financeira da Nissan. Porém, eu sou da opinião de que não há nada como o original. O Renault 4L é, na minha modesta opinião, o primeiro SUV do mundo e é melhor que um Qashqai. Primeiro, funciona em todo-o-terreno. A sua carroçaria leve, a elevada altura ao solo e suspensão permitem à catrela ultrapassar terrenos difíceis mais uma vez com um pouco de chocalhos mas com eficácia. Segundo, é mais confortável. Terceiro, consome menos. Quarto, a Nissan só devia fazer o GT-R. Quinto, quem desenhou o Juke devia ser abatido. Sexto, as revisões são feitas no Crispim ali junto à bomba de gasolina da Galp em Linda-a-Velha. Sai barato e recomendo vivamente.
#4 O fumeiro
O automóvel não é indicado para pessoas com problemas respiratórios. Se mantivermos as janelas fechadas seguramente morremos intoxicados dentro de dez minutos pelo intenso cheiro a fumo e gasolina. Nunca consegui entender se isto é uma particularidade da minha 4L ou se, pelo contrário, todas elas quando foram produzidas já vinham com a intoxicação por carbono de série. De qualquer das formas é um equipamento que é sempre útil nos dias de hoje; por exemplo, se formos hipsters ou fashion trenders lisboetas podemos fumar o nosso salmão. No entanto, se formos pessoas normais podemos fumar todo o tipo de chouriços, linguiças, salsichas, etc…
#5 Os números
Não interessam para nada. Se olhássemos sempre para os números, carros como um Smart ou um Polo não seriam best-sellers. No entanto, há dois números que temos que destacar. O primeiro é o baixo consumo. Durante meses julguei que a “agulha” que mede o nível de combustível no depósito tivesse estragada porque ela não se movia, até que percebi que o carro nunca pára, é um carro para a eternidade, dá a impressão que em certas alturas anda a “ar”. Por fim, o melhor número de todos é aquele que para mim talvez seja o mais importante e que representa uma grande poupança mensal. Zero euros gastos em multas. É impossível ser multado em excesso de velocidade naquele carro, e se fores serás aclamado herói nacional com todas as honrarias e títulos que tanto mereces pela tua persistência e acima de tudo pela tua bravura.
#6 Arte
Em 1917, Marcel Duchamp, pintor e escultor franco-americano, apresentaria anonimamente perante um júri da Society of Independent Artists um urinol de porcelana que o próprio havia adquirido na J. L. Mott Iron Works. A obra foi intitulada de “A Fonte” e ainda hoje é considerada um marco na História das Artes. O júri, composto inclusivamente por Marcel Duchamp, decidiria que peças de arte seriam apresentadas na exposição inaugural da Society of Independent Artists a realizar-se no Grand Central Palace em Nova Iorque. O pintor e escultor franco-americano, grande defensor do movimento dada, não fez mais do que, propositadamente, provocar no júri uma discussão que abalaria o mundo das Artes. Afinal o que é arte? Qual é o conceito de arte? Arte será apenas o belo, nomeadamente expressa em peças como a Vitória de Samotrácia? Ou um objecto do quotidiano como uma enxada ou um urinol também poderão ser consideradas arte? Existirá sequer um conceito de arte? Como podemos ver esta é uma questão que apela não só aos nossos mais elementares sentidos como ao nosso profundo intelecto sem que de imediato consigamos obter uma resposta. Assim, influenciado pelo movimento dada, considero que o Renault 4L merece, tal como “A Fonte” mereceu, um lugar no Museu George Pompidou em Paris. Tal como um urinol ou uma enxada, o carro francês é uma representação do quotidiano e a sua simplicidade e funcionalidade não são menos belas do que qualquer outra obra de arte clássica.
Resumindo e concluindo, espero não ter ofendido nenhum petrolhead, proprietário de um Qashqai, a Nissan e suas afiliadas, a Rolls-Royce, qualquer hipster ou fashion trender, fãs de WRC, críticos de arte, o Museu Georges Pompidou, o movimento dada ou até o Aladino. Se ofendi alguém, por favor não me matem
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Já deu para rir um pouco…
Tenho uma à 15 anos, é praticamente como descrito… 😁

Parabéns pois gostei muito do texto !
È pa simplesmente delirante o texto , muitos parabens , quem nao gosta de viaturas classicas acham uma loucura alguem ter viaturas destas , mas na verdade dai e que vem o encanto de um icon