O motor Triflux da Lancia

Clássicos 17 Jun 2022

O motor Triflux da Lancia

Por António Almeida

No auge da loucura do Grupo B, os esforços da Lancia no campo do Twincharging foram recompensados. Com o Grupo S à vista, a Lancia evoluiu o design e tentou resolver alguns dos problemas do combo turbo-compressor e compressor volumétrico, assim nasceu o sistema Triflux.
 
Antes de explicar as vantagens do sistema Triflux, é necessário ter um pouco de conhecimento acerca de como os motores funcionam. Como muitos de vocês podem saber, uma maior taxa de compressão significa maior eficiência térmica. A sobrealimentação aumenta drasticamente a eficiência volumétrica, esses dois factores combinados, resultam num maior debito de potência e economia de combustível quando comparados a motores com especificações semelhantes.
 
O problema com essas soluções é o aumento da probabilidade de ocorrer a pré-ignição do combustível. Ou seja, a combustão espontânea da mistura ar-combustível ocorre devido à alta pressão e às temperaturas presentes na câmara de combustão aquando a fase de compressão.
 
O motor do Delta S4 foi uma peça interessante de design. Um compressor volumétrico é responsável pela sobrealimentação a baixas rotações até que a velocidade do motor produza um fluxo de gases de escape suficientes para superar a inércia rotacional de um  turbo-compressor de grande volume, que se encarrega da sobrealimentação na faixa de altas rotações. Este sistema embora bastante sofisticado sofre de uma perda na eficiência geral do motor. Devido ao facto de o compressor volumétrico ser alimentado directamente pela cambota. Do ponto de vista da eficiência geral, uma configuração com dois turbo-compressores seria muito mais desejável.
 

 
Algo que seria facilmente alcançável com a tecnologia de hoje, mas nos anos 80, muito antes dos turbos de dois parafusos ou dos turbos de geometria variável serem comuns. Como podemos instalar um par de turbos independentes em um motor de quatro cilindros em linha, com taxa de compressão alta, evitando pré-ignição do combustível e mantendo um projecto modular com um debito potência mínimo na vizinhança de 600 cv?
 
Basta reorganizar o posicionamento das válvulas num padrão cruzado. Abaixo é possível ver a vista de topo que mostra disposição das válvulas em ambos os tipos de cabeça.
 

A azul as válvulas de admissão e a vermelho as válvulas de escape

 

 
Com esta configuração de válvulas, temos um colector de escape em cada lado do bloco do motor, permitindo a instalação do grupo de turbo-compressores por lado, com a capacidade de funcionarem de forma completamente independente.
A configuração usou um pequeno turbo que pode girar rapidamente garantindo a sobrealimentação a baixa rotação, a altas rotações o turbo maior entra em acção.
 

 
Mas a principal vantagem térmica é a uniformização das temperaturas no bloco do motor. Com uma cabeça de motor convencional, o motor sempre terá um lado frio (lado das válvulas de admissão) e um lado quente (lado das válvulas de escape) o que se traduz numa temperatura irregular ao longo da câmara de combustão e da superfície do pistão. Estes, “pontos quentes”, combinados com a pressão gerada pela fase de compressão e a sobrealimentação são a receita para ocorrer pré-ignição. Mesmo com combustíveis de elevado nível de octanas, se as condições forem adequadas, ocorrerá. Caso a temperatura seja uniforme em toda a câmara de combustão, chances de esse fenómeno acontecer reduzem, o que permite utilizar uma maior taxa de compressão ou pressões de sobrealimentação mais elevadas. Outra vantagem desta temperatura uniforme é uma dilatação mais uniforme dos componentes. Resumindo, o novo design permite sobrealimentação totalmente modular, tem um melhor desempenho térmico, é mais compacto e capaz de debitar mais potência de uma forma linear.
 
Infelizmente, o desenvolvimento do projecto ECV para qual o motor foi desenvolvido,foi interrompido pelo súbito fim do grupo B e grupo S. Hoje em dia foi construída uma recriação do ECV 1 e ECV2.  Os quais eram evoluções do Delta S4, completamente construídas em compósitos experimentais para serem usadas no Grupo B e S, respectivamente. Após o cancelamento das modalidades, o motor Triflux foi posto de lado devido à sua aplicação muito específica sem qualquer interesse para automóveis de produção em serie, visto que a maioria das vantagens só se aplicam em casos extremos de compressão e sobrealimentação. Um final pouco adequado para uma das tecnologias mais interessantes que surgiram no mundo da competição e mais uma prova da genialidade técnica da Lancia.
 

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