Adelita, o amor de verão que fica uma vida inteira

Clássicos 14 Mai 2022

Adelita, o amor de verão que fica uma vida inteira

Por Pedro Filipe

Estremeci assim que te vi. És volumosa e robusta, mas o que salta à vista é o teu ar inerentemente divertido. Os anos não passaram por ti, foste tu quem passou por eles. E bem. Bem vividos. Mil histórias por contar. Todas incríveis. Tu “papaste” e fazes questão de papar grupos, e ainda bem. Mentalmente reuni aqueles que chamaria para ter contigo uma aventura, afinal de contas as melhores coisas da vida são para ser partilhadas com os que mais gostamos, não é verdade?

 

És convidativa. Tomo liberdades. Entro dentro de ti e confirmas em cada pormenor as premissas que me deixaram de sorriso na boca mal te vi. Em cada rebordo, em cada dobradiça, em cada cheiro entranhado, em cada nódoa indisfarçável. Tudo conta a tua história de uma forma que eu não conseguiria exprimir por palavras. Única. Abrigas quatro? Tenho pena pelos que nunca entraram. Não vens equipada para uma voltinha, vens pronta para que possa ficar uma vida inteira (ou pelo menos uma volta bem longa).

 

Alimentas, proteges, cuidas. És quarto. És cozinha. És sala de estar. És casa. Estou cada vez mais entusiasmado. Salto para o banco da frente. Vamos a isto. Primeira a fundo…

 

… eu disse primeira a fundo…

 

Porra, como é que se metem as mudanças nesta coisa? Pela primeira vez vislumbro que pode haver uma barreira entre nós. Este miúdo V 2.1 não sabe como lidar com maneiras antigas. A culpa é minha, não tua. Nada temas, não mudes, eu adapto-me. Ensina-me. Ah a primeira é assim? Olha já estamos a andar, arriscamos uma segunda? Vamos a isso… a qualquer momento a partir de agora (gasp, gasp, ga…) e já está, entrou, não foi com suavidade, mas entrou. Dá-me tempo, com a prática isto fica melhor, prometo.

 

Primeiro obstáculo: uma curva. Vamos reagir com naturalidade. Travamos. Travamos mais. Travamos a sério. Se as pessoas que não sabem parar fossem um reino, tu serias a sua soberana. Já estou quase com os dois pés em cima do pedal do travão, mas tu és tão determinada que ainda insistes em avançar um bocadinho mais rápido que o pretendido. Estamos finalmente a uma velocidade confortável para ambos, viremos.

 

Pela primeira vez pus em causa toda a minha perícia com as mãos. Fiz mais tralho braçal que um acorrentado numa galé com remos e tu nem um milímetro alteraste à tua rota inicial. Eu não peço que tenhas direção assistida, mas rogo que me dês um sinal de que é de facto possível mudar-te o rumo. Antes de nos fundirmos com o muro, de preferência. Pera… pera…, eh lá que é isto? Parece que… tu queres ver que… Com a breca, estamos mesmo a virar! Primeiro timidamente, depois já mais seguros, mas uma coisa é certa, este marujo já vai percebendo os truques do teu clássico leme. Gostas de te fazer difícil ao início, não é? Eu percebo assim é com todas as que valem a pena.

 

Seguimos num caminho feito à tua medida. Pela marginal, janela aberta, a deixar entrar o cheiro a mar. Ele combina contigo. Se a linha de Cascais é um poema tu és o seu refrão. Aos poucos e poucos vou-te conhecendo as manhas. Desvendando os segredos. Somos agora dançarinos de uma dança bem ensaiada. Já sinto em mim crescer mais e mais o despertar do gosto pela aventura. Esta fui curta, bastante apenas para perceber que me quero perder contigo algures. Combinamos para o verão? Algarve? Costa Vicentina? Tanto faz, que o destino interessa a viagem. Eu ligo-te, pode ser?

 

Fotografia: Fernando Silva (byGuiné)

Agradecimento à Timeless Garage

 

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