O “azarado” Fokker 100

Arquivos 09 Mar 2022

O “azarado” Fokker 100

Por Irineu Guarnier

Certa vez, eu esperava pela conexão de um voo no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando um funcionário da companhia aérea anunciou que, em razão de “problemas operacionais”, o Airbus A320 que cumpriria a rota São Paulo-Porto Alegre seria substituído por outro equipamento – um Fokker 100. Imediatamente, houve um princípio de rebelião entre os passageiros. A maioria se recusava a embarcar no Fokker 100. O motivo? Não seria seguro voar naquele avião. Exagero, claro. O embarque aconteceu normalmente, e apenas uns poucos passageiros efetivamente desistiram de viajar.

O episódio de Congonhas apenas comprovou a péssima reputação do Fokker 100 entre os brasileiros. Embora discutível, pois o modelo voava pelo mundo com baixíssimo índice de acidentes, a imagem de avião “azarado” havia colado ao F100 após diversos acidentes e incidentes ocorridos com equipamentos operados pela TAM no Brasil. O mais grave: a queda de um Fokker 100 logo após a decolagem de Congonhas, em 31 de Outubro de 1996, que matou 90 passageiros, seis tripulantes e três pessoas no solo. A causa da queda do voo TAM 402 foi a abertura do reversor de empuxo do motor direito no ar.

Além desse, houve outros acidentes e incidentes mais ou menos graves envolvendo os F100 da TAM. Como um pouso forçado por vazamento de combustível no interior de São Paulo; uma aterrissagem sem o trem de pouso do nariz em Brasília; e até uma explosão em voo (causada por um passageiro com problemas mentais), que arrancou parte da fuselagem. No caso da pane seca, a única vítima fatal foi uma vaca que pastava no campo. Já na explosão criminosa, houve uma morte – de um passageiro sentado próximo à janela. Incrivelmente, o F100 conseguiu voar com um buraco enorme na lateral e pousar em segurança em Congonhas – o que atestou a robustez estrutural do modelo.


Mas, com tantas vicissitudes em sequência, a verdade é que a imagem da aeronave estava definitivamente arruinada no Brasil, onde voava desde a década de 1980. A TAM substituiria todos os seus cinquenta Fokker 100 por modelos Airbus A319 e A320. Outra companhia, a Avianca, ainda voaria com o F100 até 2015 (rebatizado de MK 28), quando a aeronave então se despediu do Brasil. Pouca gente sentiu a sua falta.

O F.28 MK O100, seu nome original, foi lançado pela indústria holandesa Fokker em 1983. Era um jato comercial de porte médio, equipado com dois motores Rolls Royce TAY 650-15 de 14 mil libras de empuxo cada, com capacidade para 108 passageiros e um nível de automação muito superior ao de seus concorrentes. A principal operadora foi a American Airlines, que chegou a ter 75 exemplares em sua frota. Em 1996, já sob o controle da Daimler Benz Aerospace, a Fokker fechou suas portas. Renasceu, mais tarde, como Rekkof Restart, com o objetivo de retomar a produção dos modelos F70 e F100. Acabou rebatizada de Next Generation Aircraft.

Eu gostava do Fokker 100. É um avião de design elegante, com os seus dois motores acoplados à seção traseira da fuselagem e a cauda em T. Se você voasse na parte da frente, era extremamente silencioso. Nunca tive problemas com o F100. Exceto por um incidente pitoresco, numa viagem entre Porto Alegre e São Paulo: o voo de uma hora e 15 minutos acabou durando quase quatro horas.

Aconteceu que, naquele dia, a TAM inaugurava uma nova linha entre as capitais gaúcha e paulista, com uma escala em Caxias do Sul. Decolamos de Porto Alegre e, quinze minutos depois, já estávamos pousando em Caxias. No aeroporto Hugo Cantergiani, além dos passageiros que iam para São Paulo, havia autoridades e imprensa, reunidas ali para saudar a nova rota. Mas, estranhamente, permanecíamos estacionados na pátio, enquanto o tempo passava e o embarque não começava.

Foi então que o comandante em pessoa veio falar conosco, os seis intrigados passageiros a bordo. Com um sorriso amarelo, explicou que decolara de Porto Alegre com combustível suficente apenas para chegar em Caxias, onde o avião seria reabastecido para seguir viagem. Só que o aeroporto de Caxias não dispunha de abastecimento de querosene na ocasião. E a tripulação esquecera de checar este “detalhe” antes de sair de Porto Alegre…

Por mais de uma hora, ficamos sem saber o que aconteceria. Os tripulantes conversavam, pelo rádio, com sua base. Algum tempo depois o comandante anunciou que havia conseguido com uma empresa local, dona de um jatinho executivo, o querosene que nos levaria a São Paulo. O reabastecimento foi demorado, porque não havia bombas de pressão. Só então o embarque foi autorizado e o nosso voo prosseguiu. Mas, a essa altura, a festa de inauguração da rota Porto Alegre-Caxias do Sul-São Paulo já havia se transformado em um baita fiasco.


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.


TAGS: Fokker 100


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