As memórias de um Austin Mini Clubman 1275

Clássicos 07 Ago 2021

As memórias de um Austin Mini Clubman 1275

Por Jorge Farromba

Quando comecei a pensar tirar a carta de condução já tinha alguma experiência na condução de automóveis e, por isso mesmo, acreditava ser fácil obter a mesma. Considerando que tenho 54 anos e a sociedade era, na altura, bem distinta. Todos queríamos obter um curso universitário, comprar casa e carro e obviamente eu não fugia à regra.

Foi com satisfação que tirei a carta de condução – o meu instrutor o Sr. Nave (já tinha sido o instrutor da minha mãe), dizia que, do modo como eu cortava as curvas e não respeitava, por vezes, as velocidades, no dia do exame ia chumbar. Mas lá passei e recordo-me de fazer o exame na Guarda e de ter bem presentes as suas dicas!

O objetivo foi poder adquirir o meu carro, mantendo que o iria fazer à minha custa e, portanto, dentro das minhas possibilidades. Acrescendo o facto de já ter tido um acidente com o carro dos meus pais e não pretender repetir a graça.

Na altura, tinha ganho um pequeno concurso no Diário de Notícias com um pequeno conto e obtive 43 contos (€215). Com mais umas poupanças que tinha e um dinheiro que a minha avó deu aos netos, sei que no total tinha 200 contos (€1.000).

Dos vários stands que existiam na Covilhã, um deles era perto de casa, e no meio desse estava aquele que viria a ser o meu primeiro automóvel. Um Austin Mini Clubman, curiosamente, também verde como o Datsun dos meus pais por 1.125€. Mas o objetivo de ter um automóvel comprado com parte do meu dinheiro manteve-se, aceitando que não seria um automóvel novo, com todas as vicissitudes que teria.

O vendedor, pessoa honesta e ainda por cima num meio pequeno onde todos se conhecem, referiu que o carro era de um advogado e que se encontrava com pintura e interiores em bom estado acrescentando que apenas o motor “gastava um bocadinho de óleo”. Já tinha experimentado um Citroën Dyane mas na Covilhã nas subidas era muito lento e eu gostava de um motor mais enérgico.

O meu sonho de ter o Fiat 600 com capota de lona no tejadilho não se realizou porque, na altura, não encontrei um exemplar digno.

O certo é que fiquei com o Mini e este passou a ser tratado por mim como um automóvel novo. De facto, o veículo comportava-se bem, para a idade que tinha.

Já na altura considerava estranha a posição de condução e a pouca ergonomia do enorme volante, ou dos pedais encavalitados uns nos outros e do travão de pé ser algo esponjoso. Mas, em nenhum momento trocaria aquele automóvel por outro. Era meu!

Como todos os mini este também era fácil de roubar – a “chave” para abrir as portas era de uma simplicidade extrema e os próprios vidros bastava fazer pressão descendente sobre eles para os abrir. Mesmo não existindo Youtube facilmente se descobria uma maneira de colocar o automóvel a trabalhar. Razão a qual me obrigou a reforçar a segurança e comprar uma tranca para o volante e, como o capot do motor se abria por fora, sem chave, sempre que o deixava estacionado tirava uma das peças do distribuidor. Talvez por isso mesmo quando vim para Lisboa, com a mesma técnica, o mesmo se manteve nas minhas mãos até ser trocado pelos mesmos €1.000.

Mas o Mini serviu o propósito que eu pretendia, não estar dependente de ninguém e não estragar o automóvel dos meus pais. Aliás, eu referi ter tido um acidente com o carro dos meus pais, mas talvez tenha sido no 2º acidente que tomei esta decisão. Acredito até que o Mini me trouxe maturidade pois os arranjos eram as minhas expensas.

O Mini serviu assim para os meus tempos de estudante me deslocar até Universidade, ir ao Primor (o café de referência na Covilhã naquela época), para passear, para ir ver o Rally de Portugal a Arganil. O único problema, que me recordo, era de o automóvel apresentar problemas nos travões que facilmente se rectificou ao colocar novas borrachas no sistema de travagem no Mini 1275. Um autêntico automóvel de combate que depois trouxe para Lisboa para utilizar quando vim para a TAP Air Portugal.

Recordo-me do Mini a circular por Lisboa, na 2ª circular ou no meio da cidade e a pequenez do mesmo quando olhava para qualquer automóvel. Já nem falo dos autocarros da Carris. Mas foi um automóvel do qual guardo as melhores recordações. Viveu comigo vários anos, acompanhou-me nos bons e maus momentos da minha vida. O BO-66-58 (espero não me falhar a matrícula) tinha tudo de origem. Tinha uns bancos claro sem apoios de cabeça e sem cintos de segurança, cor camel e, no seu grande painel de instrumentos residia grande parte do seu charme interior.

Num espaço onde fervorosamente cabiam 5 adultos (sei que há recordes de dezenas de pessoas no interior) mas 5 num mini, já exigia dotes de contorcionismo. Fez muitas viagens a Côja a um parque de campismo, bonito e tranquilo para onde os jovens iam. Tudo cabia nele. Desde as pessoas, aos percursos que tinha de fazer mas sobretudo aos sonhos que permitiu realizar.

Numa sociedade cada vez mais fragmentada e onde facilitismo (ausência de esforço) várias vezes é dado como assumido, recordar que, nem sempre ter o melhor telemóvel, o mais recente, a novidade, não é o mais importante, mas simplesmente o esforço, dedicação e trabalho que nos levou a conseguir o que procuramos. Seja ele novo ou usado! Mas pelo menos que seja suado, porque será valorizado e nos permite hoje ter estas memórias.

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