Clássicos • 01 Ago 2013
O anúncio de um automóvel antigo na internet dizia: “Não aceito trocas. Não envio fotografias extras. Não baixo o preço. Não parcelo. Não falo pelo chat. Não dou garantia. Dispenso curiosos.” Pensei: esse sujeito não quer vender o seu carro – além de ser muito mal educado.
Mas, depois, ao lembrar das vezes em que anunciei carros antigos, me dei conta de que o autor do anúncio talvez não estivesse sendo tão ríspido sem razão. Não sei como é em Portugal, mas no Brasil o mercado de clássicos está infestado por “curiosos” que nada entendem do assunto, não têm dinheiro para comprar sequer uma bicicleta, e só fazem infernizar a vida de quem anuncia de boa fé a sua raridade. Haja paciência…
Supostos compradores de automóveis com 30 anos ou mais de uso fazem as mais absurdas perguntas, exigências e propostas. Antes mesmo de ver o carro, já pedem para baixar o preço. Em seguida, querem comprovantes do histórico de manutenção desde que o veículo saiu da loja. Não admitem nenhum arranhão ou retoque na pintura, nem o menor desgaste na tapeçaria. Exigem comprovação da quilometragem. Frequentemente, fazem listas de “defeitos” que só eles veem. Desmerecem por completo o produto que, afinal de contas, lhes interessou. Se é tão ruim assim, por que querem adquiri-lo?
Um amigo que negocia veículos clássicos há mais de 15 anos, profissional sério e respeitado no meio que enfrenta esses aborrecimentos em seu dia a dia, já me disse que está cada vez mais difícil trabalhar neste mercado. O público mais jovem, principalmente, não tem a menor noção do que é um carro antigo – às vezes se surpreende porque um automóvel com mais de 30 anos não têm ar condicionado ou injeção eletrônica. Exige de um carro vintage o mesmo que exigiria de um seminovo ou zero quilômetro. É uma atitude completamente incompatível com a realidade do antigomobilismo.
Nada, no entanto, ilustra tão bem essa situação como o comentário que um colecionador postou outro dia numa rede social. Ele anunciou uma picape Ford F-100 dos anos 1960 em perfeito estado por um valor equivalente a 12 mil euros. Um bom preço, diga-se. O anúncio foi clonado por um hacker, que rebaixou o preço para cerca de 10% deste valor. E o que aconteceu? Choveram perguntas tolas sobre o estado da picape, a quilometragem original; se o motor havia sido reformado ou a pintura refeita, e coisa parecida.
Ora, como disse o colecionador, indignado, quem conhece minimamente o assunto e vê uma bela F-100 anunciada por um preço tão baixo jamais faria perguntas deste tipo. É de graça! Mesmo que não estivesse andando ou com ferrugem – o que não era o caso – ainda assim o sortudo comprador só teria que fazer o depósito bancário e mandar o caminhão guincho buscá-la. É o que qualquer verdadeiro antigomobilista faria, não? Pensando melhor, talvez o comprador percebesse o absurdo da oferta e nem respondesse ao anúncio fake.
Tudo tem seus prós e contras. A internet potencializou o mercado de clássicos. Hoje, a oferta de veículos é imensa. Temos acesso a modelos do mundo inteiro. Há a possibilidade de avaliações preliminares por meio de fotos e vídeos, chats para comunicação entre vendedores e compradores, mil facilidades que não existiam no tempo dos anúncios de jornais e revistas.
Mas também é verdade que – no Brasil, repito – a internet atraiu para este meio hordas de curiosos ignorantes que dedicam seu tempo a chatear os anunciantes com perguntas bobas e comentários sem fundamento. O que fazer? Ignorá-los, e entabular negociações apenas com aqueles que demonstrarem algum conhecimento – além de boa educação, claro. Talvez, assim, a praga dos curiosos possa ser extinta.
Fotos de Eduardo Scaravaglione.
Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.