Morreu Carlos Gaspar, o campeão perfeccionista

Competição 06 Jan 2021

Morreu Carlos Gaspar, o campeão perfeccionista

Por Adelino Dinis

A primeira vez que estive com Carlos Gaspar foi há cerca de 20 anos, mais mês menos mês, quando o visitei na sua casa, então na Rua da Constituição no Porto.

O motivo da visita era a biografia do Nicha Cabral, que eu tinha em mãos. Gaspar era uma peça-chave para compreender o projecto desportivo do Team BIP, em que ambos tinham participado. Até Gaspar, que acumulava as funções de Team Manager com as de piloto, ter corrido com o Nicha da equipa. Com razão, diga-se.

Combinámos uma tarde de conversa que se esgotou demasiado depressa e se converteu apenas na parte um. A parte dois ficou marcada para o dia seguinte e, de acordo com o método que o cauterizou toda a vida, só acabou depois de não deixarmos assuntos em aberto. Sobre o Team BIP, mas também a propósito das corridas em Inglaterra nos seus tempos de estudante, as primeiras provas em Portugal, o Alfa Romeo Giulia Sprint GTA, a Fórmula 3 e o Ford GT40.

Fiquei um admirador incondicional da sua personalidade e da sua prodigiosa memória. Com o tempo, outras investigações levaram-me a observar mais atentamente a sua carreira. Quanto mais a analiso, mais me convenço que, nos anos 60 e 70 em Portugal, Gaspar era provavelmente o único piloto profissional, no meio de muitos amadores mais ou menos talentosos. 

O dono do detalhe

É sempre mais fácil admirar os pilotos cuja auto-confiança e talento lhes permite ter uma abordagem audaz e heróica do automobilismo. A dedicação e o perfeccionismo na preparação, a abordagem científica do desporto podem, à primeira vista, parecer enfadonhas. Mas sabemos hoje que são o único caminho para o sucesso de forma consistente.

Carlos Gaspar não era de festas nem de acontecimentos sociais vistosos. Planeava os seus projectos desportivos ao pormenor, afinava meticulosamente os seus automóveis e preparava as suas corridas de acordo com as competências dos seus automóveis. Depois, executava o plano com a consistência de um metrónomo, volta após volta, até à bandeira de xadrez. 

Claro que havia imprevistos e dificuldades, mas elas eram enfrentadas com a segurança de uma preparação cuidada. Neste sentido, Gaspar foi único na sua época.

Ainda assim, existiram alguns momentos em que Gaspar mostrou que era um piloto brilhante, capaz de ir além do guião, nas poucas vezes em que tal era necessário. 

A corrida de Sport em Vila Real, 1973, é talvez o episódio mais extraordinário da sua carreira. A sua vitória contra oposição nacional e internacional, no mais desafiante circuito português, é uma das prestações mais espantosas do nosso automobilismo, e arruma definitivamente qualquer discussão sobre os seus méritos ao volante. 

Uma vida sobre rodas

Campeão nacional em Turismo (Alfa Romeo GTA, 1966), GT, Sport e Protótipos (Ford GT40, 1968) e Grupos 4, 5 e 6 (Lola T292, 1973), com muitas vitórias em provas internacionais, incluíndo de Fórmula 3, Carlos Gaspar abandonou as corridas em 1974, dedicando-se à atividade de empresário do ramo automóvel. Esta era, aliás, a actividade do seu pai.

João António Gaspar, era uma importante figura no comércio de automóveis desportivos e de prestígio no nosso país, depois de ter também, nos anos 30, participado em algumas corridas nacionais, com particular destaque para o Circuito Internacional de Vila Real, em 1936, com um Aston Martin. Em meados dos anos 50, através do seu pequeno mas elegante stand, localizado no número 225 da Avenida Passos Manuel, no Porto, João Gaspar representava, em Portugal, a Ferrari e a Osca. Era ainda agente para o Norte do país da Alfa Romeo, De Soto, Jaguar e Rover.

O seu filho Carlos cresceu rodeado de automóveis, mas resguardado das tentações da competição. Só quando já se encontrava a estudar engenharia mecânica em Inglaterra, no início dos anos 60, é que se iniciou no automobilismo, com um Ford Cortina Lotus. Quando regressou a Portugal, deu início a uma brilhante carreira, com uma abordagem então inovadora por cá: todos os detalhes contam para o resultado final.

Mesmo após décadas afastado do automobilismo, Gaspar continuou a ser homenageado e celebrado como um dos melhores pilotos portugueses de sempre.

Carlos Gaspar nasceu na freguesia de Campanhã, no Porto, a 30 de Junho de 1942 e morreu hoje, aos 78 anos.

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