Eventos • 02 Jan 2017

Não fora a situação de saúde pública que estamos a viver, e dentro de poucos dias estaríamos a caminho da pitoresca região de Chichester no sul de Inglaterra, para marcar novamente presença no Goodwood Revival, considerado como o pináculo do revivalismo da competição automóvel a nível internacional.
Para os muitos aficionados que a ele acorrem vindos dos quatro cantos do mundo, o “Revival” como é simplesmente conhecido, é muito mais do que um evento automóvel. Trata-se isso sim, da derradeira máquina do tempo que (n)os transporta para uma época dourada do automobilismo, de glamour e bom gosto. Para melhor perceber e sentir o que é ir ao “Revival”, recomendamos que vá ao armário da roupa e retire de lá aquele casaco de xadrez e a gravata tipo “bacalhau” que se lembra de ver o seu pai ou avô usarem nos tempos da sua juventude, e se puder completar o traje com um chapéu da época, tanto melhor. Venha daí e acompanhe-nos até ao “Revival” de 2018, ainda que de forma digital através das imagens e da experiência que nos ficaram gravadas na memória.
Um pouco de história
O circuito de Goodwood foi uma das muitas bases militares que ficaram como legado da Batalha de Inglaterra, travada durante a dolorosa Segunda Guerra Mundial. Aproveitando as condições da pista periférica do aeródromo e a magnífica localização da propriedade no mais puro “english countryside”, o então Duque de Richmond, ele próprio um grande apaixonado pelos automóveis, teve a ideia de retomar as competições entretanto suspensas durante os anos do conflito, utilizando para tal a pista abandonada pelo exército britânico.
Com o tempo, o circuito foi ganhando prestígio e alguns nomes do automobilismo da época deixaram aqui a sua marca, como foi o caso de Stirling Moss que fez em Goodwood a primeira e última corridas da sua longa carreira. Com o fim das competições regulares em 1966, o circuito caiu em desuso e chegou a um estado de pré-ruína, até que em 1998 já sob a direcção do actual Duque de Richmond se realizou o primeiro “Revival”.
Desde a sua criação que o objectivo primordial era o de tornar o evento num encontro histórico dos carros e motos que haviam competido durante o período original do circuito, entre 1948 e 1966. Tudo porém evoluiu de uma forma que nem o próprio Duque de Richmond tinha sonhado, como ele mesmo admitiu em tempos numa entrevista. O circuito foi reconstruído com a mesma configuração da época, os carros admitidos no encontro são os do período original do circuito, e as pessoas, sejam participantes, pilotos ou simples espectadores, são elas que fazem com que o “Revival” seja o que é hoje em dia e definem o seu ambiente único.

Etiqueta e tradição
Para tal, e apesar de não ser obrigatório, contribui o facto da grande maioria dos visitantes do “Revival” se vestir ao estilo da época, e muitos fazem de tudo para alcançar um visual autêntico, que muitas vezes condiz até com o automóvel em que se deslocam. Porém, caso adquira um bilhete que dê acesso ao Paddock central, saiba que para entrar vai precisar de um casaco e gravata para os cavalheiros, ou de um vestido ou “tailleur” para as senhoras.
Ao cruzar o portão de entrada no recinto do evento, o espectáculo resultante desta viagem no tempo é verdadeiramente espectacular e de repente somos transportados para um mundo em que tão depressa podemos cruzar-nos com um general do exército inglês como com um grupo de modelos ao melhor estilo dos anos 60. E se o coração começar a bater aceleradamente com o soar dos motores, logo aparece uma atraente enfermeira vestida a rigor para nos assistir.

Palavras proibidas
Se as pessoas criam o ambiente, a verdade é que os sons e os cheiros do evento são oferecidos pelos muitos automóveis, motos, camiões, autocarros, e até um par de aviões Spitfire que durante o fim de semana inundam a pista, o “paddock” e a zona central do circuito. Pelo menos durante o período que dura o evento, as exigentes normas anti-poluição que regulam a indústria automóvel da actualidade não se aplicam, e por isso palavras como catalisadores, gasolina sem chumbo, silenciadores ou controlo de emissões, são totalmente proibidas e desprovidas de sentido. O cheiro a valvulina, os fumos de tom azul vindos dos motores e as borrachas quentes deixam no ar um aroma a corridas dos “bons velhos tempos”, pré-alterações climáticas.

Nos bastidores
Para onde quer que se olhe, a conclusão é só uma: o parque automóvel presente no “Revival” é de um nível extraordinário, tanto em qualidade como em valor, e nem é preciso ser um conhecedor profundo de todos os modelos para perceber de imediato que estarão ali apólices de seguros de montantes muito elevados. No entanto, vários destes valiosos automóveis, participantes nas categorias mais antigas não conseguem arrancar pelos próprios meios, e por isso têm que ser rebocados para as zonas de assistência no interior do circuito ou de cada vez que têm que sair para a pista. E é precisamente aqui que no evento de 2018, passámos da bancada para os bastidores do mesmo como um dos elementos do “Goodwood Revival Transport Corps”, nome pomposo dado ao serviço de reboque destes bólides milionários a cargo de dois Land Rover Série 1 primorosamente conservados. Feitas as contas, no decorrer do fim-de-semana estes dois humildes e rústicos veículos com uns meros cinquenta cavalos, rebocaram o equivalente a vários milhões de euros em modelos de marcas míticas como a Maserati, Talbot Lago, Lotus ou Alfa Romeo.

Yes Sir!
Com mais de cem mil visitantes durante todo o fim-de-semana, o “Revival” é actualmente a maior reunião de corridas históricas a nível internacional, e por isso não admira que muitos nomes sonantes do automobilismo venham até Goodwood e deambulem descontraidamente pelo evento quase sem se dar por eles. Enquanto tentávamos tirar uma fotografia a um Ferrari GTO estacionado no paddock, sentimos um toque no ombro e ouvimos um pedido feito com sotaque escocês num tom de voz familiar: “Excuse me, do you mind if I get in?” Que mais poderíamos dizer que não fosse um reverente “yes Sir” ao tri-campeão mundial de fórmula 1 Jackie Stewart
Como disse um dia o grande piloto Roy Salvadori, que em 1952 venceu a sua primeira corrida de endurance precisamente nesta pista, “dêem-me Goodwood num dia de verão e podem esquecer o resto do mundo”.
Pelo menos durante um fim-de-semana de Setembro, que logo regressaremos ao tempo presente…