Clássicos • 19 Mai 2020

No âmbito do grupo do facebook Mokada – Moke Clube de Portugal e em conversa com o Rui Bevilacqua este diz-me “a propósito deste teu grupo de Mini Mokes, lembrei-me que há uns 20, 25 anos conheci um engenheiro que era o director da Auto Trans Express, um enorme entreposto junto à AE 2 perto de Palmela, onde eram recebidos e preparados os carros novos que vinham nos grandes trailers. Cada vez que eu lá ia, o tipo muito simpático e grande entusiasta de automóveis, mostrava-me um imaculado Mini Moke azul com uma placa de agradecimento a ele, por ter sido o último Moke montado quando ele era director da fábrica de montagem. Conheces este carro ou sabes alguma coisa da história posterior?.” “O Engº Leonel Vicente !!! Esse mesmo!”
Chegados ao contacto com o Engº Leonel Vicente a quem agradecemos toda a disponibilidade, desafiei-o para uma entrevista sobre os Mokes em Portugal, um conteúdo histórico especial para memória futura.
Como surgiu a sua ligação à produção dos Mokes em Portugal?
Para responder como cheguei ao projecto, talvez seja interessante perceber como o projecto chegou a Portugal.
A palavra #MINI entrou no nosso léxico através do automóvel e é, actualmente, marca registada propriedade da BMW. Projecto de sir Alec Issigonis, foi uma revolução de mobilidade nos anos 60. Devido a sua simplicidade e baixo custo permitiu à classe média acesso generalizado ao transporte privado.
Contudo, um outro MINI, tão famoso e ainda muito mais simples, acabou por ser a vedeta das classes abastadas em locais de férias, o Mini Moke, ao qual Portugal estará para sempre ligado. Proposto inicialmente para uso de tropas navais e aerotransportadas, Sir Alec Issigonis desenhou uma versão ligeira, derivativa do MINI; basicamente uma carroçaria sem portas e sem tejadilho e com a mesma mecânica.
Entre 1959 e 1963, foram feitos vários protótipos, bem exemplificados na revista “Mini Moke News” de Junho de 1989.
Foi a versão de 1963 que veio a dar origem à versão comercial produzida entre 1964 e 1968 em UK. (junto imagens retiradas da revista)
O projecto acabou por não ser adoptado pelos militares, mas teve grande aceitação como “fun car” junto do “jet set”; o briquedo que todos os adultos desejavam, mas só alguns o podiam comprar. Foi produzido sucessivamente em UK até 1968 e na Austrália entre 1966 e 1981.
No inicio dos anos 80, a produção na Austrália cessou e a então British Leyland Portugal (futura Austin Rover Portugal), tendo conhecimento da disponibilidade do projecto, através da sua direcção comercial, na pessoa do director Carlos Guia, elaborou um estudo de viabilidade económica para a eventual produção do MOKE, em Portugal na sua fábrica de Setúbal, a IMA. Esta tinha cessado a montagem do MINI e necessitava urgentemente de outros produtos para a sua sobrevivência. Nessa época a BLP era maioritariamente propriedade dos concessionários J.J. Gonçalves e EMINCO (A.M.Almeida), com 45% cada um e 10% da BLC. Por outro lado, a BLP, conjuntamente com a J.J. Gonçalves e a EMINCO, eram proprietários da IMA.

Tendo o projecto sido aprovado, é assinado em 1982 o contrato entre a BL CARS LIMITED e a BLP, garantindo a produção em Portugal, o exclusivo das vendas em todo o mundo e o exclusivo direito ao uso do nome Mini Moke. As ferramentas seriam transferidas da subsidiária da Austrália, sujeitas a uma renda anual de 1 libra e a produção ficava isenta de royalties.
Uma delegação da BLP e da IMA deslocou-se então à Austrália, onde verificaram que ferramentas, equipamentos e stocks que estavam disponíveis e procederam à sua trasladação para Portugal.
Uma vez chegado o equipamento e material, os técnicos da IMA, apoiados pela sua larga experiência em operações de montagem CKD, iniciaram a identificação dos componentes susceptíveis de serem fabricados em Portugal, selecção de fornecedores e adjudicação de encomendas por lotes.
De uma forma geral não seria muito diferente do que antes faziam na montagem do Mini. Contudo, sendo a versão australiana do Moke diferente da produção do Mini em UK, nomeadamente braços de suspensão, jantes, amortecedores e ainda toda a carroçaria, tinha que ser estampada e soldada, por essa razão, a operação tornou-se mais complicada. Estes componentes críticos foram inicialmente adjudicados a: estampagem – Entreposto Industrial (Setúbal); braços de suspensão, fundição e maquinagem – COMETNA (Amadora); braços suspensão, maquinagem (1984) – Tecnitools (Setúbal); amortecedores – Previdauto (Alverca) e as jantes 13″de Alumínio – ALFENOR (Gafanha da Nazaré).
Ainda em 1982 foi feito o pimeiro protótipo com componentes vindos da Austrália. Lançada a produção em 1983, foram produzidas, com o stock vindo da Austrália e componentes locais, 239 viaturas de especificação australiana, Sandard (std) e Californian.
Parte desta produção foi exportada, nomeadamente para: St. Barths (104), Tortola (8), Bonaire (8), Seychelles (8) e Inglaterra (2 protótipos). Os restantes 109 ficaram em Portugal, parte em parque, aguardando resolução de problemas de fornecimento e da sua qualidade, que entretanto foram aparecendo, e para os quais parecia não se encontrar solução, dada a complexidade e custos envolvidos nomeadamente os braços de suspensão para jante 13″, uma vez que os vindos da Austrália já tinham sido montados.

Perante isto, e porque se continuava a produzir, com paragens, viaturas que ficavam inacabadas, reuni-se o gabinete de crise na BLP, dona do projecto, e decidiu-se criar uma Divisão MOKE, sob a responsabilidade do Engenheiro Menezes Gonçalves Director de Serviço da BLP, para coordenar e resolver todos os problemas de produção e vendas.
Na sequência desta decisão, em contactos com UK, é-lhe sugerido o apoio ou consultadoria do antigo “Overseas Quality ManagerOverseas Manufacturing & Projects”, da Land Rover, grande conhecedor deste tipo de ambientes, mercados e, inclusive, da produção Overseas do MoKe, recentemente reformado, Jim Lambert. Simultaneamente, verificando-se também a necessidade de alguém com conhecimentos na área da produção de componentes soldados, soldadura, controle da qualidade de soldadura, materiais e fornecedores, fui contactado para aderir ao projecto já que para além de engenheiro mecânico, também fiz engenharia a soldadura no Instituto de Soldadura e era responsável pelo Centro de Desenvolvimento em Ensaios não destrutivos da SOREFAME. Para tal muito contribuiu o facto de o Engº Menezes Gonçalves ter sido meu colega no IST e conhecer muito bem o meu percurso académico e profissional.
Feitos os contactos, reunimos em Lisboa, no final de 1983, e foi quando tivemos conhecimento mais detalhado dos objectivos e dificuldades do processo. Foi também quando conheci o Jim, e ouve entre nós uma enorme empatia. Eu teria que iniciar a minha actividade o mais tardar até ao final do primeiro trimestre de 1984 e o Jim, que inicialmente se previa que funcionasse como nosso consultor, não tendo logo anuído porque teria ainda compromissos pendentes, em principio só poderia juntar-se-ia à equipa em Junho de 1984.
Como previsto iniciei a minha actividade em Abril de 1984, embora desde Dezembro de 1983 me estivesse a inteirar de todo os problemas a que teria de resolver. Desde logo formei uma pequena equipa contratando um jovem engenheiro, Júlio Abelho e um experiente desenhador projectista vindo da Setenave, o Susano Toito.
Neste intervalo de tempo, entre Abril e Junho de 1983, percebeu-se melhor quais as reais causas dos problemas reportados, de tal modo que, quando em Junho de 1984 o Jim se juntou ao projecto, já se tinha decidido que a produção e vendas do Moke teria que ter uma Direcção autónoma, tendo o Jim Lambert ficado com a direcção do projecto, vendas e contactos com UK e eu, na sua dependência, responsável técnico e de produção do Mini Moke, ficando como engenheiro residente na fábrica.

Também neste período de tempo, devido a dificuldades dos outros sócios, a BLC, que desde finais de 1982 se passou a chamar AUSTIN ROVER, que já controlava de facto a BLP, viu-se obrigada a tomar uma posição dominante na BLP, invertendo o peso relativo dos accionistas. Deste modo Cedeu a participação minoritária na IMA (fábrica) e assumiu posição maioritária na importadora/distribuidora que passou a designar-se por AUSTIN ROVER PORTUGAL. Isto revelou-se importante na hora de mudar o local de produção, já que os donos da IMA deixaram de ter qualquer peso em relação a decisões afectas ao projecto.
A BLP não tinha participação directa na IMA, que foi fundada em 1961 e a BLP em 1968. Participava indirectamente já que os donos maioritários da BLP também o eram da IMA e é essa relação que se altera profundamente com a tomada da maioria pela Austin Rover, tendo posteriormente adquirido 100% do capital.
TAGS: IMA Jim Lambert Leonel Vicente Minipeças; Mini; Morris; Austin; BMC; British Leyland Moke Vendas Novas
PARTILHAR:
Deixe um comentário