Os encantos do Ford Del Rey

Clássicos 22 Fev 2020

Os encantos do Ford Del Rey

Por Irineu Guarnier

O Del Rey foi um dos melhores carros que a Ford produziu no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990. O primo rico da “família” do Corcel II – que teve ainda as peruas Belina e Scala e a picape Pampa – era um luxuoso sedan médio de quatro ou duas portas (com mais cara de coupé nesta configuração) baseado no Granada MkII, da Ford inglesa, e no Taunus, da Ford alemã. Substituiu os mais musculosos, porém envelhecidos, Galaxie e Maverick com uma vantagem bem atraente: bebia muito menos.

 

Lançado em 1981 com o velho motor Renault do Corcel, recebeu o econômico CHT 1.6 da Ford em 1984. Com a fusão da Ford com a Volkswagem, em 1987, que deu origem à Autolatina, adotou em seguida o propulsor AP 1.8 da montadora alemã, mais potente. Sairia de linha em 1991 com 350 mil unidades vendidas – deixando órfã uma legião de fãs, que até hoje mantém seus exemplares em perfeitas condições.

 

Nas versões mais refinadas, sobretudo na Ghia, a top da gama, incorporava equipamentos de conforto ainda raros em automóveis brasileiros da época como direção hidráulica, ar condicionado, vidros elétricos, além de mimos muito apreciados então, como o relógio digital azul no console de teto e o veludo nos bancos. Se não tinha as dimensões superlativas do Galaxie, tampouco a esportividade do Maverick GT V8 (equipado com o célebre “motor canadense” 302), nem por isso o Del Rey foi considerado menos interessante. Por dez anos, reinou como um dos mais desejados automóveis do país.

 

Dotado de uma suspensão extremamente macia, que o tornava quase perigoso em estradas sinuosas de serras, o Del Rey seduzia os usuários com mais de 40 anos principalmente pelo conforto. Impressionante era a leveza da direção e dos pedais de freio e embreagem. E o silêncio. Às vezes, ao parar em um sinal, era preciso conferir o painel para se ter certeza de que o motor ainda estava ligado. Hoje, com o formidável avanço tecnológico da indústria automobilística, tudo isso pode parecer bobagem. Mas, em um tempo de carros duros e barulhentos, como quase toda a linha air cooled da Volkswagen, a suavidade do Del Rey marcou época.

 

Guiei um Ford Del Rey uma única vez na vida – mas foi o suficiente para nunca me esquecer do carro e desejar ter um até hoje. Guardo a mais vívida lembrança dessa experiência. Fui passar o Natal na casa de minha família, no Interior, e meu pai veio me buscar na estação rodoviária com um Del Rey Ghia azul noite seminovo que acabara de receber como pagamento em um negócio de terras. Orgulhoso, me entregou a chave para que eu experimentasse a novidade. Não me fiz de rogado. Saltei para o volante e deslizei pelas ruas impressionado com a docilidade daquela máquina.

 

A minha alegria, no entanto, duraria pouco. Na visita seguinte, meu pai não tinha mais o carro. O velho Irineu era um homem de perfil low profile, que detestava qualquer tipo de ostentação. Encasquetou que o carro era vistoso demais para sua modesta condição econômica e o vendeu. Preferiu um bem mais discreto Passat. De nada valeram as súplicas de minha mãe para que continuasse com o Del Rey. Fiz coro aos apelos da mãe. Argumentava que, depois de tantos anos trilhando estradas de chão batido com um Fusca (Carocha), ele merecia o conforto do belo sedan da Ford. Claro que havia uma segunda intenção por trás da minha campanha: eu queria mesmo era poder desfrutar por mais tempo dos encantos do Del Rey. Infelizmente, isso não aconteceu.

 

01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
previous arrow
next arrow

 

Fotografias: Eduardo Scaravaglione


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.

Siga-nos nas Redes Sociais

FacebookInstagramYoutube