Mitsubishi Lancer Evolution: O imperador Japonês

Arquivos 12 Jan 2024

Mitsubishi Lancer Evolution: O imperador Japonês

Por Telmo Gomes

Se o Impreza pode ser o príncipe japonês do Grupo A, hoje recordamos o seu Imperador: o Mitsubishi Lancer Evolution. Para não deixar dúvidas, enquanto que o Subaru Impreza (da primeira geração, e enquanto as regras do grupo A vigoraram) ganhou um campeonato mundial de Rally, em 1995, com Colin McRae, ficando Carlos Sainz em segundo lugar, também com um Impreza, o Mitsubishi ganhou quatro consecutivos, de 1996 a 1999, todos com Tommi Mäkinen!
 
O Lancer Evolution é talvez, do conjunto de automóveis que vamos aqui falar, o que tem a origem mais humilde. A gama Lancer em 1999 por exemplo, era constituída por duas versões apenas: 1.3 i GLX, com uns banais 75 cavalos, e sem qualquer pretensão em termos dinâmicos ou de qualquer outro tipo, e o Evolution VI, uma máquina infernal com 280 cavalos e a capacidade para humilhar máquinas com o dobro dessa potência. Esta dicotomia e esta origem humilde tornavam os Evolutions ainda mais especiais, únicos. Ninguém esperava que um Lancer, a definição de um automóvel insípido, fosse capaz de tanto!
 
As comparações e rivalidade com o Impreza foram constantes, e mesmo o surgimento do primeiro Evolution em tudo se assemelha ao do Impreza GT. Tal como a Subaru com o Legacy, a Mitsubishi competia com o Galant VR-4, mas a sede de resultados levou-os a transferir toda a mecânica deste para o mais pequeno, leve e ágil Lancer. O resultado era 250 cavalos extraídos do lendário motor 4G63T e apenas 1240 kg!


Mais do que qualquer um dos outros automóveis que vou aqui falar, a história do Lancer Evolution é feita de… evoluções! Foram nada mais nada menos que 10 as iterações que o Lancer Evolution teve, mas tal como no caso do Impreza, irei focar-me em apenas algumas, nomeadamente as versões de 1996 a 2000 – Evolution IV, V e VI.

A segunda e terceira evolução trouxeram apenas alterações ligeiras à receita original, com aumentos de potência sucessivos até aos 270 cavalos, melhorias de aerodinâmica e de circulação de ar para arrefecimento mecânico.

É em 1996 que é lançado um novo Mitsubishi Lancer, e nesta nova plataforma nasce o Evolution 4. Esta nova plataforma era maior e mais pesada, mas permitiu rodar o motor 180°, melhorando distribuição de peso e eliminando o torque steer das gerações anteriores.
 
Mecanicamente o motor 4G63T vê a sua potência subir para o “limite japonês” dos 280 cavalos e explosivos 356 Nm de binário.

Mas acima de tudo, mais do que tudo o resto, com o Evolution 4 surge o Active Yaw Control (AYC), responsável por o tornar numa máquina de condução absolutamente viciante, em que a procura de limites de aderência e velocidade em curva é constante e inundada num misto de êxtase e terror absoluto!
 
Para muitos a resposta para a capacidade de aniquilar qualquer tipo de subviragem \ understeer será magia negra, ou bruxaria. Mas efectivamente é muito simples. Sensores de aceleração lateral e longitudinal, de guinada, de rotação das rodas, da posição do acelerador e volante conseguem determinar em exacto o comportamento do Evolution em curva. Se for detectado qualquer tipo de derrapagem do eixo frontal, o AYC simplesmente envia mais binário para a roda traseira interior (através do controlo da embraiagem hidraulica presente no diferencial traseiro), obrigando assim o Evolution a “rodar sobre si mesmo”. Para que tudo isto funcione, existe só mais um requisito: Fé! Sim, acreditar no sistema, na aderência do brilhante chassis, e manter o pé firme no acelerador. E é este o segredo do Evolution IV, V e VI. Um automóvel que nos leva aos nossos limites quando queremos explorar os dele, que exige tudo o que temos, para conseguir extrair o melhor dele.

E volto a focar a ênfase nestas 3 séries, porque posteriormente o Lancer continuou a ser evoluído, e claro, ganhou eficácia, rapidez, mas ganhou também peso, electrónica, e perdeu magia. Perdeu a ligação pura e mecânica que estes Evolution, apesar dos seus cérebros electrónicos, tinham em abundância. Nestes, o AYC e restantes sistemas não os transformam em máquinas, mas antes numa extensão natural do condutor. A resposta aos nossos comandos é natural, precisa, sem filtros!
 
As evoluções seguintes do Lancer tornam-se mais electrónicas e mais eficazes, sem dúvida, mas a experiência é mais filtrada e controlada. Os Evolutions que se seguiram foram CD’s e MP3. Os Evolution desta geração são um bom vinil, numa belíssima aparelhagem. Electrónica, sim…Mas pura, sem filtros, sem se sobrepor à pureza do vinil.
 
Outro aspecto onde os Evolution IV,V e sobretudo o VI ganham aos restantes no aspecto, passe o pleonasmo.

Há algo de incrivelmente bonito e elegante na forma exagerada e extravagante como o Evolution VI exibe os seus músculos. Tudo nele é propósito, é função. Não é para ser elegante. E ainda assim, de alguma forma, é! É o automóvel que nenhum pai quer que o namorado da filha tenha quando aparece pela primeira vez lá em casa. Excepto para o pai petrolhead. Esse claro, recebe-o com um grande sorriso e um abraço!
 
Mas o Evolution VI é mais do que apenas uma cara bonita, ou um corpo escultural. Aço mais espesso, mais pontos de soldadura e adesivos específicos são utilizados para aumentar ainda mais a rigidez torcional do chassis. Na suspensão são utilizados braços em alumínio forjado: mais rigidez e diminuição das massas não suspensas garantem mais precisão dinâmica.
 
A potência mantém se nos mandatórios 280 cavalos, mas a forma incessante como o 4G63T explode das 3000 rpm até às 8000 rpm, levam-nos a duvidar desse valor. Os 100 km\h chegam em 4,2 segundos! A velocidade máxima, para lá dos 240 km\h, atingem-se com o acelerador a meio gás, para respeitarmos as recomendações da Mitsubishi e ficarmos pelas 7000 rpm. Senão, facilmente se atingem os 260 km\h!
 
A iteração final desta série do Evolution foi a Tommi Mäkinen Edition (TME).

Visualmente reconhecível pela ausência dos icónicos faróis de nevoeiro na frente, o TME foi o aprimorar de tudo o que a Mitsubishi aprendeu dentro e fora do WRC, com um conjunto de melhorias tão significativas que acabaria por ficar conhecida por Evolution 6,5. Um turbo com turbina em titânio, para melhoria do tempo de resposta do mesmo, redução de altura ao solo, mais reforços estruturais, e uma direcção mais directa, o TME era o melhor dos melhores.
 
Isto falando de Evolutions “normais” (se é que se pode chamar algum Evolution de normal), porque se em termos dinâmicos pouco havia a acrescentar, em termos de mecânica, o motor 4G63T tinha muito, muito mais para dar. Basta pensarmos no Evolution VI RS450, com 450 cavalos, mais leve e selvagem que qualquer Evolution até à altura, e capaz de complicar bastante a vida a um Porsche 911 996 GT2.
 
Voltando às comparações com o Impreza, justifica-se que o Evolution VI custasse na altura mais 50% que aquele? Na minha opinião: sim. Claramente. A diferença de capacidades, de andamento, a clareza da inserção em curva, em tudo o Evolution foi o claro vencedor. Um feito de engenharia – engenharia pura, mecânica, não electrónica (apesar de também a ter, mas apenas a servir o brilhante chassis e não sobrepor-se a ele), quase como que um jogo de computador se tratasse – como infelizmente não voltaríamos a ver da Mitsubishi.
 
As alterações ao regulamento WRC a partir de 2001 já não obrigam a uma homologação tão específica e a partir do Evolution VII, perde-se a pureza dos modelos anteriores, a ligação directa à competição.

Se se justifica que hoje custe três a quatro vezes mais que um bom Impreza? Sim!
Num mundo cada vez mais digital e imediato, a experiência de um dos últimos bastiões da condução analógica, pura, tem de ser valorizado! A electrónica está lá, mas para trazer ainda mais feeling e significado a toda a experiência. O misto de elegância e brutalidade do aspecto do Evolution VI é a cereja no topo de um bolo de acelerações violentas e de uma capacidade de curvar que desafia o nosso entendimento de Física.
 
Infelizmente, esta valorização começa a afastá-lo cada vez mais do comum mortal petrolhead. Ao contrário do Impreza, o Evolution nunca teve propriamente uma desvalorização que o tornasse mais acessível, e com o passar dos anos, as cotações vão continuar a subir. Não vou por isso dizer para aproveitarem para comprar agora, como disse relativamente ao Impreza, mas se tiverem pelo menos a hipótese de conduzir, não hesitem. Será uma experiência que ficará gravada para sempre na vossa memória.



 

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