O principal inimigo de qualquer amante de clássicos

Clássicos 13 Mai 2019

O principal inimigo de qualquer amante de clássicos

Por Paulo Quendera

Se perguntassem a vários amantes de clássicos qual seria o seu principal inimigo do seu clássico, as respostas seriam as mais díspares.
 
A falta de peças seria um dos principais pontos. Na realidade a falta de peças é uma dificuldade para a manutenção de um clássico, no entanto é mais visto como um desafio, o gosto de passar horas infindáveis no eBay ou em sites mais ou menos duvidosos a tentar aquela peça, aquele pormenor que vai fazer toda a diferença no aspecto do nosso clássico. Depois a espera infindável que chegue às nossas mãos intacta e que não seja danificada por um qualquer transportador que trata a nossa preciosidade da mesma forma como trata um qualquer pacote chinês de um gadget qualquer. Até que ao fim de alguns meses de espera em que contamos os segundos com a ansiedade de quem espera o primeiro filho, chega o momento em que o pacotinho chega a nossas mãos, e com a delicadeza que não tivemos quando pegámos no nosso primeiro filho, a montamos no nosso clássico e o ficamos a observar como se estivéssemos a observar o seu primeiro sorriso. Não, não será a falta de peças o maior inimigo do nosso clássico.
 
Outros apontariam a falta de tempo e dinheiro para cuidar dele. Durante o meu longo percurso profissional observei pessoas a faltarem aos seus compromissos para cuidar das suas viaturas, a fazerem quilómetros infindáveis para a levarem àquela oficina em que dizem que o mecânico é um entendido no modelo e “afina” os carburadores de ouvido, e no final libertam pequenas fortunas por aquela peça que estava danificada e teve de ser reconstruída de raiz enquanto havia uma cópia a metade do preço, enquanto compram flores num hipermercado qualquer para oferecer na data do aniversário porque só se lembraram através do alerta do Facebook.
 
Haviam imensos motivos a ser apontados. Na minha opinião, o principal inimigo de um clássico é o “Já Agora…”. O “Já Agora…” é aquela infame observação que aparece na nossa cabeça quando começamos a querer corrigir uma qualquer imperfeição no nosso clássico e devido aos brutais custos acabamos por desistir e acabamos com ele todo esventrado num reboque com destino uma qualquer sucateira enquanto uma lágrima nos corre dos olhos. Eu já tive uns quantos “Já Agora…” e quase todos tiveram o mesmo destino.
 
Lembro-me de um Alfa Sprint que tive em que o vidro da porta traseira não abria totalmente e pedi ao mecânico para ver o que se passava. Quando desmonta, e vê uma peça do elevador em mau estado, digo-lhe a infame frase: “Já Agora veja o estado do outro…”. Posso dizer que acabei com um restauro quase total e com custos três vezes superiores ao do veículo, e só não foi pior porque a certa altura tive de trocar o “Já Agora” pelo ” Já Chega”. Posteriormente vendi o veículo porque na minha cabeça ficaram muitos “Já agora ” por fazer e cada vez que saía com o veiculo, em vez de aproveitar a viagem não me saíam da cabeça os “Já agora”.
 
Quase todas as pessoas que têm ou tiveram um clássico passaram pelo síndrome do “Já agora…” e quando o tempo e o dinheiro se acaba, quase todos os projectos tem o mesmo destino.
 
O principal inimigo do nosso clássico somos nós mesmos, na nossa ânsia pela busca da perfeição imposta pela sociedade, perfeição essa que não existe e que só nos traz desgosto.
 
Um clássico é isso mesmo, é um veículo em que cada pequena mazela conta uma história. É a mossa que fizemos quando o nosso pai nos levou àquela festa da escola e batemos com a lancheira na porta, aquela pequena marca de dentes que o nosso cão fez quando íamos todos para praia no verão ou a peça partida pelo nosso avô quando devido a falta de força ou agilidade consequente da idade a destreza não o permitiu manusear correctamente.
 
Cada mazela é um pouco da nossa história, tal como cada ruga é algo do nosso passado. Só que cada um de nós tenta ser jovem para sempre em vez de abarcar a sua idade e toda a experiência e sabedoria que a idade traz. Os índios no passado juntavam os mais jovens com os mais idosos para que estes transmitissem os seus conhecimentos e experiência, e cada ferida do seu corpo, cada cabelo branco e cada ruga era uma história de sabedoria e conhecimento.
 
Não sou contra o restauro dos veículos clássicos, mas acredito mais num clássico que seja restaurado não de raiz mas mantido as suas pequenas correcções e imperfeições. E que o “Já Agora…” se transforme em “Já agora, este risco lembra-me aquele dia em que…”.

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Mário Campos
Visitante
Mário Campos

É evidente , que está carregadinho de razão !
Mas,….em……Portugal, o…….”de A a Z”, é que……impressiona !
Maldita vaidade.

Victor Gonzalez
Visitante
victor gonzalez

Grande verdade|
Como a do já agora !
Viva o Já Chega!

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