Bugatti Chiron: O desenvolvimento do motor (Parte II)

Modernos 04 Jan 2019

Bugatti Chiron: O desenvolvimento do motor (Parte II)

Por Hélio Valente de Oliveira

A solução de sobrealimentação sequencial 

 

Os sistemas de sobrealimentação de duplo estágio (sequencial), normalmente usados em motores diesel utilizam dois turbo-compressores ligados em série. O primeiro, mais pequeno, logo com menos inércia, está localizado a montante do segundo, maior e com mais inércia, que está configurado para potência máxima.

 

O conceito de quatro turbo-compressores, um para cada grupo de quatro cilindros, tal como utilizado no Veyron foi adoptado durante o desenvolvimento. A vantagem reside na baixa inércia resultando numa boa resposta do turbo-compressor, que numa comparação directa com um sistema sequencial é apanágio do turbo mais pequeno.

 

O motor W16 para o Chiron, possibilitou à Bugatti implementar sobrealimentação sequencial sem adicionar outro turbo-compressor, graças à solução de dois turbos por banco de cilindros.

 

A solução implementada para minimizar, ou eliminar o tempo de resposta utiliza o mesmo conceito, mas no caso do Chiron, um dos turbos está separado do caudal de gases de escape, através de um “sistema de desconexão” e consequentemente todo o caudal dos oito cilindros passa apenas por um turbo-compressor.

 

 

Como resultado, este turbo-compressor atinge a velocidade necessária para gerar a pressão requerida consideravelmente mais depressa e, graças ao caudal de ar gerado estar disponível mais cedo, gera um binário muito elevado resultando num comportamento sem “turbo lag”.

 

A partir de uma certa velocidade do motor, o caudal de ar gerado por este turbo já não é suficiente para manter os valores de binário, por si só. Mesmo que a velocidade do motor aumente, notar-se-ia uma degradação dos valores de binário a partir daqui. Por esta razão, a activação regulada do segundo turbo, que até então estava “desligado”, começa a ocorrer através da abertura de uma borboleta que estava fechada. O motor só atinge a potência máxima neste modo.

 

 

Ambos os turbo-compressores, o permanente e o secundário, têm dimensões idênticas. A vantagem sobre um sistema com turbos de diferentes dimensões, onde existiria um ainda mais rápido arranque inicial, é uma curva de binário mais plana sem o aumento, ou diminuição, no ponto de transição entre os diferentes turbo-compressores.

 

O desafio de sistema de desconexão

 

Para criar um sistema de desconexão, que precisaria de ser colocado na frente do turbo a ser desligado, várias opções foram investigadas a princípio e testes de stress de hardware efectuados, em alguns casos. Uma válvula rotativa, que foi escolhida a princípio, devido às capacidades de fluxo, quando aberta, e que seria integrada no colector de escape, foi abandonada, depois de vários testes, devido a problemas de vedação. A distorção induzida por calor, na válvula, foi decisiva neste caso.

 

Um flap, com o eixo inserido no caudal de gases de escape, semelhante a uma borboleta de admissão, foi usado com sucesso pelo Grupo VW, no motor diesel do Touareg de competição. Este conceito técnico foi adoptado para o motor W16 após testes intensivos. A adaptação a um motor a gasolina, com temperaturas de gases de escape muito superiores, foi um sucesso, depois de um sem-número de modificações.

 

Estratégia de comutação

 

A carga do motor está no ponto mais baixo, durante uma condução muito moderada. Nesta situação, o flap de regulação do caudal de escape, na frente dos turbos a serem regulados, está completamente aberta. O motor funciona com os quatro turbos, ou em relação a um banco de cilindros, com dois turbos.

 

Vamos falar em termos de um banco, uma vez que o funcionamento é igual para ambos.

 

Na eventualidade de uma súbita depressão do acelerador, solicitando uma resposta rápida, a regimes abaixo das 3800 rpm, o flap fecha, impedindo que o caudal de gases de escape chegue ao segundo turbo. Isto resulta em que a totalidade do caudal seja canalizado para o turbo de funcionamento permanente, fazendo-o acelerar muito mais rapidamente e gerar a pressão de sobrealimentação adequada. O fluxo de ar, gerado por este turbo-compressor é impedido de entrar no circuito do segundo compressor, agora desactivado, via uma válvula anti-retorno, que, entretanto, fechou automaticamente. Esta bancada está assim a funcionar só com um turbo.

 

Se a necessidade de ar para o motor continuar a aumentar, este modo de funcionamento vai deixar de ser suficiente. O segundo turbo vai ser então reactivado, através do mesmo flap, que vai começar a abrir. Nesta fase inicial, o segundo turbo, que ainda não tem velocidade suficiente para gerar pressão, vai ser guiado por outra válvula, que está posicionada no circuito de ar do turbo de funcionamento permanente e que vai controlar/restringir o fluxo. Em virtude do ligeiro vácuo que vai ser gerado neste ponto, duas coisas vão acontecer: primeiro, o turbo que está a acelerar vai atingir a velocidade de funcionamento mais depressa, e em segundo lugar, o turbo permanente vai ser assistido na fase de transição do caudal de gases de escape. Quando as velocidades de operação dos dois turbos forem equivalentes, a válvula de restrição fecha completamente, a válvula anti-retorno abre e o segundo turbo começa a alimentar o motor.

 

Neste ponto, e voltando a falar do motor como um todo, todos os quatro turbo-compressores estão em funcionamento e entregam a massa de ar necessária para este atingir a potência máxima. O diagrama que se segue mostra o processo de transição de funcionamento de dois para quatro turbos.

 

 

Regulação dos turbo-compressores

 

O flap que regula o caudal dos gases de escape, que está sujeito a uma grande carga térmica, pode fazê-lo continuamente ou fechar o fluxo para um dos turbo-compressores em cada banco. A operação deste, em situações de carga máxima, consiste em abrir gradualmente, permitindo passagem para o turbo desactivado, a partir das 2000 rpm e é usado como um bypass na gama de rotações subsequentes à medida que o ângulo de abertura aumenta. Um sensor de velocidade, instalado em cada turbo-compressor, transmite esta informação à unidade de controlo do motor.

 

 

Acima das 3800 rpm, o motor reverte a operação dos turbo-compressores para as quatro unidades disponíveis, dificilmente notada pelos passageiros. O processo de transição é completamente pré-controlado. O flap, a válvula wastegate e a válvula de restrição são operadas desmodromicamente por um breve período.

 

Além disso, os turbo-compressores são activados, não sincronizadamente, mas sequencialmente. Devido a um ligeiro atraso, o aumento de binário do motor é suavizado e, portanto, efeitos negativos na condução são evitados. Este tempo de transição resulta da intersecção das curvas de binário, tanto em modo de dois turbos, como para quatro.

 

 

A curva ponteada abaixo das 3800 rpm representa o valor de binário obtido em modo de quatro turbos. Por outro lado, o binário com dois turbos cai consideravelmente durante a operação acima do ponto de intersecção (também a ponteado). O modo de operação mais apropriado é seleccionado pelo processo de transição, de acordo com a cartografia da unidade de comando, e onde o motor se situa nesse preciso momento.

 

Medidas para aumentar rendimento

 

Em diversas áreas do motor e periféricos, medidas que visam o aumento de rendimento tiveram de ser implementadas a fim de atingir os objectivos pré-definidos.

 

 

De seguida a implementação técnica deste aspectos individuais será vista em detalhe. 

 

Trajecto dos gases de escape 

 

A maior parte do aumento de potência, no motor do Chiron, deve-se ao fundamentalmente redesenhado escape. Além do sistema de sobrealimentação, com um novo modo de funcionamento, modificações de componentes que permitiram um aumento importante de fluxo, assim como novos, mais eficientes conversores catalíticos, todos têm um papel importante no resultado final. 

 

Design do colector de escape

 

Redesenhar o colector de escape foi um requisito básico para possibilitar a operação sequencial dos turbo-compressores.

 

Enquanto no Veyron quatro colectores, um por cada quatro cilindros, conduziam o caudal de gases de escape para um turbo, no Chiron os colectores tiveram de ser combinados, numa versão de oito canais para o novo sistema de sobrealimentação. Cada um dos colectores, em aço fundido, tem duas falanges: na frente é montado o turbo ativado pelo flap, enquanto o turbo permanente fica montado à retaguarda.

 

O desafio foi garantir o seu funcionamento ideal, sem fracturas ou distorções, uma vez que a carga térmica é muito elevada assim como garantir a vedação perfeita, uma vez que o comprimento total ascende agora a 566 mm, com a cabeça do motor. Os colectores são divididos a meio, com vista a limitar a expansão induzida pela temperatura, durante o funcionamento normal do motor, com casos extremos de carga máxima, desaceleração, assim como as tensões normais induzidas num componente fixo. Um compensador, em forma de fole em metal liga as duas metades do colector, servindo de elemento de conexão e dissociação.

 

Este fole assegura estanquicidade na ligação e absorve os movimentos das duas metades do colector, uma contra a outra, que foram reduzidos ao mínimo, através da posição cuidada das falanges de fixação. Um vedante primário adicional foi colocado entre as duas metades do colector, que encaixam uma na outra, como se vê na imagem em baixo. 

 

 

Por um lado, actua como um escudo para as temperaturas de pico dos gases de escape. Por outro, protege o compensador das vibrações dinâmicas geradas por pressão do escape, que de outro modo seriam transmitidas a este. Graças a este sistema de dissociação das duas metades do colector, este pode ser tratado como dois colectores independentes. A expansão, relacionada com a temperatura, já era conhecida, e pode ser controlada com a optimização da geometria, com a ajuda de cálculos FEM.

 

Estes colectores também precisam de suportar o peso dos turbo-compressores, do flap e controlador, assim como da zona inicial do sistema de escape.

 

A aplicação de isolamento de alta-temperatura reduz as perdas de calor dos gases de escape durante a fase de aquecimento e, com o motor em plena carga, a transferência de calor, que pode chegar aos 980º C, para o compartimento do motor. Este isolamento altamente eficaz, é feito de um material micro-poroso em conjunto com um manto de fibra de silicato, envolvido por uma folha de aço inoxidável. Como resultado, a temperatura à superfície dos colectores de escape está limitada a 350º C, mesmo em situações de carga máxima.

 

Design do actuador e flap de regulação de fluxo de escape

 

Como mencionado anteriormente, um flap com uma construção semelhante a uma borboleta de admissão, provou ser a melhor solução para regular o fluxo de gases de escape que alimenta o turbo secundário. A experiência da Volkswagen Motorsport, no Touareg, provou ser a melhor opção. Devido a diferenças óbvias entre motores diesel de competição e motores de alto rendimento a gasolina – entre outras, temperatura e capacidade de fluxo − o design do flap requereu uma revisão extensiva, tanto em materiais usados como em tamanho, de maneira a resistir às cargas a que seria sujeito, sem limitações.

 

Os estágios de avaliação do flap compreenderam testes de stress a alta temperatura, feitos numa bancada, com uma câmara de combustão que providenciasse massa de gases de escape. Para passar todos os requisitos dos testes, algumas modificações fundamentais tiveram de ser aos parâmetros dos componentes, como o dimensionamento do diâmetro do veio, o design do rolamento cerâmico, materiais de altas performances e a vedação entre o veio e a armação que suporta o flap.

 

O componente final, que suporta temperaturas de 980º C, é construído a partir de peças individuais como o flap, veio e armação, feitas numa liga de alta temperatura (Inconel 713C). Os blocos, para produção destas peças, são fundidos, tendo de ser posteriormente maquinados, com alta precisão e individualmente. O veio do flap, suportado por dois rolamentos de agulhas em cerâmica, é fixado ao flap permanentemente. O alto nível de estanquicidade, entre o flap e a armação, é garantido por dois segmentos semi-circulares, montados na armação, contra os quais o flap repousa, quando permanece fechado.

 

 

O accionamento do flap é feito por um actuador controlado electronicamente. Para proteger o motor deste actuador do calor circundante, irradiado pelo colector de escape e turbos, e da inevitável transferência de calor, via o veio do flap, que é transmitido ao veio do actuador, tornou necessário a colocação destes elementos de controlo o mais afastado possível destas fontes. Assim este está colocado num suporte separado, voltado na direcção oposta, que o isola do calor. O actuador permite ao flap ser posicionado a um ângulo de abertura preciso, dentro do curso de 90º. As posições de 0º e 90º são ajustadas de maneira a que o flap possa permanecer fechado com um binário máximo de 6 Nm, mesmo com as oscilações importantes de temperatura que ocorrem.

 

Um último desenvolvimento foi feito com o elemento de ligação entre a activação mecânica do flap e o veio do actuador.

 

 

Este elemento precisa de preencher uma série de requisitos:

– Movimento, sem folgas, entre o veio do flap e o veio do actuador

– Máxima rigidez torsional (qualidade do controlo do flap)

– Compensação de tolerâncias de fabrico e montagem

– Compensação de movimentos relativos dos componentes devido a expansão térmica e distorções termo-mecânicas em todas as direcções

– Operação sem falhas, mesmo sob a influência de temperaturas muito altas

– Supressão da condução de calor do veio do flap para o motor de controlo

 

A solução de ligação, neste veio do actuador, compreende dois foles metálicos, um em cada extremo, feitos de duas folhas de liga metálica, que compensam todos os movimentos relativos entre os dois componentes. O “lado quente” deste veio tem, adicionalmente, um elemento protector térmico, com a finalidade de proteger o fole mais próximo de temperaturas excessivas e reduzir a condução térmica.

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