Hélder de Sousa: Jornalista e Piloto com Angola no coração

LifeStyle 06 Nov 2016

Hélder de Sousa: Jornalista e Piloto com Angola no coração

Por Francisco Lemos Ferreira

Tive o privilégio de entrevistar um dos meus ídolos de juventude, Hélder de Sousa, a propósito dos 40 anos do Autódromo de Luanda. Multifacetado e homem de vários talentos, Hélder de Sousa deixou marcas tanto na competição automóvel como no jornalismo. Mais de 40 anos depois, o entusiasmo com que nos fala das suas histórias e com que revive os seus momentos na competição mostram que Hélder de Sousa está aí para as curvas…
 
Hélder, qual foi a sua primeira corrida?
A minha verdadeira primeira corrida foi pouco depois de ter comprado o Fiat Abarth 1.000 TC. Este carro tinha sido do Belmiro Vieira que o tinha comprado directamente na Abarth. Juntamente com Maximino Morais Correia (dois pesos pesados para tão pequeno carro) tentaram bater o record Luanda-Lourenço Marques. Claro que não passaram a fronteira. Com um carro de pista era impossível passar incólume pelos buracos de algumas estradas. Desistiram da aventura, o carro veio para Luanda, foi reparado e posto à venda. Comprei-o, dando em troca um Triumph TR3 lindo, com rodas raiadas e aperto de borboleta central. Como o que eu queria era correr, o Abarth era ideal para as minhas aspirações de iniciado. Inscrevi-me no Circuito da Fortaleza, 1965 (creio) não andei mal mas, talvez mazelas do incidente anterior, não cheguei ao fim. Só nas provas seguintes comecei a dar nas vistas com o Abarth.
 
Quando penso em Hélder de Sousa como piloto a primeira imagem que tenho é do Amigo Hélder em 1972 com o Opel Manta de Grupo 2 que espantava todos. O Manta foi o seu melhor carro?
Não terá sido o melhor mas foi, de certeza, o que mais adeptos teve até aos dias de hoje. Acho que, apesar de tudo, terá sido um dos carros com os quais eu me indentifiquei bem o que me permitiu tirar dele tudo o que tinha. De motor estava abaixo dos BMW 2002 TI e dos Alfa. Era uma versão para ralis de asfalto, com motor de 165 cv. O que tinha de realmente bom eram as suspensões, os travões e caixa de velocidades Getrag close. Os travões eram Brembo e aguentavam bem o calor, melhor que os BMW. Tinha aquelas belas jantes BBS, lindas, com pneus largos. Era esse conjunto que me permitia travar muito tarde e curvar depressa, compensando a falta de potência. E, claro, o barulho do escape a sair mesmo por baixo da minha porta ajudava ao espectáculo. Foi, de facto, um carro carismático no panorama angolano de então. Para mim, a melhor corrida com ele foi nas 6 horas de Nova Lisboa-1973 (acho) na qual, com o Henrique Cardão, ficámois em 5º da geral, e primeiro turismo. Um resultado espectacular.
 
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Qual para si o melhor circuito angolano?
Apesar dos autódromos, eu gostava particularmente do circuito de Novo Redondo (actual Sumbe), por causa daquela subida com curva à esquerda cega e descida para a praia. Era uma secção de muita condução onde se podia ganhar uns décimos. O circuito de Sá da Bandeira (actual Lubango) também me fascinava por aquela curva à esquerda depois do casino e do mercado. Era uma curva de alta, piso saltitante, onde era preciso ter alguma audácia. Foi onde o Ferreira Pires espatifou o Ford GT 40. No autódromo de Luanda, a Curva do Pescoço de Cavalo era um desafio interessante e, no de Benguela, era uma longa à direita que, no March, fazia sentir os G’s na cabeça.
 
Um descrição do Ambiente nas 6 Horas de Nova Lisboa ?
As “6 horas de Nova Lisboa” tinham um não sei quê especial. Era a prova pela qual esperávamos todo o ano. Havia uma grande hospitalidade na cidade, os organizadores, embora fazendo cumprir as regras, eram afáveis. Para quem via a corrida de dentro de um carro de corridas, o que impressionava era a moldura humana em todo o circuito que não arredava pé até ao fim. Sendo internacional, era agradavel por podermos ombrear com pilotos de nome, alguns, de menos nome outros, a quem nos dava um prazer especial ficarmos à frente deles. À noite, no Hotel Mombaka, centro de tudo, era fantástico. Há vontade de voltar a fazer reviver a corrida mas penso que ainda falta muita coisa para isso.
 
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O Autódromo de Luanda foi um marco e é um legado? Ganhou na sua inauguração não é verdade?
Sim tive o privilégio de ter sido o primeiro vencedor do autódromo de Luanda, na primeira prova da sua inauguração em 28 de Maio de 1972. Eu não tinha automóvel mas tinha, e tenho, um grande amigo, uma pessoa fantástica a quem não foi prestada a devida homenagem pelo que ele fez pelo automobilismo em Angola: Renato Fraga. Fui à Mocar ( de quem ele era dono) falar com ele e perguntar-lhe se me emprestava um dos seus Capris para a prova inaugural que eu queria tanto fazer. Os carros do Team Mocar já estavam todos destinados mas, no gabinete do Renato estava um senhor que eu não conhecia e me perguntou: mas você quer mesmo correr? Então vai com o meu automóvel. Era o Valdemar Teixeira. A corrida foi muito bonita, o Henrique Bandeira Vieira arrancou à frente, eu passei-o (no pescoço de Cavalo) e fui-me embora.
 
A sua participação em protótipos foi relevante qual o melhor?
Sem dúvida, o melhor foi o Lola T292-BMW. O carro era do Mabilio de Albuquerque, depois de ter sido do António Peixinho. Fiz equipa com o Mabilio nas “3 horas da Huíla” e ganhámos, apesar de eu ter tido um percalço na tal curva rápida onde se partiu a suspensão do lado direito que rebentou o pneu e um radiador. Consegui aguentar o carro e levá-lo até às boxes onde as mãos milagrosas do Vitor Vitorino puseram o carro a andar para terminar a prova e ganhar. Foi emocionante. O Mabilio e eu faziamos a equipa mais dispar que se podia ver: ele, bem volumoso, devia pesar mais de 90 quilos, eu, magrinho, não “dava” mais de 55. Eu conseguia andar bem com o Lola porque o Mabilio, como não tinha tempo, pedia-me para ir testar o carro no autódromo.
 
Qual a sensação ao volante do March?
O March 74S-Cosworth não tinha metade das qualidades do Lola. Era “pesadão”, cansava imenso, exigia muito do físico. Claro, quando se é novo e saudável, aguenta-se tudo e só o privilégio de ter sido escolhido para correr com o March dava-me uma grande alegria. Mas também responsabilidade. Naquele ano, a concorrência era muito forte, a começar pelo interior do nosso team March-Lis onde eu tinha como companheiro o catalão Artemi Pratts e, no outro carro, tinha o meu companheiro de team e rival de sempre, o Manuel Amaral “Larama”.
Adaptei-me bem ao carro, cheguei a propor afinações de ordem aerodinâmica – que eram uma novidade para mim – e, os donos ingleses dos carros gostaram do meu trabalho e elegeram-me primeiro piloto do carro, em detrimento do Artemi. O carro obteve uma das raras vitórias da marca em corridas internacionais, quando ganhei a segunda corrida das “2 horas de Luanda” – 1974.
 
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Hélder quando começou a escrever em Jornais e Revistas?
Nos anos 64, 65, 66, 67 fui correspondente em Angola do jornal Motor e, depois do jornal Volante. Depois, na revista EQUIPA, em 1972. Depois, como se sabe, nunca mais parei até hoje, desde ter sido co-fundador do Autosport até director e chefe de redacção de algumas publicações como a RPM e várias outras.
 
Dê-nos uma imagem do “Team LIS”.
O Team Lis tinha duas componentes muito fortes e muito positivas. A Mocar e sua estrutura técnica e organizativa sob a batuta do Renato Fraga e a ETA, Empresa de Tabacos de Angola, que fazia os cigarros LIs. Deve ter sido dos melhores projectos que Angola teve (e até Portugal) em automobilismo. Os Capris era impressionantes de robustez, aguentavam tudo. Depois, quando chegaram os Lotus, as coisas tornaram-se mais complicadas, éramos os “inimigos a abater”, Quando percebemos que os carros tinham capacidade de vencer corridas, o Team tornou-se mais ambicioso e corriamos para títulos. Tinhamos algum peso psicológico em cima.
 
A revista equipa era “A Fonte” do automobilismo angolano, o que significa ainda hoje para si esse projecto?
Foi, de facto, o projecto mais interessante do panorama da imprensa desportiva dos automóveis
 
Acumulou todas as funções se tivesse de escolher: Rádio, Jornalismo ou Pilotagem?
Oh meu amigo, isso é quase o mesmo que me obrigar a dizer e qual filho ou neto eu gosto mais… não sou capaz de por de lado nenhuma, incluindo a televisão na qual reuni tudo: rádio, jornalismo, pilotagem.
 
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Bruno Miguel dos Santos Rodrigues
Visitante
Bruno Miguel dos Santos Rodrigues

Oi meu pai foi piloto amador ,tinha um Ford Capri vermelho número 27 Antônio dos Santos Rodrigues português , abandonou seu carro na gurra no começo de 1976 e veio para o Brasil , será que consigo alguma matéria a respeito disso , hoje ele tem 78 anos

REIS MOTA
Visitante
REIS MOTA

Coloquei em tempo oportuno um comentário que foi apagado inusitadamente porque somente relatava dois factores importantes sobre o que Helder de Sousa refere sobre as 6 Horas do Huambo que sempre assim se denominaram e não 6 Horas.de Nova Lisboa,como erradamente é referido.Estive presente como espectador em todas as edições naquela bela cidade de Angola.Hilariante é ser referido e a propósito que à noite o centro de tudo naquela prova,era o Hotel Mombaka???O hotel referido em epígrafe não era em Nova Lisboa,mas sim em Benguela.!!!!!,

Rui Reis
Visitante
Rui Reis

Magnífico testemunho para memória futura de um bom piloto e excelente jornalista, Angola foi um caso à parte no automobilismo nacional e são tempos que já não voltam

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