Competição • 15 Ago 2014
Competição • 08 Out 2015
Entrevista a Rui Madeira: 20 anos depois da vitória no Campeonato do Mundo
Passaram 20 anos desde que Rui Madeira se tornou o primeiro português a vencer o Campeonato do Mundo de Ralis. Foi em Outubro de 1995 que, em Mitsubishi Lancer Evo III, preparado pela Ralliart Alemanha, perpetuou o seu nome na história do desporto automóvel em Portugal. Para assinalar a data, o Jornal dos Clássicos traz-lhe uma entrevista exclusiva onde são abordados alguns dos momentos mais altos da carreira do piloto.
A carreira desportiva de Rui Madeira não se resume ao título conquistado na Taça do Mundo FIA de 1995, aos dois títulos no Campeonato Nacional de Ralis de 1993 e 1994 (Grupo N), à vitória em termos absolutos no Rali de Portugal de 1996 ou, ainda, às cinco vezes em que foi o “Melhor Português” na prova-rainha dos ralis em Portugal.
Ao longo dos anos, o piloto de Almada acrescentou ao seu rico palmarés muitos outros êxitos que reconfirmaram ser um dos mais bem sucedidos pilotos portugueses de sempre, ajudando a consolidar a rica e vasta história que alguns pilotos nacionais conquistaram além-fronteiras.
Antivedeta por excelência, sempre afável e de acessibilidade extrema, Rui Madeira tornou-se num dos pilotos portugueses mais populares. A sua fulgurante ascensão até ao topo dos ralis mundiais e a forma como se manteve uma referência até para as novas gerações bem justificam a revisitação destes 25 anos de uma carreira que merece ser escrita em letras de ouro!
– Os troféus Marbella e AX foram importantes para ganhar experiência competitiva?
Muito importantes pois permitiram aprender as bases para evoluir na competição ao mais alto nível, pois quando se disputam Troféus com carros iguais o nível competitivo é sempre mais elevado e no meu caso, acho que foram a escola para subir os primeiros degraus e evoluir para viaturas de outros grupos mais potentes.
– E como é passar de um AX para um Sierra Cosworth 4X4?
Foi uma adaptação fácil pois apenas foi necessário aprender a dosear o acelerador por causa do turbo e a ter mais cuidado com a velocidade, sobretudo nas travagens, pois o Sierra fazia 210Km/h de ponta contra os 160Km/h do AX. Lembro-me que, nas duas primeiras provas, foi necessário mudar o chip, sobretudo, na travagem, mas foi no Sierra que aprendi a jogar com a distribuição dos pesos e a guiar de forma eficaz um carro de tracção integral.
– A dupla com o Nuno Rodrigues da Silva foi fundamental para o vosso sucesso em muitas provas. Qual a melhor receita para um bom relacionamento entre piloto e navegador?
Respeito mútuo, só com grande amizade é possível, depois saber trabalhar em equipa, transmitir a opinião correcta principalmente no acerto das notas de andamento, por vezes, também, os pilotos não estão nos seus dias e o Nuno, como conhecia os meus limites, era fundamental o incentivo. No fundo, era o ponto de equilíbrio entre o piloto e o andamento a imprimir na viatura.
– E com os mecânicos e restantes elementos da equipa? Qual foi a tua postura para um bom relacionamento?
Penso que eles são unânimes em reconhecer que a humildade na forma como os respeitava, eles eram os olhos da preparação do carro. Recordo com saudades os tempos da Garagem 19, Jorge “Fininho”; o irmão, o Serafim, pois tinham já muitos campeonatos conquistados e eu era o aprendiz. Gostava muito de ouvir e aprender com as suas experiências em determinadas situações, como afinações de suspensões ou como extrair a melhor potência do carro em determinada situação. Por outro lado, eles ficavam agradecidos porque a nível de mecânica tratava os carros de forma muito suave, que pouco material gastava durante o ano.
– Conta-se no livro sobre a tua carreira que o corte de relações diplomáticas de Portugal com a Indonésia impossibilitou a tua participação num Mundial de Ralis. Não havia mesmo outra maneira de dar a volta à situação? Falhando, por exemplo a primeira prova e tentando compensar nas restantes?
A questão é relativa ao Campeonato Ásia Pacífico de Ralis de 1997, na altura tinha ganho a primeira prova, o Rali da Tailândia, com a Prodrive, e a segunda prova era, por azar, o Rali da Indonésia. A equipa fez esforços para fazermos o Campeonato mas esse handicap inviabilizou esse projecto, que seria um campeonato super interessante, com provas do Mundial, como a Malásia e, principalmente, a Nova Zelândia e Austrália que já conhecíamos.
– E porque acabaria por ser assim tão decisivo o apoio da EXPO 98 para alinhares na equipa do Carlos Sainz em 1997? Também aqui, não haveria uma solução alternativa? Como farias se fosse hoje?
A situação era difícil porque o Sainz tinha a Repsol e a Galp não poderia continuar o apoio. Por outro lado, a verba da Expo era a necessária para colmatar a diferença. Na altura, a Ford Portugal também não tinha budget e por consequência deste impasse e para se perceber a dimensão do mercado automóvel de Portugal, em 10 dias, a Ford Alemanha arranjou esse milhão de Euros para colocar o Armin Schwarz. Na altura, tentou-se tudo mas o tempo era muito curto.
Hoje todos sabemos para onde foi o dinheiro da expo 98: foi para pagar marinas que nunca funcionaram. Só o retorno que o Carlos Sainz iria dar à Expo, nomeadamente, ao chegar aos países de língua oficial castelhana, em ralis como Argentina, Catalunha e por esse mundo fora, à parte o ponto alto de poder testar e trabalhar já na altura com Malcolm Wilson, tive mesmo muita pena.
Se fosse hoje teria entrado pelo gabinete do primeiro-ministro ou na secretaria de Estado do Desporto. Com o presidente da Federação de Automobilismo e Karting, Manuel Mello Breyner, aprendi que nunca se desiste só os fracos é que desistem!
– E relativamente a carros, há algum com que gostarias de ter competido nos ralis?
Gostava muito de ter guiado o Mitsubishi Lancer. Na altura que estive à beira de guiar o segundo carro no Rali de Portugal de 1999, devido ao acidente do Thomas Radstrom, também esteve em cima da mesa!!
– E hoje, seria mais difícil encetar uma carreira como a tua?
Penso que é mais difícil, os carros têm preços elevados, mesmo os da iniciação, o Seat Marbella era muito acessível na altura! Depois, enquanto empresas como o Galp e os importadores das marcas não apoiarem os mais jovens, será sempre complicado. Desejamos que a economia melhore para que as marcas regressem, assim como as gasolineiras.
Neste momento o Diogo Gago é o exemplo actual de como se programa uma carreira. Espero que ele consiga, pois está nos timmings certos.
– Se um jovem desejoso de ser piloto de ralis te pedir conselho, o que lhe irás dizer?
Ter a noção da responsabilidade da competição que é preciso começar por uma forma barata de iniciação, começar pelas bases, alicerces, exemplo do Troféu Citroen DS3, saber ouvir e trabalhar muito com humildade e ter à sua volta um co-piloto amigo, naturalmente com jeito, que goste tanto de corridas como ele assim como um preparador experiente que o oriente no acerto das afinações, sem esquecer a importância de saber comunicar com os patrocinadores, saber ouvir os bons conselhos dos mais experientes.
– Que oportunidades de carreira se abrem, hoje em dia, aos mais jovens?
Felizmente, este ano surgiu o Challenge DS3, que tive o prazer de estar acompanhar e que tem a marca de pneus nacional a Fedima (principal patrocinador) já tem prémios interessantes de classificação e de participação que, em 2016, esperamos que já englobe ralis de terra. Foi um parto difícil, como em tudo, porque é normal no primeiro ano os pilotos inscreveram-se um pouco tarde, mas esperamos que no próximo ano surjam entre 10 a 15 carros para permitirem aos pilotos evoluírem entre eles, assim como estou certo que a Citroën Portugal vai apoiar este challenge da melhor forma.
Entrevista: Alexandre Coutinho
Fotografias: Jorge Cunha, Paulo Maria
No âmbito das comemorações dos 20 anos do título de Campeão do Mundo do Rui Madeira, será lançada uma campanha especial de venda do livro “Rui Madeira – 25 de Anos de Ralis” a um preço promocional de €20 que se deverá manter até ao Natal. Os pedidos podem ser feitos para: livroscontraacorrente@gmail.com