Arquivos • 19 Nov 2012
Na maior parte da sua história, o Rali do Algarve tem servido de prova de encerramento do Campeonato Nacional de Ralis, onde, como acontece neste ano, as contas finais não estavam fechadas. E se recuarmos 30 anos, o exercício da matemática estava em alta!
O Rallye Sagres Europa Algarve não só contava para o Nacional e Europeu (coeficiente 2) de ralis, como concedia pontos para o campeonato belga, para o Troféu Visa Internacional e a Coupe Peugeot-Esso 104 ZS francesa sendo que a maioria parte competições tinha ainda as contas algo complicadas, mesmo para o período de final de época que se vivia.
Veja-se o caso dos belgas, por exemplo. Os dois principais candidatos ao título fizeram a deslocação ao Algarve na esperança de conseguir pontos extra que os ajudassem. No caso de Robert Droogmans, que trazia um Ford Escort RS 1800 de grupo 4 da Belga Team, a vitória na prova resolvia a questão do título. Mas Patrick Snijers fazia-se munir do seu Porsche 911 SC, preparado por Jean-Pierre Gaban e com as cores da Bastos para evitar que o seu rival levasse a melhor e assim adiar a decisão para o Rali do Condroz. No troféu Visa Internacional, a luta era entre os Chrono de Alain Coppier e Christian Dorche, “observados” por Olivier Tabatoni.
O grande enfoque nacional ia para as duplas Joaquim Santos/Miguel Oliveira e os campeões em título José Pedro Borges/José Nobre, ambos em Ford Escort RS 1800 inscritos em Grupo B pela Diabolique e pela Publiracing, respectivamente, os dois candidatos à conquista do campeonato. No Grupo N, eram três os candidatos: o actual presidente da FPAK Manuel Mello Breyner, que conduzia um VW Golf GTI inscrito pela Publiracing e era navegado por Alfredo Lavrador, e as duplas Nuno Madeira/João Vicente e Manuel Russo/João Sena que alinhavam ao volante de Citroën Visa GT.
Disputado entre 02 e 06 de Novembro, haveria sempre uma espécie de lotaria sobre como seriam as condições climatéricas. E a roleta pendeu para a chuva, com esta a cair copiosamente nos troços de terra que compunham esta edição do rali, composto por três etapas.
A primeira delas teria lugar no sotavento, havendo algumas mexidas no figurino habitual da prova, saindo os troços de Castro Marim, Alcoutim e Ameixial, e entrando passagens por Zambujal e S. Barnabé. Este último estreou-se de forma “animalesca”, pois viu a sua distância reduzida devido a um mercado de gado realizado nas suas imediações, passando de 21,53 para cerca de 12 Km… Quem olhasse para as tabelas de tempos, pensaria que estaríamos nas Ardenas ou na Flandres, pois todos os troços foram ganhos por Droogmans, ou por Snijers, com a liderança a ir para o primeiro quando os sobreviventes regressaram a Alvor no final do dia, depois de Snijers ter ficado sem amortecedores traseiros na segunda passagem por Salir, penalizando ainda 7 minutos à entrada da segunda passagem pelo Zambujal. Quanto aos portugueses, o melhor era José Pedro Borges, seguido de Joaquim Santos e Inverno Amaral, que conseguia colocar o seu Visa Trophée à frente do pelotão Visa Internacional, equipados com a versão Chrono. Esta primeira etapa, sobretudo os demolidores Santa Rita e Salir, acabaria por provocar algumas desistências, destacando-se as de Jorge Ortigão (afinal o pequeno Starlet não era assim tão inquebrável, Rui Souto (partiu a embraiagem à entrada de Santa Rita 2, isto depois de ter sido posto fora de estrada por Snijers em Salir 1), João Santos (meteu o 131 Abarth ex. fábrica de cabeça para baixo em Santa Rita 2) ou Ramiro Fernandes, que ficou com o acelerador preso e o carburador entupido em Salir 2. Conseguindo resolver o problema (penalizando 5 minutos no entretanto), acaba por se despistar no Zambujal…
A segunda etapa irá logo com um atraso de meia hora devido a um protesto de camionistas que exigiam o asfaltamento da estrada por onde passava a entrada do troço de Messines. Resolvida a situação, muito graças à diplomacia de alguns membros do Racal Clube (que estava sediado em Silves), os concorrentes arrancaram para a primeira passagem pelo troço da barragem do Arade. Uma classificativa depois dava-se um volte-face na liderança do rali: Robert Droogmans via o motor do seu Escort entregar a “alma ao criador”. E na liderança não ficava nem Snijers, nem Borges, nem Santos, mas sim o Visa Chrono de Olivier Tabatoni, que vinha a fazer render o máximo das prestações e fiabilidade do pequeno carro francês. Claro que à primeira vista pareceu acima de tudo sorte, pois José Pedro Borges passou para a liderança após a terceira classificativa do dia, S. Marcos I, mas Tabatoni mostrou que estava a “falar” a sério e faz segundo na primeira passagem pelo Odelouca, só perdendo para o Porsche de Snijers. Nesse mesmo troço, José Pedro Borges sofre problemas de direcção.
Quando os concorrentes saem da neutralização na Praia da Rocha, Borges e Nobre retiram o carro do parque fechado de empurrão, voltando a entrar já com o motor em funcionamento. A direcção de prova aplicaria 30 segundos de penalização no final do dia… A ronda da tarde iria provocar mais alterações, com o troço de S. Marcos a voltar a ditar um novo líder, desta feita com Tabatoni a regressar ao comando, fazendo uso do seu pequeno carro nos troços altamente enlameados do concelho de Silves. Os candidatos ao título enfrentam uma série de problemas, com Borges a ficar sem projectores no Alferce e Odelouca e Joaquim Santos só tinha metade do limpa pára-brisas a funcionar em Messines. E enquanto isso Snijers ia recuperando o atraso e dando espectáculo, num carro que à primeira vista parecia inadequado para os troços algarvios. No final, a classificação era liderada por Tabatoni, seguido por Borges, Santos e Inverno Amaral. Pelo caminho, além de Droogmans, tinham ficado, entre outros, Alain Coppier.
A terceira etapa era aquela em que se iriam fechar definitivamente muitas contabilidades. Nas contas belgas, já se sabia que decisão ia ser adiada para Condroz, enquanto que nos Visa estrangeiros também, graças ao “dark horse” Tabatoni e a desistência de Coppier. E ainda faltava, entre outras dificuldades mais, as duas passagens pelo mastodôntico troço de Monchique (54,14 Km’s por cada passagem…). A primeira ronda faz algumas mossas nos carros que já levavam dois dias de bastante “pancada” em cima. Na luta pelo campeonato nacional, Santos passa para a frente de Borges no final de Marmelete, com a primeira passagem por Monchique a, enganadoramente, deixar transparecer que estava tudo praticamente na mesma, tirando a troca de posições à geral entre Dorche e Snijers. Enganadoramente, pois Tabatoni ficou com a suspensão traseira danificada e a direcção aberta (e mesmo assim logrou o 2º tempo na PEC!), Inverno Amaral ficou com um cilindro isolado no Visa, numa altura em que se preparava para dobrar (sic) Joaquim Santos, José Pedro Borges enfrentava problemas de suspensão, Robert Cat abandonava depois de danificar a suspensão do seu Visa e Francisco Romãozinho ficava com uma danos no seu automóvel, depois de um toque em José Miguel Leite Faria, quando procurava ultrapassar o Escort da Rodam.
O golpe de teatro para as contas do título dá-se ainda na primeira ronda, mais concretamente em Aljezur, quando José Pedro Borges desiste devido a ter partido um rolamento de um cubo de uma roda. Joaquim Santos não respirava para já de alívio, pois o motor do seu carro também dava sinais de fraquejar, logrando somente o 6º lugar no Castelejo, última classificativa da primeira parte do dia, mantendo ainda assim o segundo lugar da geral.
Reatada a prova após a neutralização em Lagos, o foco estava na luta pela terceira posição entre Inverno e Snijers, uma espécie de “David contra Golias”. E o certo é que o piloto algarvio fazia uso de todo o seu virtuosismo e da agilidade do seu pequeno carro, fazendo o melhor tempo em Monchique, com um minuto de vantagem sobre Snijers e ainda subindo ao segundo lugar da geral, pois Joaquim Santos continuava a ter problemas de motor, a que se juntavam as sequelas físicas do acidente sofrido nos reconhecimentos. A partir daí para os da frente seria só marchar até ao fim, embora sempre com o “coração na boca”, sobretudo para Joaquim Santos e Christian Dorche que tinham os motores das suas viaturas quase a partir.
A chegada a Alvor serviria então para consagrar a dupla Olivier Tabatoni/Michel Cadier como os surpreendentes vencedores do rali, seguidos pelo não menos surpreendentes Inverno Amaral/Joaquim Neto e pelos vencedores do Campeonato Nacional de Ralis, Joaquim Santos/Miguel Oliveira. Infelizmente, o piloto da Diabolique não comemorou o título, uma vez que recebia a notícia de que um irmão tinha falecido. Numa nota mais cómica, os presentes viam a satisfação de Christian Dorche, que julgava ter ganho o Troféu Visa Internacional, para descobrir mais tarde que Tabatoni tinha passado para a sua frente na tabela de pontos…
Mencionar também a luta pelo Gr. N. Ou melhor a luta pelo campeonato nacional da categoria, pois os irmãos André-Poyaud dominaram o rali com o seu pequeno Peugeot 104 ZS. Quando parecia que o título iria ser entregue a Manuel Mello Breyner, só que este rompe um tubo de gasolina no seu VW Golf antes de entrar para a segunda passagem por Monchique. Pouco depois é Manuel Russo que parte o charriot e fica pelo caminho. Restava Nuno Madeira, que depois de uma segunda metade da época bastante azarada, ainda consegue ultrapassar José Venâncio na classificação e assim almejar os pontos suficientes para sagrar-se campeão nacional.
Nos dias de hoje, a terra foi trocada pelo asfalto monchiqueiro, mas o alcatrão altamente regado pela lama pode ser tão traiçoeiro como os caminhos de lama do antigamente. Esperemos que tudo corra pelo melhor este ano e com a mesma emoção de outrora!
Fotos: Miguel Silva
Recordar é viver, e verdade as provas eram mesmo a sério. Senão vejamos o ultimo Rali do Algarve, dá para pensar. Meus amigos parabéns pelo vosso Jornal da minha parte Obrigado.